Consolidar as conquistas e evitar o retrocesso

19/08/2014
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A “Reconquista de Buenos Aires” é um episódio histórico de forte conteúdo político e grande alcance simbólico. Trata-se de um dos capítulos da luta de independência nacional que ocorreria alguns anos depois.

No princípio do século XIX a Real Armada britânica invadiu, em duas ocasiões seguidas, a cidade de Buenos Aires. As Invasões Britânicas à colônia do Rio da Prata decorreram diretamente das disputas entre a Inglaterra e a França pelo domínio das riquezas do território americano. Depois de uma ocupação de quase dois meses, no dia 12 de agosto de 1806 os ingleses foram expulsos e a cidade reconquistada. Na semana passada a data foi devidamente celebrada na Argentina.

Em 1807, os britânicos organizaram uma nova investida à cidade portenha a partir de Montevidéu. Dessa vez o intento imperialista foi frustrado graças a uma resistência ainda maior, conhecido como a “Defesa de Buenos Aires”. Além das tropas do governo a serviço do Rei da Espanha, aguardava-os nas ruas de Buenos Aires as milícias urbanas, armadas e organizadas militarmente, dispostas a lutar até o último homem para defender o país da ameaça do conquistador estrangeiro. Consta que a população derramou óleo e água fervendo sobre os invasores.

Rechaçados pela segunda vez, os ingleses buscariam outros meios para apossar-se das riquezas naturais e dos produtos primários argentinos, como a lã, o couro e a carne. Estes episódios contribuíram para forjar a consciência nacional do povo argentino. Obviamente, não tinha nenhum sentido lutar contra as invasões britânicas e permanecer sob o domínio espanhol. A partir daí o sentimento nacional se fortaleceu e difundiu-se pelas demais províncias, nutrindo o ideal de liberdade que eclodiu em 1810, na Revolução de Maio – marco da independência e constituição do estado nacional argentino.

Duzentos anos depois a Argentina – como de resto, toda a América Latina – continua cobiçada pelas potências estrangeiras.

Os fundos abutres são uma expressão hipócrita das novas modalidades de dominação financeira que buscam subordinar politicamente o país. Nos anos 70 os banqueiros internacionais adotavam os métodos clássicos da usura, velha prática dos especuladores conhecida desde tempos imemoriais. A armadilha consistia em emprestar a juros baixos e cobrar a taxas extorsivas. Foi assim que o México foi levado à moratória, em 1982, precipitando a crise da dívida externa que contagiou os demais países da América Latina.

Devidamente monitorada pelo FMI e pelo Banco Mundial, a estratégia se espalhou para o restante do continente, em parte por conta do desfecho da transição conservadora dos regimes autoritários para a democracia. Os governos tutelados que sucederam as ditaduras militares se inclinaram para o neoliberalismo, e adotaram as mesmas políticas de desconstrução dos estados nacionais. O resultado foi o sucateamento das empresas e serviços públicos, a flexibilização dos direitos sociais e trabalhistas, o desemprego e o aumento das desigualdades.
 
Acordos como o Nafta, altamente lesivos aos interesses dos mexicanos, se tornaram possíveis graças à debilidade causada por aquelas políticas. A tentativa de implementação da ALCA e desativação do MERCOSUL correspondiam ao mesmo impulso.

Com Chávez, Lula e Kirchner a música começou a mudar. Por isso eles são tão criticados pelos amantes dos ritmos autoritários e antipopulares. A seu modo, cada um deles foi alterando a relação com o sistema financeiro internacional. Chávez recuperou o poder financeiro da PDVSA, e a colocou a serviço da Venezuela. Lula saldou a dívida externa deixada pelos governos anteriores e acabou com as missões do FMI ao país. Kirchner renegociou a dívida soberana da Argentina, em condições aceitáveis por 95% dos credores e suportável pelo país. Esta maior autonomia vem sendo preservada pelos atuais governos Maduro, Cristina e Dilma. Prova disso é o anúncio recente de parcerias financeiras entre o recém-criado Banco de Desenvolvimento do BRICS e os países da UNASUL.

Não é coincidência que os fundos abutres reapareçam neste novo contexto, quando antigas portas foram fechadas. Trata-se de uma modalidade privada de articulação financeira voltada exclusivamente para a especulação. O ambiente de desregulamentação das finanças internacionais das últimas décadas é propício à ação dos abutres. Eles compram os chamados títulos podres da dívida a preços baixíssimos e recorrem à justiça para reclamar somas absurdas. Nunca investiram um centavo em nenhum país. Os abutres conseguiram bloquear na justiça o pagamento de uma parcela da dívida depositado pelo governo argentino, levando o país à moratória técnica. Querem ganhar de todos os lados e por todos os meios.

Para celebrar a Reconquista e a Defesa e combater os abutres, os movimentos sociais e partidos de esquerda realizaram no dia 12 de agosto de 2014, um massivo ato público no Luna Park, local de grandes espetáculos artísticos e culturais e tradicionais manifestações das esquerdas portenhas. Sob a consigna ARGENTINA, PATRIA OU ABUTRES, os movimentos sociais, sindicatos, partidos de esquerda ratificaram o seu apoio às políticas implementadas pela presidenta Cristina Fernández de Kirchner frente à ofensiva levada a cabo pelos fundos abutres dentro e fora do país. Dentre os organizadores do protesto estão os agrupamentos Proyecto Nacional, Unidos y Organizados e Convocatoria Popular.

Como divulgado na ocasião, a avaliação destes setores políticos, sociais e sindicais é a de que “os problemas estruturais e históricos do capitalismo devem ser enfrentados com mais Estado, mais democracia na sociedade e nas empresas, mais economia social e solidária, mais participação popular – especialmente dos jovens – e, sobretudo, mais organização e empoderamento das maiorias populares”.

Consolidar as conquistas e evitar o retrocesso – este é o desafio das forças progressistas de lá (e também daqui).

- José Renato Vieira Martins, professor da Unila e vice-presidente do FOMERCO

Créditos da foto: Arquivo
 
19/08/2014
 
https://www.alainet.org/es/node/102603?language=en
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