De Camp David a Frankfurt: uma moeda, muitas faces
20/05/2012
- Opinión
Não é verdade que uma moeda tenha apenas duas faces, a cara e a coroa. Ela tem várias. Depende do ângulo em que se a vê.
Veja-se o euro. Aparentemente, ele simbolizava a redenção da Europa. Esse continente, com sua trágica história de guerras e genocídios – dentro e fora de seus limites geográficos, graças ao colonialismo e ao imperialismo – teria encontrado a fórmula da convivência pacífica, e o ícone sagrado disso era o sacrossanto euro.
Era tão sacrossanto que nenhum governante, nenhum altofinancista, tempos atrás, admitia a possibilidade de que algum país pudesse sequer pensar em de sua zona sair.
Pois agora o euro se transformou. Para uns virou uma maldição; para outros, um inquisidor. Ainda para terceiros, um ralo. Há ainda quem acredite que ele seja um salva-vidas.
Comecemos pelo ralo. Em Camp David, residência de campo dos presidentes norte-americanos, realizou-se no fim de semana mais um encontro dos membros do G-8. Antes esses barões e baronesas assinalados reuniam-se para ditar normas ao mundo. Hoje se reúnem para ver se conseguem concertar algo entre si.
Para o presidente Barack Obama, o euro tornou-se um ralo, por onde pode escorrer sua esperança de reeleição. Se a crise da moeda européia se agravar em direção a uma recessão profunda, as chances de reeleição de Obama estarão seriamente comprometidas. Obama fez muita pressão sobre Angela Merkel para que ela “suavize” sua posição ortodoxa sobre a moeda e os planos de “austeridade” que a acompanham. Teve companhia nisso: Japão, Canadá, até mesmo David Cameron do Reino Unido e, mais discretamente, Mario Monti, o tecnocrata que desembarcou na Itália para “por ordem” na antiga casa de Berlusconi. Sem falar em François Hollande.
Na Grécia, o euro virou maldição. Cada vez mais economistas de gabarito, de todos os campos, ressaltam que a adoção do euro vitimou o poder de barganha dos países periféricos da Europa, e catapultou o das economias centrais, França e Alemanha. E agora, parece, só o da Alemanha. A remoção das moedas nacionais tirou soberania dos estados, não em nome de um melhor entendimento, mas sim em nome de um esvaziamento de suas exportações, engolidas pela supercompetitiva Alemanha.
Neste país, ainda há quem acredite (cada vez menos, mas ainda em grande número) que sua competitividade venha de suas lições de austeridade, contenção de salários, diminuição de pensões, aumento das horas trabalhadas, rotatividade nos empregos precários, etc. E não da facilidade de obtenção de créditos a baixo custo para renovar os títulos de sua dívida pública, diante do alto preço pago pelos demais, ou da explosão das importações chinesas.
Entre os que não mais acreditam nisso que o economista prêmio Nobel chama de “a ilusão germânica”, estão os 25 mil manifestantes que se reuniram no sábado, 19 de maio, em Frankfurt (sede do Banco Central Europeu), no movimento “Blockuppy Frankfurt”. Para eles o euro não é propriamente uma maldição, mas está se transformando numa parede. Seu protesto era de solidariedade aos gregos, portugueses, italianos, irlandeses, espanhóis, que hoje comem o pão que o Banco Central Europeu amassou. Mas não era só isso: era também um protesto diante da crescente precarização dos empregos, sobretudo para jovens, em seu próprio país (v. nesta CM, “François Hollande e o milagre alemão”), da diminuição da renda do trabalho, do futuro de aposentadorias mais distantes e menos rentáveis, em troca de nenhuma melhora. Sim, porque hoje os políticos do euro e de sua “austeridade” não prometem mais “melhoras”: a grande melhora é ficar tudo como está, ou só piorar um pouco.
Mas do outro lado das barreiras dos policiais de choque (felizmente não houve confrontos dessa vez, apesar de 150 prisões de manifestantes na sexta-feira), o grande inquisidor Jens Weidmann (presidente do Bundesbank – Banco Central Alemão, e membro do Conselho do B.C.E. – sendo que aquele é o principal acionista deste, com 18% de seu capital de base, 1,4 bi de 5,2 bi de euros) lançou a consigna: os bancos devem evitar se comprometer mais com a Grécia, pelo menos antes das eleições de 17 de junho.
É o sinal dos novos tempos: agora não se estranha mais a possibilidade da Grécia sair do euro. Ao contrário, isso virou ameaça, expulsão para o inferno, como os antigos bodes expiatórios eram mandados embora dos muros das cidades, para o deserto, onde seriam devorados por feras e demônios. Um exemplo.
Mas mesmo nesse campo das altas finanças continua a haver gente que vê no euro um salva-vidas. Por exemplo, os bancos credores da dívida grega.
Estimativas conservadoras dizem que uma saída da Grécia da zona da moeda representaria um prejuízo imediato de mais de 250 bi de euros para seus credores, em particular os bancos franceses e alemães.
Porque o não pagamento da dívida seria inevitável.
Pode não ser uma má idéia. A Grécia e os gregos sofreriam? Sem dúvida. Mas sairiam desse estado de prostração em que se encontram, sendo sangrados continuamente pelas décadas das décadas amém.
Veja-se o euro. Aparentemente, ele simbolizava a redenção da Europa. Esse continente, com sua trágica história de guerras e genocídios – dentro e fora de seus limites geográficos, graças ao colonialismo e ao imperialismo – teria encontrado a fórmula da convivência pacífica, e o ícone sagrado disso era o sacrossanto euro.
Era tão sacrossanto que nenhum governante, nenhum altofinancista, tempos atrás, admitia a possibilidade de que algum país pudesse sequer pensar em de sua zona sair.
Pois agora o euro se transformou. Para uns virou uma maldição; para outros, um inquisidor. Ainda para terceiros, um ralo. Há ainda quem acredite que ele seja um salva-vidas.
Comecemos pelo ralo. Em Camp David, residência de campo dos presidentes norte-americanos, realizou-se no fim de semana mais um encontro dos membros do G-8. Antes esses barões e baronesas assinalados reuniam-se para ditar normas ao mundo. Hoje se reúnem para ver se conseguem concertar algo entre si.
Para o presidente Barack Obama, o euro tornou-se um ralo, por onde pode escorrer sua esperança de reeleição. Se a crise da moeda européia se agravar em direção a uma recessão profunda, as chances de reeleição de Obama estarão seriamente comprometidas. Obama fez muita pressão sobre Angela Merkel para que ela “suavize” sua posição ortodoxa sobre a moeda e os planos de “austeridade” que a acompanham. Teve companhia nisso: Japão, Canadá, até mesmo David Cameron do Reino Unido e, mais discretamente, Mario Monti, o tecnocrata que desembarcou na Itália para “por ordem” na antiga casa de Berlusconi. Sem falar em François Hollande.
Na Grécia, o euro virou maldição. Cada vez mais economistas de gabarito, de todos os campos, ressaltam que a adoção do euro vitimou o poder de barganha dos países periféricos da Europa, e catapultou o das economias centrais, França e Alemanha. E agora, parece, só o da Alemanha. A remoção das moedas nacionais tirou soberania dos estados, não em nome de um melhor entendimento, mas sim em nome de um esvaziamento de suas exportações, engolidas pela supercompetitiva Alemanha.
Neste país, ainda há quem acredite (cada vez menos, mas ainda em grande número) que sua competitividade venha de suas lições de austeridade, contenção de salários, diminuição de pensões, aumento das horas trabalhadas, rotatividade nos empregos precários, etc. E não da facilidade de obtenção de créditos a baixo custo para renovar os títulos de sua dívida pública, diante do alto preço pago pelos demais, ou da explosão das importações chinesas.
Entre os que não mais acreditam nisso que o economista prêmio Nobel chama de “a ilusão germânica”, estão os 25 mil manifestantes que se reuniram no sábado, 19 de maio, em Frankfurt (sede do Banco Central Europeu), no movimento “Blockuppy Frankfurt”. Para eles o euro não é propriamente uma maldição, mas está se transformando numa parede. Seu protesto era de solidariedade aos gregos, portugueses, italianos, irlandeses, espanhóis, que hoje comem o pão que o Banco Central Europeu amassou. Mas não era só isso: era também um protesto diante da crescente precarização dos empregos, sobretudo para jovens, em seu próprio país (v. nesta CM, “François Hollande e o milagre alemão”), da diminuição da renda do trabalho, do futuro de aposentadorias mais distantes e menos rentáveis, em troca de nenhuma melhora. Sim, porque hoje os políticos do euro e de sua “austeridade” não prometem mais “melhoras”: a grande melhora é ficar tudo como está, ou só piorar um pouco.
Mas do outro lado das barreiras dos policiais de choque (felizmente não houve confrontos dessa vez, apesar de 150 prisões de manifestantes na sexta-feira), o grande inquisidor Jens Weidmann (presidente do Bundesbank – Banco Central Alemão, e membro do Conselho do B.C.E. – sendo que aquele é o principal acionista deste, com 18% de seu capital de base, 1,4 bi de 5,2 bi de euros) lançou a consigna: os bancos devem evitar se comprometer mais com a Grécia, pelo menos antes das eleições de 17 de junho.
É o sinal dos novos tempos: agora não se estranha mais a possibilidade da Grécia sair do euro. Ao contrário, isso virou ameaça, expulsão para o inferno, como os antigos bodes expiatórios eram mandados embora dos muros das cidades, para o deserto, onde seriam devorados por feras e demônios. Um exemplo.
Mas mesmo nesse campo das altas finanças continua a haver gente que vê no euro um salva-vidas. Por exemplo, os bancos credores da dívida grega.
Estimativas conservadoras dizem que uma saída da Grécia da zona da moeda representaria um prejuízo imediato de mais de 250 bi de euros para seus credores, em particular os bancos franceses e alemães.
Porque o não pagamento da dívida seria inevitável.
Pode não ser uma má idéia. A Grécia e os gregos sofreriam? Sem dúvida. Mas sairiam desse estado de prostração em que se encontram, sendo sangrados continuamente pelas décadas das décadas amém.
- Flávio Aguiar é correspondente internacional da Carta Maior em Berlim.
https://www.alainet.org/es/articulo/158065
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