"Imperialismo" brasileiro

29/01/2001
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É difícil imaginar que a política externa brasileira seja equiparada ao expansionismo dos Estados Unidos e da Inglaterra, que ao longo dos séculos impuseram a sua vontade e até mesmo presença física a outros povos e países. Mas a ação de empresas brasileiras na América do Sul e a declarada intenção de o governo brasileiro liderar um bloco econômico regional estão levando organizações da sociedade civil e povos vizinhos, especialmente indígenas equatorianos(as), a reclamar contra o que chamam "imperialismo" brasileiro. Empreiteiras privadas brasileiras, como a Odebrecht, e estatais do porte da Petrobras e do BNDEs têm demonstrado voracidade por financiar, construir e explorar megaprojetos em países sul-americanos. Esses projetos ocupariam espaços de grande ocorrência de recursos naturais, em sistemas ecológicos sensíveis, e com evidente importância geopolítica. O argumento, aparentemente nobre, é a necessidade de integrar a América do Sul. Empreiteiras brasileiras têm se aproveitado de legislações ambientais menos restritivas e da evidente assimetria de escala entre as economias do Brasil e a de seus vizinhos para brigar pela primazia de tocar grandes projetos de infra-estrutura. Objetivam, assim, manter em funcionamento velhos e manjadíssimos esquemas de viabilização financeira de grandes obras que trazem à memória o engenheirismo do Brasil Grande, quando projetos faraônicos eram desenvolvidos a despeito do desejo da sociedade, concentravam renda e ajudavam a transformar a América Latina no continente mais desigual do planeta. Ainda não é adequado classificar essa atuação de imperialismo, porque denotaria a existência de uma vontade de se sobrepor aos demais para garantir interesses próprios. Em verdade, o que se verifica é a ganância das empresas brasileiras, motivadas por um aparente excesso de liquidez interna. Iirsa em foco O que chamam imperialismo brasileiro é verificado fortemente na implantação da Iniciativa para Integração da Infra-Estrutura da Região Sul-Americana (Iirsa), que planeja normatizar as leis dos países envolvidos para facilitar o escoamento, principalmente, de bens primários e construir mais de 300 rodovias, pontes, hidrelétricas, gasodutos e outras obras, com custo de mais de US$ 50 bilhões ao longo de uma década. Coordenada e financiada parcialmente pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), tem recebido várias intenções de financiamento do BNDEs. O banco brasileiro quer aplicar na Iirsa parte do seu fabuloso orçamento de R$ 60 bilhões, quantia 10% maior do que o do Banco Mundial. Quando se olha com mais atenção os projetos propostos pela Iirsa, encontram-se casos estranhos. O maior deles é o complexo de hidrelétricas que Furnas e a Odebrecht pretendem construir no Rio Madeira, em Rondônia, na fronteira com a Bolívia. O objetivo é produzir 11 mil MW, cerca de 15% do consumo atual de eletricidade no Brasil. Até o momento, não revelaram aonde encontrarão compradores de tamanho bloco de energia, uma vez que o Brasil, após o quase apagão de 2001, modernizou várias linhas de produção e reduziu drasticamente seu consumo. Hoje, necessita de muito menos eletricidade do que em 2000. Alvo da reclamação de grupos indígenas é a planejada exploração de petróleo que a Petrobras deseja fazer no parque equatoriano Yasuní, aplicando padrões ambientais mais permissivos do que os nossos e aproveitando a volúpia do governo local por receber o capital brasileiro. Também naquele país, o BNDEs já anunciou e depois recuou, temporariamente, da intenção de financiar a construção de um aeroporto apresentado como ponto de apoio para o trânsito de turistas. Coincidentemente, também seria adequado ao transporte de material bélico em região convulsionada pelas tropas dos EUA, que desenvolvem no país vizinho seu Plano Colômbia. O governo brasileiro aparentemente acredita que a Iirsa é o único caminho para concretizar a Comunidade Sul-Americana de Nações, idéia da equipe do presidente Lula para jogar uma cortina de fumaça sobre as negociações da Alca que os EUA querem retomar na Cúpula das Américas, a ser realizada em Mar del Plata, na Argentina, em novembro. Mas erra de maneira brutal. Procura alcançar o objetivo da integração sem o mínimo debate público, o que poderia lhe abrir os olhos para a seqüência de erros que vem cometendo. - Carlos Tautz é jornalista e pesquisador do Ibase
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