Os EUA e o governo Lula

06/11/2002
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Como se darão as relação entre os governos de Bush e de Lula? A pergunta ganha importância, pelo peso que os dois países tem no continente, pelas diferenças que têm em relação a alguns dos principais temas atuais no continente, dentre eles a Alca e, se não bastasse, nunca o Brasil foi governado por um presidente de esquerda e os EUA nunca teve um presidente tão direitista As relações entre o Brasil e os EUA tiveram relativa estabilidade ao longo das últimas décadas, depois que Washington interveio, abertamente – como comprova o próprio Senado norteamericano – na derrubada do governo de João Goulart. Seguiu-se o apoio irrestrito aos primeiros governos da ditadura militar, até que, entrados os anos setenta, deu-se um novo momento de tensão, por razões econômicas, em torno da tentativa de um novo ciclo de substituição de importações no governo Geisel, a que se somaram as diferenças a partir do convênio nuclear do Brasil com a Alemanha e questões de "direitos humanos" já durante a presidência de Jimmy Carter. Esse clima voltou a se distender no chamado processo de "transição democrática", até que novo foco de conflito apareceu no momento da decretação da moratória durante o governo Sarney. O governo norte-americano voltou a apoiar irrestritamente o governo brasileiro nos tempos de FHC como não havia feito desde os primeiros governos da ditadura militar. Desde o convite de Bill Clinton para que FHC – antes ainda de ser eleito presidente – comparecesse à sua posse, passando pelo envio de um de seus assessores para apóia-lo na campanha de 1994, até chegar às parceiras explícitas pelo apoio à globalização dado por FHC, a concorrência para o Sivam, a participação de FHC nas reuniões da finada "terceira via" – estabeleceu-se uma espécie de lua-de-mel entre Washington e Brasília. As dissensões posteriores – especialmente os conflitos comerciais – não afetaram esse clima, tendo sido deslocados mais para o âmbito da OMC, quando FHC "descobriu" que a globalização neoliberal não era exatamente "um Renascimento para a humanidade", ou pelo menos para nós. Eram tempos de pregação do "livre comércio" como lei universal, que parecia– a FHC – ser o terreno propício para uma reinserção internacional vantajosa do Brasil. A passagem da economia norte-americana da expansão 'a recessão, coincidindo com o fim do segundo mandato de Clinton, com a vitória republicana, o desenho de uma política unilateral e sua consolidação depois dos atentados de 11 de setembro de 2001, alterou significativamente o quadro das relações entre os governos norte-americano e brasileiro. As mudanças na política econômica norte-americana, com a acentuação do protecionismo como tentativa de reagir à recessão, a modalidade de "via rápida" aprovada pelo Congresso dos EUA para a ALCA e a afirmação do unilateralismo e da criminalização dos conflitos mundiais como política externa do governo Bush, definiram distâncias maiores em relação ao governo brasileiro. Este reagiu especificamente sobre os temas do protecionismo diante das exportações brasileiras, do que isso colocava de dificuldades diante da Alca e menos frente à política externa dos EUA, mas uma que outra vez houve declarações de FHC que fustigavam o caráter obscurantista do governo Bush. Não passará muito tempo para que saibamos como se darão essas relações. Em primeiro lugar, pela viagem de Lula à Argentina, como opção de primeira saída ao exterior do novo presidente, alternativa de muito significado, a ponto de não agradar nada ao governo Bush. Sua primeira significação é da prioridade na política externa brasileira da reconstituição do eixo Brasilia-Buenos Aires, para a retomada do Mercosul. Mesmo sem ter um interlocutor – Duhalde já definiu o fim do seu mandato e o panorama sucessório está suficientemente confuso para se ter uma idéia mais ou menos clara de que o sucederá -, a viagem de Lula acena para essa aliança com um país em crise grave e para o qual os EUA não têm nada a dizer. (No máximo fizeram uma que outra concessão comercial, quando a vitória de Lula começou a se desenhar como certa.) As eleições argentinas decidem, de alguma forma, o marco em que se darão as relações Brasil/EUA. Caso Menem volte a ser o presidente da Argentina, ele já definiu sua opção pela dolarização da economia. Nesse caso, estariam dadas as condições para a concretização da Alca nas condições desejadas pelos EUA e o Brasil ficaria reduzido a um grande isolamento internacional. Caso vença algum outro candidato, peronista ou da oposição, que opte pelo fortalecimento do Mercosul, o eixo Brasil-Argentina poderá ser retomado, ressurgindo como uma referência alternativa à Alca e à liderança unilateral dos EUA. A viagem de Lula aos EUA servirá para desenhar o tom dos discursos de lado a lado. O governo Bush tem demonstrado timidez em expressar suas divergências e sua incomodidade e a vitória nas eleições parlamentares deve ter subido ainda mais o tom de intolerância com as diferenças que a atual equipe de governo dos EUA têm demonstrado. O Brasil terá a oportunidade de mostrar a mudança não apenas de tom, mas sobretudo de conteúdo. Este será a expressão da mudança consagrada nas eleições presidenciais, quando o Brasil escolheu por retomar um projeto nacional, fundamento de retomada da soberania na política externa. Porque foi a ausência de um projeto para o país que levou ao rebaixamento do perfil da presença externa do Brasil durante os dois mandatos de FHC. Porém, o primeiro grande tema em que será inevitável uma definição das novas relações é o da Alca, já que os dois países assumem conjuntamente a fase final do processo, que deveria concluir o seu formato final. Os EUA, conscientes que a forma aprovada da "via rápida" é inaceitável para o Brasil, trata de avançar acordos bilaterais de livre comércio– como os propostos ao Chile, ao Uruguai e aos países centro-americanos -, para sedimentar o caminho para uma futura concretização da Alca. É possível que se caminhe, diante do impasse, para um adiamento – fala-se em 2010 – para o início eventual da Alca, que se utilizado pelos EUA para avançar nesse caminho, enquanto o Brasil poderia caminhar na reconstrução do Mercosul. Esta via passa necessariamente pela construção de uma moeda comum, que afaste os riscos da dolarização e para uma proposta para o conjunto da região, centrada num acordo entre Buenos Aires e Brasília. Isto, por sua vez, permitirá diversificar as alianças internacionais do Mercosul, ampliando-se na direção do resto da sub-região, mas também da Europa e da Ásia, especialmente dos maiores países desta – China e Índia. A unificação européia, o Nafta e a recém anunciada zona de livre comércio entre a China e os países do sudeste asiático demonstram como a reinserção soberana no plano internacional supõe integrações regionais, que melhorem a correlação de forças, especialmente dos países situados na periferia capitalista. Um Mercosul fortalecido e ampliado será não apenas uma grande contribuição para uma solução positiva da crise latino-americana, como também uma contribuição para um mundo multipolar e portanto menos violento, arbitrário e injusto.
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