Lula e o reencantamento do Brasil
24/10/2002
- Opinión
O medo é inerente à vida porque "viver é perigoso" como nos adverte
Guimarães Rosa. Por isso, viver comporta riscos que metem medo. Mas os riscos
nunca são só riscos. São a chance do novo, a abertura de uma outra esperança.
Se não arriscarmos nos condenamos ao atoleiro da mesmice e da mediocridade.
Isso vale para as atuais eleições. Vale arriscar em Lula porque ele representa
a chance de um outro Brasil e de uma forma de fazer política. Esta tem a
sociedade e não o mercado, a democracia real e não o fundamentalismo
neoliberal, os condenados da Terra e não as moedas, o centro do cuidado
político.
Outra coisa, porém, é insuflar medo como o fez Serra em sua campanha
eleitoral. Esse medo é perverso e antinatural porque visa matar as
oportunidades presentes no risco. É querer destruir o futuro. Quem teme o
futuro são os satisfeitos com a atual situação, pelo consenso geral, ruim para
a grande maioria dos brasileiros.
Foi o grande historiador francês vivo Jean Delumeau em seu livro O medo
no Ocidente que nos mostrou a função política do medo. O medo é a estratégia
preferida pelos poderosos para se impôr, para desfibrar resistências e
abortar sonhos. O cristianismo se consolidou. em grande parte, embora nem
sempre, pelo medo e pelo pavor do inferno. Denuncia-o um dos sábios maias nos
primórdios da evangelização:"Eles nos ensinaram o medo; eles vieram fazer
nossas flores murchar para que só sua flor vivesse; entre nós se introduziu a
tristeza, se introduziu o cristianismo".
O contrário do medo não é a coragem. É a fé. É a fé que espanca o medo
e libera as virtualidades do risco. Quem crê no povo brasileiro, quem aposta
nas potencialidades de nosso pais e quem ama nosso futuro, não teme. Que medo
pode infundir um operário? Os poderosos não têm medo de um operário que
trabalha. Eles têm medo de um operário que pensa. É o caso de Lula e de seus
companheiros. Eles ousaram pensar. Mais. Começaram a sonhar um Brasil
diferente. Mais ainda. Organizaram-se para que o sonho não ficasse mero sonho
mas virasse movimento, partido, projeto político e alternativa de poder com o
propósito de re-inventar um Brasil de outros quinhentos. A sua heresia,
inadmissível por aqueles que espalham o medo, é de terem pensado e sonhado,
não sozinhos mas junto com o povo organizado que, por sua vez, representava o
ainda não organizado.
A virada atual em política aconteceu porque a fé dos eleitores
conseguiu exorcizar o medo. Agora se comprovou o que o patriarca José
Bonifácio escreveu há dois séculos: "no Brasil o possível vai além do real".
Crer no possível e amar o que ainda não se vê, foi e é a virtude básica de
Lula e do PT. Insuflam medo os que se educaram na escola do faraó e temem o
risco de perder vantagens que são só deles..
A fé na mudança possível, manifestada nas urnas, fez voltar o
entusiasmo. Rasgou-se o manto de tristeza que cobria o Brasil, pais encantado
e encantador. Lula trouxe as razões para um novo re-encantamento. Resgatou
a auto-estima do povo e a estima pela democracia que possibilitou a um
retirante, a um operário, a um estudante da escola árdua da vida, galgar o
posto mais alto da nação: Luiz Ignácio Lula da Silva. Bem haja esse povo.
Leonardo Boff, Teólogo
https://www.alainet.org/es/active/2673?language=en
Del mismo autor
- O risco da destruição de nosso futuro 05/04/2022
- Reality can be worse than we think 15/02/2022
- ¿Hay maneras de evitar el fin del mundo? 11/02/2022
- Há maneiras de evitar o fim do mundo? 08/02/2022
- The future of human life on Earth depends on us 17/01/2022
- El futuro de la vida depende de nosotros 17/01/2022
- A humanidade na encruzilhada: a sepultura ou… 14/01/2022
- “The iron cage” of Capital 04/01/2022
- Ante el futuro, desencanto o esperanzar 04/01/2022
- Desencanto face ao futuro e o esperançar 03/01/2022
Clasificado en
Clasificado en:
