A Criminalização dos Movimentos Sociais

04/11/2006
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Sumário

Item-Título
1.-Introdução
2.-Situação atual e a problemática dos movimentos sociais
3.-Criminalização da Luta Social
4.-O Contexto Jurídico dos Movimentos Sociais
5.-Enquadramento Jurídico dos Movimentos Sociais
6-Casos Exemplares de Criminalização de Movimentos Sociais
6.1. Casos do Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH
6.2. Caso do Juiz Jorge Moreno – Movimento pela Moralização do Judiciário/MA
6.3. Caso da Central dos Movimentos Populares – CMP
6.4. Caso do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB
6.5. Caso do Movimento de Mulheres Camponesas
- MMC
6.6. Caso do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST
6.7. Contexto da Criminalização do Movimento Indígena em Roraima
6.8. A criminalização de povos indígenas de outras regiões do Brasil

Introdução

O Presente informe, produzido pelo Movimento Nacional de Direitos Humanos em parceria com diversos movimentos sociais brasileiros, tem caráter elucidativo e explanatório sobre o processo de criminalização dos movimentos sociais no Brasil. Este foi realizado a pedido da Federação Internacional de Direitos Humanos (FIDH) para posterior apresentação, no dia 24 de outubro de 2006, em audiência pública na sede da Organização dos Estados Americanos (OEA), conjuntamente com os representantes das entidades elaboradoras dos relatórios sobre criminalização dos movimentos sociais de países das Américas: Brasil, Argentina, Canadá, Chile, Colômbia, Equador, Guatemala, Peru e Panamá, sendo o MNDH escolhido para realizar a aglutinação das informações referentes ao Brasil. O presente documento tem sua organização estrutural e seu conteúdo baseados no termo de referência enviado pela FIDH a esta entidade. Neste termo estão as instruções do conteúdo de cada item que apresentamos a seguir.

Inicialmente pretende-se realizar uma breve análise conjuntural sobre a situação dos movimentos sociais no Brasil e o processo de criminalização destes movimentos. Parte da diversidade dos objetivos destes movimentos e suas bandeiras de luta são brevemente descritos.

A seguir é realizada uma análise conjuntural dos processos que envolvem a criminalização dos movimentos sociais e como estes vem se desenvolvendo historicamente no sentido de frear a atuação dos defensores da luta social no Brasil, impondo aos estes dificuldades de atuação e articulação, o que, na maioria dos casos, significa a criminalização legal ou administrativa, através de indiciação e processos legais ou a difamação pública dos movimentos, seus objetivos e manifestações públicas.

É também realizada uma análise do enquadramento jurídico das principais acusações feitas contra os movimentos sociais através de artigos previstos no código penal para crimes efetivos e que são usados para enquadrar a atuação legítima dos movimentos sociais. Também são analisadas as medidas jurídicas tomadas a fim de garantir os direitos legais dos defensores, militantes e dos movimentos sociais como um todo.

Em conjunto com alguns movimentos sociais brasileiros o MNDH realizou uma síntese de alguns casos de criminalização destes movimentos e de seus militantes no Brasil. É importante ressaltar que os casos relatados neste documento foram selecionados pelos representantes dos movimentos sociais citados e que, de forma alguma, encerram toda a diversidade de casos de criminalização a que estes e outros movimentos sociais no Brasil estão sujeitos, mas graças à valiosa colaboração dos movimentos apresentados são meios eficazes de exemplificação da situação atual em nosso país. No esforço conjunto de demonstrar uma variedade muito grande de casos e aspectos existentes nestes casos os movimentos sociais fizeram relatos dos casos por eles escolhidos de diversas maneiras. Os representantes da AMAR, do Movimento pela Moralização do Judiciário, da CMP e do CIR nos enviaram sínteses dos casos de criminalização por escrito, que por estarem descritos em diferentes formatos sofreram adequação a fim de que a descrição de cada caso se aplicasse à composição solicitada no termo de referência da FIDH. Os relatos dos casos de criminalização do MNDH foram enviados por nossos militantes e também sofreram modificações estruturais pelos mesmos motivos. Já os casos de criminalização apresentados pelo MAB, pelo MMC e pelo MST nos foram apresentados através de entrevistas realizados com seus respectivos representantes, estas entrevistas foram transcritas e posteriormente foi realizada a adequação destas conforme as solicitações do termo de referencia, transformando-as em relatos dos casos conforme formato em que se encontravam dos demais relatos. As apresentações dos casos neste relatório são frutos de uma construção coletiva e visam abordar os processos de criminalização a que os movimentos citados estão sujeitos, incluindo nos relatos uma breve descrição dos motivos alegados para a realização dos processos (jurídicos, administrativos ou sociais) impostos a estes movimentos.

Ressaltamos que a finalização deste relatório só foi possível graças à colaboração de membros da Rede MNDH e dos Movimentos Sociais que se uniram à direção do MNDH no esforço de esclarecer e divulgar a verdade dos fatos ocorridos durante os processos de criminalização dos movimentos sociais no Brasil. Todos acreditam ser esta uma importante discussão e que deve ser amplamente debatida entre seus diversos agentes. Seu esclarecimento e divulgação são fundamentais para que a sociedade possa tomar conhecimento dos fatos e possa se juntar aos movimentos sociais para impedir o avanço desta tendência, que trás grande entrave no processo de obtenção de uma sociedade que garanta efetivamente Direitos Humanos para todas as pessoas.

Situação atual e a problemática dos movimentos sociais

Os Movimentos Sociais Brasileiros se apresentam em diferentes configurações, um setor está articulado através de grupos organizados de base, em redes em nível regional e nacional, outros organizam pessoas e segmentos os mais diferenciados e sejam aqueles que se estruturam como redes ou juntando pessoas organizam os setores mais frágeis e explorados da sociedade brasileira, como: sem terra, assentados, pequenos agricultores, mulheres, quilombolas, indígenas, pessoas sem casa em áreas urbanas, favelados, pessoas presidiárias, adolescentes e jovens pobres e negros, homossexuais, travestis, entre outros. Todos estes grupos representam não apenas os Movimentos sociais organizados, mas também sua própria existência revela o teor dos principais problemas sociais presentes no Brasil quando se realiza uma análise da conjuntura sociopolítica do país.

Dentre os Movimentos Sociais que organizam populações do campo em ocupações rurais como forma de conquista de seus objetivos deve se destacar o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento de Libertação dos Sem Terra (MLST) como movimentos populares de trabalhadores rurais que reivindicam o direito a terra e lutam por justiça social, Movimento dos Agricultores Sem-Terra (MAST), Movimento Terra Trabalho e Liberdade (MLT), Movimento dos Trabalhadores Rurais no Brasil (MTB), Movimento de Luta pela Terra (MTL) Movimento das Mulheres Campesinas (MMC) presente em 18 Estados, o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) articulado em 14 Estados e enfrenta as regiões de conflito onde estão sendo construídas várias barragens no Brasil, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA) que está em 17 Estados e vem estruturando um novo modelo de agricultura, o Movimento das Trabalhadoras Rurais do Nordeste (MMTRNE). Além destes a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) caracterizada pelos territórios que ocupam historicamente vez que dentre seus principais objetivos se situa o reconhecimento e a legalização das terras que ocupam e duas grandes organizações que agrupam as principais populações indígenas da região Norte, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e outra que junta as da região Nordeste, Estado de Minas e Espírito Santo (APOINME) e várias redes ambientalistas, como: Grupo de Trabalho Amazônico, rede mata atlântica, rede cerrado. Já no meio urbano há muitos outros Movimentos, como: a Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) que representa os anseios e a luta de entidades e grupos pela igualdade social e a livre orientação sexual, a Central de Movimentos Populares (CMP) que aglutina vários movimentos das cidades entre estes pode se citar, associações comunitárias de moradores e movimentos sem teto em grande maioria. Ainda há Movimentos que estão presentes tanto no campo como nas cidades, mas que tem grande protagonismo nos meios urbanos, é o caso do Movimento Nacional de Direitos Humanos (MNDH), Articulação das Mulheres Brasileiras (AMB), da Marcha das Margaridas que junta mulheres do campo e da cidade, Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua (MNMMR).

Abaixo Síntese de alguns Movimentos Sociais que tem Casos de Criminalização e são citados neste relatório.

Comissão Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas - CONAQ

Movimento formado por descendentes de escravos que se originou do quilombismo, referencial de resistência pela liberdade na trajetória do africano em terras brasileiras durante o processo escravocrata que deu contribuições para a construção da diferença, à formação do povo brasileiro. O Movimento Quilombola que se inicia no século 17 com o Palmares (os quilombos representavam refúgio aos escravos que fugitivos das fazendas escravistas), somente fechou o seu ciclo de luta nas últimas décadas do século 19. Hoje o movimento Quilombola é formado por comunidades remanescentes dos Quilombos e está presente em todo o território brasileiro. A CONAQ foi criada em maio de 1996, em Bom Jesus da Lapa/Bahia, após a realização do I Encontro Nacional de Quilombos. É uma organização de âmbito nacional que representa os quilombolas do Brasil. Dela participam representantes de comunidades de quilombos de 18 estados da federação, de entidades do Movimento Negro e entidades ligadas à questão rural, que apóiam a luta dos quilombos.

Central de Movimentos Populares – CMP

Articulando os mais variados movimentos populares em torno de eixos de lutas estratégicos possibilitando o avanço das lutas dos movimentos populares na superação do capitalismo. As estratégias da central partem de uma profunda reflexão sobre a prática de lutas dos diversos movimentos populares e não apenas dos movimentos comunitários para a construção de uma nova sociedade, justa e fraterna. É um movimento social urbano cuja forma associativa não parte de um princípio da união dos movimentos s, mas a articulação dos diversos movimentos e a unificação de suas lutas, respeitando a autonomia organizativa dos diversos movimentos, que se articulariam para desenvolver lutas conjuntas e prioritárias na perspectiva de afetar o capitalismo na área da reprodução social, pressionando o Estado e combatendo as ideologias de exploração e dominação. As lutas são definidas democraticamente pelos próprios movimentos em plenárias e fóruns conjuntos.

Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo - APOINME

É a rede de Povos Indígenas do nordeste do Brasil que une quase 50 povos dos Estados da região Nordeste do Brasil a fim de lutar pela legalização dos territórios que ocupam, por melhorias nos sistemas de educação e de saúde e pela agricultura de subsistência. É organizada por 11 coordenadores, que conduzem a rede e são selecionados pelas delegações de vários povos indígenas em reuniões regionais. Organiza ocupações da terra e repetidas vezes oferece a ajuda legal para proteger os grupos indígenas de atos de violência de Fazendeiros.

Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira - COIAB

A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) é uma organização indígena, de direito privado, sem fins lucrativos, fundada, juridicamente, no dia 19 de abril de 1989, por iniciativa de lideranças de organizações indígenas existentes à época. A COIAB, como instância máxima de articulação dos povos e organizações indígenas da Amazônia Brasileira, reúne hoje na sua base política 75 organizações e 165 povos indígenas, estimula e acompanha a criação de outras organizações, visando a expansão e o fortalecimento do movimento indígena. A área de abrangência da COIAB é composta por 31 regiões nos nove Estados da Amazônia Legal: Amazonas, Acre, Amapá, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins. Nesses estados vivem mais de 200 mil índios, representando cerca de 60% do total da população indígena reconhecida oficialmente no país.

Movimento de Atingidos Por Barragens - MAB

Movimento de nível nacional, presente em 14 estados da nação, em especial nas regiões de conflito com o capital onde tem havido embate entre as empresas que constroem as barragens e onde acontecessem conflitos com atingidos. A criação do movimento nacional foi o resultado de um amadurecimento dos movimentos nos vales e regiões onde se localizam as barragens. Além de organizar e mobilizar os atingidos para defenderem seus direitos, o MAB vem se confrontando com um modelo energético, nacional, e mesmo internacional. A luta do MAB tem por cenário os vales: é nestes vales, nas barrancas dos rios que os atingidos lutam para defender seus direitos, e, também, a integridade ambiental dos rios, da fauna, da flora. O foco central de sua luta são as barragens que para aumentar e criar mais riquezas a serem vendidas expulsam as populações atingidas que não são respeitadas em Direitos. Essa discussão tem sido ampliada para os centros urbanos, buscando fazer a população entender que as altas tarifas de energia é fruto do modelo enérgico implantado no país as custas da destruição das populações do campo e ribeirinhas. Pra isso tem montado a estratégia de juntarem-se as populações urbanas, formando comitês para campanhas de baixas de tarifas de energia.

Conselho Indigenista de Roraima - CIR

O trabalho do CIR (Conselho Indígena de Roraima) está voltado prioritariamente para a demarcação e homologação das terras indígenas de Roraima (32 no total), além de atenção especial à fiscalização das áreas, educação, saúde e auto-sustentabilidade. Os principais resultados da organização foram a libertação das comunidades indígenas da opressão dos fazendeiros, a afirmação das identidades culturais dos diferentes povos e a reconquista territorial. Das 32 terras indígenas de Roraima, apenas uma encontra-se em fase inicial do processo demarcatório, a área Anaro, na etno-região do Amajarí. Por pressão de fazendeiros ligados ao Governo do Estado, grupos de trabalho nomeados pela Fundação Nacional do Índio - FUNAI jamais conseguiram apresentar o laudo antropológico/historiográfico. Novo grupo de trabalho foi nomeado pela FUNAI em 2003 e deve concluir o trabalho até o final do ano.

Movimento das Mulheres Camponesas - MMC

Em 2004, em um congresso que reuniu 1.400 mulheres do campo o MMC foi oficialmente criado. Hoje estão presentes em 18 estados brasileiros e sob a direção de 37 mulheres e uma direção menor de 11 mulheres. Possuem um escritório nacional em Passo Fundo/RS e um escritório em Brasília/DF. Consideram-se um movimento autônomo, feminista e no momento estão se centrando na formação com cursos internos e externos. Seus eixos de lutas principais são: salário maternidade e a reestruturação do papel da mulher na agricultura, superando o perfil de que a mulher do campo é apenas uma doméstica ajudante, levando as mulheres do campo a conquistar a posição o papel de trabalhadora rural e com produção. O MMC trabalha ainda com mulheres extrativistas, ribeirinhas quilombolas e indígenas. Este grupo organiza grandes mobilizações em datas simbólicas, como meio de denunciar o modelo excludente e machista perpetrado pelo modelo capitalista. Um exemplo destas mobilizações foi a ação do 8 de março de 2006 onde a relação com o governo ficou tensa e provocou a paralisação dos projetos existentes além de processos de criminalização deste movimento.

O Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST

Atua desde 1985, formado nos anos pós-ditatoriais por grupos de trabalhadores rurais que utilizam da prática de ocupação de terras devolutas como ferramenta legítima de trabalhadores e trabalhadoras rurais para a conquista de seus objetivos. Hoje o MST atua em 23 estados brasileiros e dentre seus objetivos principais estão: construir uma sociedade sem exploradores, onde o trabalho deve ser o elemento centralizador de todo o contexto social; transformar a terra em bem de todos e a serviço da sociedade; garantir trabalho e justa distribuição da terra, da renda e das riquezas a todos, buscando a justiça social e a igualdade de direitos econômicos, políticos, sociais e culturais; a difusão dos valores humanistas e socialistas nas relações sociais e o combate a discriminação social.

Conselho Indigenista Missionário – CIMI

O Cimi é um organismo vinculado à CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) que, em sua atuação missionária, conferiu um novo sentido ao trabalho da igreja católica junto aos povos indígenas.

Criado em 1972, quando o Estado brasileiro assumia abertamente a integração dos povos indígenas à sociedade majoritária como única perspectiva, o Cimi procurou favorecer a articulação entre aldeias e povos, promovendo as grandes assembléias indígenas, onde se desenharam os primeiros contornos da luta pela garantia do direito à diversidade cultural.

O Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH

Movimento organizado da sociedade civil, sem fins lucrativos, democrático, ecumênico, supra-partidário, presente em todo o território brasileiro em forma de rede com mais de 400 entidades filiadas. Fundado em 1982, constitui-se hoje na principal articulação nacional de luta e promoção dos direitos humanos. O MNDH tem sua ação programática fundada no eixo LUTA PELA VIDA CONTRA A VIOLÊNCIA e atua na promoção dos Direitos Humanos em sua universalidade, interdependência e indivisibilidade, fundado nos princípios estabelecidos pela Carta de Princípios (Carta de Olinda) de 1986. O público-alvo do MNDH é a sociedade civil organizada, organismos públicos nacionais e internacionais, mídia e sociedade em geral, que se afinam na missão de promover os Direitos Humanos.

3. Criminalização da luta social

O movimento social brasileiro é forte, diversificado, complexo, manifesta significativa capacidade de mobilização da sociedade brasileira, está ampliando sua capacidade de monitoramento e de controle social das políticas públicas, além de nos últimos anos vir enfrentando com coragem o modelo concentrador e excludente de desenvolvimento através do embate com empresas nacionais e transnacionais e de grandes projetos. Não seria exagero afirmar que, em boa medida, as conquistas sociais configuradas constitucionalmente e nas diversas legislações especificas e efetivadas nos últimos anos, todas ainda insuficientes, são fruto da mobilização e da pressão social. Seguramente a democracia brasileira é incompreensível sem ter em conta, no seu núcleo, a presença dos movimentos sociais.

No entanto, nos últimos anos têm-se assistido ao um processo de perseguição e criminalização da luta social e de suas lideranças. Exemplos disso são a persistência da proibição de vistoria em imóveis que tiverem sido ocupados na luta pela terra, o Relatório Final da CPI da Terra que transforma em crime hediondo a ocupação de terras, as prisões arbitrárias e políticas de lideranças de movimentos rurais e urbanos, entre outras. E ainda o impedimento de defensores de Direitos Humanos entrarem em presídios e casas de internação de adolescentes por serem insitadores de rebeliões e por isso até estão sendo processados, tem ainda a associação que tem sido feita de defensores de Direitos Humanos com tráfico e com o crime organizado numa tentativa clara de desqualificar e tornar militantes em criminosos que geram riscos a sociedade em geral. Uma outra faceta deste processo de criminalização e desqualificação são os diversos ataques que militantes de Direitos Humanos vem sofrendo via sites e comunidades na internet onde plantam o ódio e acusam os Direitos Humanos de defensores de bandidos e colocando a população contra a luta em geral pelos Direitos Humanos e por fim tem surgido outros meios, como: punições administrativas que afastam defensores de Direitos Humanos de seus cargos de trabalho quando estes ocupam funções públicas. Exemplos destes casos estão ao final deste relatório.

A Relatora Especial sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias e Extrajudiciais das Nações Unidas, Asma Jahangir, em seu informe sobre o Brasil, concluiu, entre outros aspectos que, quando os perpetradores de sérias violações de Direitos Humanos, incluindo execuções extrajudiciais, adquirem influência ou poder, a busca pela justiça se faz muito difícil e perigosa. Comenta que o alto índice de impunidade no Brasil “é um fator fundamental para a continuidade dos abusos contra os defensores dos Direitos Humanos” e, embora seja a impunidade a regra que impera em relação aos autores materiais dos abusos a falha em investigar e processar é mais ultrajante em relação aos autores intelectuais dos crimes contra defensores de Direitos Humanos[1].

Estudo do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, em 2005, revelou que é desigual a aplicação de medidas judiciais em casos de conflitos agrários. Segundo um dos autores do estudo, Juvelino Strozake, “a heterogeneidade de posições, a busca pelo formalismo jurídico no tratamento penal e a valorização do direito à propriedade, parecem confirmar um simulacro de justiça, ou seja, a observância de requisitos formais para a determinação das prisões motivadas por conflitos agrários e, ao mesmo tempo, a utilização cotidiana dessas prisões como mecanismo de controle social”[2]. Essas estratégias judiciais se verificam nos casos concretos de lideranças do movimento agrário que importunam os grandes donos de terra, os donos do agronegócio (processo de industrialização da agricultura) e que recorrem ao Poder Judiciário para verem seus interesses protegidos em detrimento dos Direitos Humanos.

A expedição de mandados de prisão e a negação de liminares para seu relaxamento, mesmo em casos nos quais todos os requisitos formais para tal estão disponíveis é recorrente – um dos casos mais emblemáticos neste sentido é o de Gegê, liderança da luta pela moradia, que ficou meses com mandado de prisão, sendo que o hábeas corpus foi concedido pelo Superior Tribunal de Justiça somente recentemente (final de maio 2006). A abertura de processos, patrocinada por autoridades públicas contra lideranças sociais e a acusação direta[3] de que são responsáveis pelo agravamento da situação das instituições de detenção ou de cumprimento de medidas sócio-educativas tem atingido lideranças da luta pelos direitos humanos: é o caso de Conceição Paganele, coordenadora da Associação das Mães de Adolescentes que medidas de internação - AMAR, em São Paulo, entre outras lideranças.

O Relatório sobre a situação dos/as defensores/as de direitos humanos no Brasil (2002-2005) feito pelas ONGs Justiça Global e Terra de Direitos “traz 51 casos emblemáticos de violações cometidas contra defensoras e defensores de direitos humanos nos Estados do Amazonas, Pará, Pernambuco, Espírito Santo, Bahia, Goiás, Rio Grande do Sul, Paraíba, Rio de Janeiro, Paraná, Sergipe, São Paulo, Minas Gerais, Piauí, Mato Grosso, Santa Catarina e Rio Grande do Norte. São casos que fornecem um panorama nacional, concreto, dos tipos de obstáculos e ataques a que estão sujeitos homens e mulheres que coletiva ou individualmente lutam pela promoção, proteção e efetivação de direitos no Brasil[4]. Vale destacar também o relatório da missão da FIDH em parceria com o MNDH, a Sociedade Paraense de Direitos Humanos -SDDH no Pará que revelou que só neste Estado há aproximadamente 60 pessoas que são envolvidas na luta e na defesa da reforma agrária, com os Direitos Humanos ameaçadas de morte. Há ainda uma lista de lideranças que foram assassinadas por sua luta e essas mortes foram anunciadas, é o caso da missionária Dorothy Stang também fruto de missão investigativa da FIDH, MNDH,SDDH.

O Programa Nacional de Proteção a Defensores/as de Direitos Humanos, pensado como política pública depois de sucessivas discussões com as organizações de Direitos Humanos, o mesmo foi concebido para fazer frente e atender a esta demanda. No entanto o Programa caminha a passos muito lento, não tem um marco legal, estava previsto para ser implementado em 9 Estados e por falta de recursos e o não compromisso dos governos estaduais com a política este número foi reduzido para 3 Estados (PE, PA, ES), não há uma metodologia clara para seu funcionamento, os recursos para esta política não passa de 500 mil reais, apesar de ter havido promessas da atual Secretaria Especial de Direitos Humanos – SEDH da Presidência da República de que essa quantia iria aumentar, mas nada aconteceu. Por fim e, talvez o mais grave seja a falta de investigações das situações que deram origens as ameaças e perseguições ou quando há indícios de investigações são lentas e não apresentam nenhuma seriedade. Essa realidade revela uma contradição gritante enquanto as investigações e processos que estão sendo feitos contra as militantes do Movimento de Mulheres Camponesas – MMC por terem destruído o campo de pesquisa da empresa Aracruz Celulose no RS segue cumprindo todos os prazos como manda a Lei e tudo vem sendo cumprido a risca, já quando as vítimas são os(as) militantes os casos “mofam” em gavetas e paralisam na burocracia dos órgãos de Justiça e Segurança Pública. Aplica-se no Brasil uma Justiça de dois pesos e duas medidas: aos que lutam pela justiça e pelos Direitos Humanos todo rigor da ordem e da lei, para os violadores dos Direitos Humanos, os que se apropriam de toda riqueza do país as benesses, as brechas e apelações da lei e a proteção do poder Judiciário.

Chamamos à atenção para dois casos recentes no Rio Grande do Sul. O indiciamento de 495 agricultores sem terra que ocuparam a Fazenda Guerra, em Coqueiros do Sul, região norte do Estado, sendo que o fato novo é que a maioria dos ocupantes, não apenas lideranças, como era de costume, estão sendo acusados de praticar vários crimes. O indiciamento e acusação das lideranças mulheres que teriam coordenado a destruição do viveiro da Aracruz Celulose no dia 08 de março de 2006. A execução da busca e apreensão na sede do Movimento de Mulheres Campesinas, em Passo Fundo, excedendo ao estabelecido pela justiça, apreendeu documentos e indiciou pessoas que são simples funcionárias da organização[5]. Ambas as medidas ensejaram a abertura de Inquérito Civil Público pelo Ministério Público Estadual com vistas a investigar a ação da polícia militar gaúcha. Estes fatos estão detalhados ao final.

Esta situação mostra a vigência de uma contradição estrutural na sociedade brasileira. De um lado, a avanço da organização e da mobilização social e a conseqüente ampliação dos espaços institucionais para sua participação no controle social do Estado. De outro, a permanência de resquícios de ação autoritária do Estado no sentido de inibir a livre manifestação da sociedade em vista da garantia de seus direitos fundamentais, sempre apoiada por setores conservadores da sociedade e repercutida com ênfase pela mídia. O direito de organização e o direito de resistência são consagrados como direitos humanos, inclusive na Constituição Federal Brasileira[6]. Neste sentido, é preciso revelar que apesar das conquistas democráticas e legais, quando as organizações e movimentos sociais lutam e brigam e pressionam pela implantação dos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais – DhESCAs e pelo princípio da prevalência dos Direitos Humanos em todas as ações do Estado e na sociedade reagem e prevalece os interesses que quem não deseja ver uma sociedade pautada pelos Direitos Humanos e, com isso até ameaçam retirar os direitos já conquistados.

4. O Contexto Jurídico dos Movimentos Sociais

 No Brasil a legislação determina claramente que ao Estado cabe:

prevenir a criminalidade,
proteger a vida e os direitos fundamentais da pessoa humana,
assegurar que todos tenham o mesmo tratamento perante a lei e
presumir a inocência do acusado, até que seja processado e julgado.

Também é preconizado através a Constituição Federal Brasileira, da legislação ordinária e dos Tratados e Pactos Internacionais adotados pelo país, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos (artigos V, IX, X e XI), o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos (artigos 10 e 14) e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), que integram nosso ordenamento jurídico, que ninguém pode ser submetido à tortura ou a tratamento cruel, desumano ou degradante, ou ser arbitrariamente preso ou detido. 

Na mesma linha segue que todos têm direito à defesa e ao acesso à Justiça e que todo crime tem que estar previsto em lei e mesmo a pratica de ações previstas em lei como crimes podem não ser considerada como tal, diferenciando-se quanto ao conteúdo, ao dolo, à intenção de agir de forma criminosa enquanto finalidade da ação, mas a elite judiciária adota a pratica de interpretar a lei de forma a enquadrar ações dos movimentos populares e de suas lideranças em defesa dos direitos humanos como ações delinqüentes.

Exemplo claro disto, são os conflitos originados nas ações dos movimentos sociais, através de pessoas ou grupos de pessoas que reivindicam direitos, sejam eles o direito à terra, moradia, saúde, a defesa do emprego... e que continuam sendo incriminadas pelo Estado por uma ação descrita como crime, sem, entretanto conter uma finalidade criminosa. 

A incapacidade do Estado brasileiro de lidar com os conflitos sociais têm gerado prisões ilegais, despejos forçados, seqüestros, detenções arbitrárias, execuções sumárias, tristemente registradas nas ações promovidas pelos movimentos sociais no Brasil ou por conseqüência destas. 

Quando segmentos sociais se organizam em torno de uma determinada reivindicação são acusados de formar quadrilha. E quando se mobilizam para protestar contra violações de direitos humanos, são acusados de promoverem a desordem pública. A repressão vem sempre acompanhada do uso da força, da arbitrariedade e da violência patrocinadas por governos de todos os matizes, que priorizam o capital econômico em detrimento dos direitos da maioria da população, que vive em situação de pobreza em condições miseráveis.

O Judiciário e o Legislativo, ao examinarem as ações promovidas pelos movimentos sociais, contribuem para a manutenção de uma ordem injusta e desigual, que se esconde sob os princípios da liberdade e da justiça. A legislação nacional e internacional é manipulada de acordo com os interesses da classe dominante, restando impossível o respeito e a observância dos direitos humanos.  

A Constituição Federal Brasileira de 1988, chamada de Constituição Cidadã por ter sido construída sob a égide de um amplo debate popular organizado pelas entidades da sociedade civil demarcou o processo de reconstrução da sociedade brasileira após o período ditatorial. Todavia, atualmente conquistas constitucionais estão ameaçadas em função da atuação de um Congresso Nacional contaminado pela corrupção e submisso a um Poder Executivo que, à revelia da vontade da população e de seus segmentos organizados, prefere governar através da edição regular de decretos e medidas provisórias, que lhe permite exercer a arbitrariedade. 

Cabendo ressaltar o problema da falta de independência dos Poderes constituídos. A república traz na sua constituição e democracia como principal eixo norteador. Daí a importância da divisão dos poderes: legislativo, executivo e judiciário. Assegurando assim uma autonomia que garanta a integração fiscalizadora com os demais, promovendo o equilíbrio da ordem constitucional.

Contudo, o que se assiste, nos diferentes períodos históricos, é a promiscuidade entre os poderes. A começar pela dependência financeira dos demais poderes em relação ao poder executivo, bem como a forma de escolha do Procurador Geral de Justiça dos Estados Federados. Na maioria dos casos a corporação apresenta uma lista tríplice ao governador(a) que escolhe entre os três nomes indicados, portanto qual é o grau de autonomia para se for necessário processar o Governador? Outro aspecto é o fato de magistrados, promotores e legisladores se afastarem de suas funções para ocuparem cargos de confiança na esfera do poder executivo. 

5. Enquadramento Jurídico dos Movimentos Sociais

(1) Tipificação das ações de criminalização dos Movimentos Sociais 

A igualdade de todos perante a lei não é para todos! Os movimentos sociais vêm sendo criminalizados em grande escala, sofrendo ações penais e cíveis, amparadas por denúncias criminais formais que se equiparam àquelas destinadas aos mais destacados criminosos.

O enquadramento penal brasileiro para os casos de conteúdo essencialmente político caminha pelas vias das ações previstas pelo Estatuto Penal em vigor, desconhecendo os direitos sociais, como a função social da propriedade, dentre outros preceitos e qualificando atividades, manifestações, ocupações de terras promovidas pelos movimentos sociais como “crimes”, geralmente tipificados como a seguir se exemplifica:   

Dano (artigo 163 do CP - destruir, inutilizar ou deteriorar coisa alheia: Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa).

Esbulho possessório (Art. 161, II - invade, com violência a pessoa ou grave ameaça, ou mediante concurso de mais de duas pessoas, terreno ou edifício alheio, para o fim de esbulho possessório.)

Furto simples e qualificado (artigo 155 do CP - subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos e multa e Furto - § 4o, inciso IV - pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido com concurso de pessoas).

Seqüestro e Cárcere Privado (artigo 148, caput do CP - privar alguém de sua liberdade, mediante seqüestro ou cárcere privado: Pena - reclusão, de um a três anos).

Formação de Quadrilha ou Bando (artigo 288, § único do CP - associarem-se mais de três pessoas, em quadrilha ou bando, para o fim de cometer crimes: Pena - reclusão, de um a três anos - Lei 8.072 de 25.7.1990).

Incitação ao crime (artigo 286 do CP - incitar, publicamente, a prática de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa).

Apologia de crime ou criminoso (artigo 287 do CP - fazer, publicamente, apologia de fato criminoso ou de autor de crime: Pena - detenção, de três a seis meses, ou multa).

O Código Penal prevê, ademais, mecanismos que também têm sido utilizados na mesma dosagem a fim de agravar a pena prevista, a partir da aplicação dos artigos 29 (concurso de pessoas: quando mais pessoas colaboram para o mesmo crime), artigo 69 (concurso material: quando se verifica a prática continuada de dois ou mais crimes) e a figura do artigo 71 (crime continuado: quando existem dois ou mais crimes da mesma espécie).

Todos tipos penais que, ao serem aplicados, buscam oferecer uma aparência de ilegalidade e marginalidade às manifestações do povo brasileiro em defesa de seus direitos constitucionais.

Junta-se à esta política o movimento de privatização da segurança publica, o numero de agentes que trabalha na rede privada quase dobra o numero de policiais da segurança pública. A maioria dos policiais da rede pública trabalha também na rede privada, os proprietários das empresas particulares de segurança pertencem ao quadro da segurança pública. Observa-se que as empresas de segurança privada crescem na medida que a polícia apresenta fragilidade como corrupção e ineficiência no combate às praticas criminosas.

A CF privando pelo principio da liberdade e dignidade humana, diz que a abordagem policial só deve ser realizada se em flagrante delito ou sob fundamentada suspeita. Nas periferias das cidades a população mais pobre é abordada cotidianamente nas ruas e levadas às delegacias de policia onde é fotografada e têm a identidade registrada.

Pelo Sistema Único de Segurança, todos os dados que dizem respeito à segurança pública vão para um sistema, no qual consta quantas vezes a pessoa entrou em uma delegacia como testemunha, vítima, averiguada, acusada, etc., portanto a abordagem anteriormente citada vai prejudicar diretamente a vida da pessoa, condenando-a, dificultando o acesso principalmente ao mercado de trabalho.

Outro aspecto da criminalização dos Movimentos Sociais e do pobre em geral é o da “casa como asilo inviolável” só sendo permitida a entrada no caso de flagrante perseguição, catástrofes ou mediante ordem judicial individualizada e fundamentada, entretanto as pessoas que vivem em situação de pobreza têm essa garantia suprimida, todos os dias se tem conhecimento de mandados de busca e apreensão coletivos para as operações de “saturações”, as quais são apresentadas para a sociedade como medidas de excelência. 

(2) Medidas jurídicas de garantia de direitos 

A Constituição Federal de 1988, além de conter uma série de princípios normativos relativos à proteção e promoção dos direitos humanos e do direito de organização, trouxe inovações no que se refere à incorporação dos direitos enunciados nos tratados internacionais ratificados pelo Brasil. De acordo com o disposto no art. 5º, § 2º, os direitos e garantias expressos na Constituição não excluem aqueles enunciados nos tratados de que o Brasil seja parte, porém, isto não é uma garantia de aplicação da lei, ainda existe uma distancia considerável entre o legal e o real.

Legislar no país, infelizmente, trata-se prioritariamente de elaborar e aprovar “reformas” e “privatizações” invariavelmente presentes nas pautas do Congresso Nacional e do Governo Brasileiro e que trazem prejuízos inomináveis ao patrimônio público e a maioria da população, já que, questões como direitos trabalhistas e previdência social, p. ex., têm sofrido reveses, reduzindo e até suprimindo direitos históricos dos trabalhadores brasileiros.

As organizações populares, manifestações e protestos têm sido reprimidos e debelados por ações policiais gerando conseqüências que atingem a construção de uma sociedade efetivamente democrática. 

Viola-se direitos humanos de forma generalizada atingindo a população carcerária, o servidor público, o defensor de direitos humanos hoje freqüentemente vitimado pelo rigor da lei penal como retratam as prisões arbitrárias e injustificadas de diversas lideranças dos movimentos sociais - estudantes, catadores de material reciclável, quilombolas, travestis e comunicadores populares, lideres do MST, todas e todos penalizados pelo protagonismo das lutas por direitos humanos.

A resistência organizada por diferentes segmentos do mundo jurídico tem se consolidado em experiências como, o “Direito Alternativo”, a Justiça Restaurativa, que são manifestações dentre muitas outras construídas nos últimos vinte e cinco anos no Brasil por juristas, professores, intelectuais, advogados, magistrados, etc., que conceberam a interpretação do direito à luz das ações dos movimentos sociais, promovendo a formulação de jurisprudência em nossos Tribunais e divulgando a atuação jurídica dos novos sujeitos coletivos e as experiências por eles desenvolvidas de criação de um novo direito, emanado da luta cotidiana por dignidade humana empreendida pelas populações marginalizadas.

Ainda, as normas constitucionais em vigor abrigam mecanismos que possibilitam o acesso aos direitos fundamentais de todo brasileiro e toda a brasileira, na via desta construção:

Direito de Petição (art.5º, inc. XXXIV da CF - Lei 9.051/95): Invocar a atenção dos poderes públicos para determinada questão; denunciar uma lesão a um direito; manifestação de opinião pode ser proposta por qualquer pessoa física ou jurídica (com ou sem advogado), contra órgão de autoridade pública.

Habeas Corpus (art. 5º, inc. LXVIII da CF – arts. 647 a 667 CPP): Proteção à liberdade de locomoção, pode ser proposto por qualquer pessoa (se jurídica, só em favor de pessoa física); Ministério Público; Defensoria Pública; Juiz (ex ofício), intentado contra qualquer pessoa (autoridade pública ou não), aplicável à prisão civil e goza de gratuidade - (art.5º LXXVII).

Habeas Data (art. 5º, inc. LXXII da CF - Lei 9.507/97): Possibilita o acesso e/ou retificação de informações pessoais em bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público, direito personalíssimo a ser intentado por qualquer pessoa física ou jurídica, entidades governamentais e entidades de caráter público, medida judicial amparada por sigilo (art. 5º - XXXIII da CF) e gratuidade (art. 5º LXXVII da CF).

Mandado de Segurança (art. 5º, incs. LXIX e LXX da CF): Ampara direito líquido e certo, individual ou coletivo, não amparado por Habeas Corpus ou Habeas Data, quando o direito for lesado ou ameaçado de lesão por ato de autoridade. Pessoas Físicas ou Jurídicas, impetrado em desfavor de pessoa jurídica de direito público a que pertence à autoridade apontada como co-autora.

Mandado de Injunção (art.5º, inc. LXXI da CF): Diz respeito às liberdades constitucionais, soberania e cidadania, frustradas pela falta de norma regulamentadora, a ser proposto por qualquer pessoa física ou jurídica, contra o órgão responsável pela elaboração da norma faltante.

Ação Popular (art.5º, inc. LXXIII da CF - Lei 4.717/65): Obter invalidação de ato ou contrato administrativo ilegal e lesivo ao patrimônio público, meio ambiente e patrimônio histórico e cultural, pode ser proposta por qualquer cidadão brasileiro, contra o autor do ato (mesmo autoridades) e os que contribuíram para a ação ou omissão ou foram beneficiados pelo ato.

Ação Civil Pública (art. 129, III da CF - Lei 7.347/85): Proteção do patrimônio público e social, meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos. Deve ser proposta pelo Ministério Público, administração direta e indireta, associação constituída há pelo menos um ano, contra o autor do ato (mesmo autoridades) e os que contribuíram para a ação ou omissão ou foram beneficiados pelo ato.

No plano Internacional destaca-se positivamente a decisão do Brasil de aceitação da competência contenciosa da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Mas isso, como vimos, não é tudo. É preciso reafirmar a interdependência dos direitos humanos, é preciso lutar para independência entre os três poderes. Tendo claro que, somente com transformações sociais importantes, que eliminem a miséria e proporcionem um nível de vida digno para toda a pessoa humana, sem exceção, será possível estabelecer regimes de efetiva igualdade, liberdade e democracia.

Nesse sentido, tem-se como dificuldade a ser superada o problema do mito disseminado pelo Poder Público de que os direitos econômicos, sociais, culturais ambientais são direitos programáticos. Pois, a verdade é que a satisfação destes direitos fica à mercê da vontade política de quem ocupa o Poder, não sendo, portanto enfrentada a principal problema do Brasil - a não distribuição de riquezas., a extrema desigualdade, o que evidencia que embora os direitos estejam normatizados, a possibilidade de acessá-los e defendê-los judicialmente é ainda distante no Brasil, especialmente quando na maioria dos Estados a defensoria publica não funciona bem e o numero de defensores é muito inferior à demanda apresentada e há ainda Estados onde a defensoria nem sequer está constituída.

6. Casos Exemplares de Criminalização de Movimentos Sociais

6.1. Casos do Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH

Caso da Senhora Conceição Paganele - AMAR

Sra. Conceição Paganele milita na área de defesa de direitos das crianças e adolescentes desde 1998 na AMAR - Associação de Mães e Amigos da Criança e do Adolescente em Risco, do estado de São Paulo. Sua atuação junto à defesa da integridade e dignidade de adolescentes internos da FEBEM/SP[7]. Dona Conceição Paganele, viúva e mãe de cinco filhos, viveu a triste experiência de ter o seu caçula envolvido com crack e encaminhado, por conta de um roubo, à FEBEM. A partir de então, ela se tornou uma presença constante na instituição, denunciando torturas, maus tratos e outras violações de direitos humanos, exigindo o cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e fazendo a mediação entre adolescentes e a Febem durante rebeliões.

Por conta da atuação de destaque nessa área Dona Conceição Paganelle foi intimada para depor na polícia civil, no início de maio de 2006. Ela está sendo acusada pela Corregedoria da FEBEM, em três inquéritos policias, dos crimes de dano, incitação ao crime, facilitação de fuga e formação de quadrilha ou bando, e por tudo isso está sendo indiciada.

Em todas as visitas de fiscalização a unidades da Febem realizadas por Conceição, nas quais é acusada de incitar rebeliões, ela foi acompanhada de outros representantes de entidades de direitos humanos, ou membros do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (CONANDA), e nenhum deles consta do inquérito, a escolha específica de Conceição ocorre porque, para o governo, dentre as organizações que trabalham com as questões da FEBEM, a Amar é o elo mais fraco, por ser entidade de base. D. Conceição espera que estas ameaças a sua pessoa cessem, e num âmbito maior que cessem as tentativas de criminalização dos defensores dos direitos humanos.

Caso Dr. Antônio Pedro de Almeida Neto, Conselheiro Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH

Desde 1996, na Comissão de Direitos Humanos da OAB/PI, onde é presidente atualmente, Antônio Pedro atua como defensor das causas dos Direitos Humanos em seu estado, o Piauí. É presidente do Conselho Estadual de Defesa dos Direitos humanos e Conselheiro Nacional do MNDH. Sofreu processo administrativo na OAB/PI, além de ofensas em documentos oficiais e nos meios de comunicação social. O caso se deu pela representação feita pelo então Secretário de Justiça e Direitos Humanos do Piauí, onde o mesmo dá informações falsas ao Presidente da OAB/PI informando que o Dr. Antônio Pedro tentou entrar com uma máquina fotográfica escondida na Casa de Custódia de Teresina/PI e que esta foi enviada ao MNDH. Na mesma representação há um relatório do diretor do estabelecimento informando que a máquina foi apreendida na entrada e devolvida na saída, desmentindo o Secretário. Na representação ele também profere ofensas à pessoa do Dr. Antônio.

Diretamente as ofensas partiram dos profissionais do sistema de justiça e segurança pública. O Advogado realizou a sua defesa perante a OAB, no processo administrativo a que foi submetido e aguarda uma solução final. Porém vislumbra uma difícil solução para o caso, pois há uma situação adversa em relação aos direitos humanos no Estado do Piauí.

Caso do Dr. Ariel de Castro Alves, Coordenador Nacional do Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH

Atua desde 1996 na defesa dos direitos humanos, principalmente na questão da violência policial e na defesa dos direitos humanos dos adolescentes em conflito com a lei custodiados na Febem (Fundação Estadual do Bem Estar do Menor) de São Paulo. Atualmente é coordenador do Movimento Nacional de Direitos Humanos, presidente do Projeto Meninos e Meninas de Rua, assessor jurídico da Fundação Projeto Travessia. Entre 1999 e 2000 recebeu várias ligações com ameaças de morte e no ano de 2000, foi alvo de um Inquérito Policial que apurava suposto envolvimento com “incitação ao crime”, “facilitação de fuga” e “incitação de motim” na FEBEM. Quem pediu a abertura do inquérito foi o então presidente da FEBEM, Benedito Duarte, mas o mesmo encontra-se arquivado após a prestação dos devidos esclarecimentos na Delegacia de Polícia e que nada ficou provado.

No mesmo ano, após divulgação de um relatório do Movimento Nacional de Direitos Humanos - MNDH que tratava da tortura e da suposta conivência da direção da FEBEM práticas deste tipo novamente Ariel sofreu novo Inquérito Policial a pedido do então secretário de assistência social do Estado, Edson Ortega. O inquérito acusava-o de calúnia, injúria e difamação contra a direção da FEBEM. Após a entrega de inúmeros documentos a própria Justiça e o Ministério Público e prestado novos esclarecimentos esse inquérito também foi arquivado.

Atualmente sofre processo administrativo no Tribunal de Ética da OAB SP e Inquérito Policial na Delegacia de Tupi Paulista onde responde por fatos que se deram em razão de que no dia 8 de abril de 2005, durante uma visita no Presídio de Tupi Paulista, cidade há 800 Km da Capital São Paulo, onde estavam provisoriamente internos da FEBEM. Os autores dos processos, respectivamente, são o corregedor da FEBEM, Alexandre Perroni, e o juiz de Tupi Paulista, Moysés Harley Alves Coutinho. No dia dos fatos, no Presídio Ariel e um grupo de visitantes foram recebidos na sala do diretor onde já se encontravam o Juiz de Direito, Dr. Moysés Harley Alves Coutinho, sentado na mesa do próprio Diretor, Sr. Ildebrando, em atitude que denotava amizade e parcialidade. Também se encontrava na sala o Sr. Alexandre Perroni, corregedor da FEBEM. Todos naquela ocasião estavam reunidos e conversando. Após as apresentações e conversas iniciais sobre as intenções da visita onde pretendiam verificar as denúncias de maus-tratos e torturas denunciadas.

O diretor, o Juiz e o Corregedor ouviram os propósitos e depois se dirigiram à sala ao lado para conversarem sobre a entrada do grupo no Presídio e voltaram com a informação de que não poderiam permitir a entrada porque estavam apurando as denúncias e que não havia necessidade da entrada de outras pessoas, mas podiam se dirigir ao Fórum e peticionar ao já citado Juiz de Direito para permitir o acesso. A entrada para uma visita a FEBEM foi antes anteriormente comunicada ao secretário de Administração Penitenciária que permitia o acesso. Para não criar problemas o grupo de defensores acatou àquela determinação do Magistrado, do Diretor e do Corregedor da FEBEM e  foi até o Fórum peticionar  ao mesmo Juiz de Direito.

 No Fórum foi feita uma petição solicitando autorização de entrada no presídio. O Juiz de Direito já citado, na presença dos outros dois advogados juntou os documentos anexado a petição.  Porém, após uma longa espera no Fórum, que durou uma tarde toda, o Sr. Alexandre Perroni compareceu ao Fórum e entrou na sala do Juiz de Direito e após a saída dele o Magistrado decidiu por despacho não dar o acesso ao presídio e ainda determinou a instauração de Inquérito Policial contra Ariel por falsidade ideológica. Posteriormente o corregedor da FEBEM também entrou com denúncia no Tribunal de Ética da OAB SP acusando-o de falsamente se identificar como membro da CDH da OAB SP. Mesmo já tendo comprovado que jamais teria se identificado como membro da CDH da OAB através de testemunhas, da própria petição ao juiz e com matérias da imprensa local onde Ariel foi apresentado como Coordenador do MNDH, o processo no Tribunal de Ética e o Inquérito Policial continuam em andamento.

Posteriormente
, no dia 22 de novembro de 2005, após mais uma das inúmeras rebeliões ocorridas no complexo da FEBEM do Tatuapé, o ex- governador Geraldo Alckmin de SP,  em entrevista à rádio CBN responsabilizou as entidades de direitos humanos pelos problemas e nominou diretamente Ariel. Na época a presidente da Febem, Berenice Gianella, tinha anunciado que a Corregedoria da Febem e a polícia iriam investigar a relação dos representantes das entidades de direitos humanos com as rebeliões na Febem.  

6.2. Caso do Juiz Jorge Moreno – Movimento pela Moralização do Judiciário/MA

Reconhecido por sua atuação na defesa dos direitos humanos, no Maranhão, especialmente pela campanha pública de emissão de certidão de nascimento para a população, foi o responsável por erradicar o subregistro no município de Santa Quitéria. Atualmente sofre perseguições por membros da pela família Sarney, família de políticos poderosos no Brasil.

A manipulação do Judiciário maranhense pelo grupo político já provocou até manifestação popular, em janeiro de 2006, reunindo centenas de pessoas em frente ao Tribunal de Justiça – TJ/MA, provenientes de mais de uma dezena de municípios do interior do Estado. Na ocasião lançaram a “campanha Por um Judiciário Independente” com o intuito de sensibilizar a opinião pública frente a desvios éticos de membros do TJ. O movimento teve como estopim o afastamento do juiz Jorge Moreno.

Em uma representação, o então deputado Max Barros, ligado à família Sarney, acusa o juiz Moreno de proselitismo político durante a solenidade de inauguração de obras do Programa Luz para Todos em povoados do município de Santa Quitéria. O juiz Moreno afirmou que o Tribunal de Justiça do Maranhão não é independente e que no caso dele como em outros ocorridos no Estado serve a interesses políticos da família Sarney.
Por unanimidade, os desembargadores do TJ acataram o pedido de instauração de processo administrativo - disciplinar contra o magistrado, afastando o juiz da comarca sem antes ser concluído o processo administrativo.

Já ocorreram três afastamentos, todos motivados pela caracterização de seu envolvimento com movimentos sociais, participação na educação para a cidadania. Segundo o juiz o seu afastamento do exercício do cargo que gerou um processo administrativo na verdade não passa de forma de incriminar agentes públicos que se aproximam dos movimentos sociais, sempre vistos como os vilões da frágil vida democrática. Na interpretação do juiz Jorge Moreno, os procedimentos do tribunal foram inconstitucionais. O TJ deu celeridade ao processo e foram ouvidas testemunhas sem a presença do seu advogado. Algumas testemunhas tinham manifestado interesse em processos anteriores, nos quais ele tinha dado decisão contrária. Além disso, o TJ resolveu afastá-lo negando ainda o direito de defesa. Ele não foi intimado e nem notificado para audiência.

Seu processo foi encaminhado ao Conselho Nacional de Justiça
e por decisão unânime, o CNJ determinou a recondução do juiz Jorge Moreno à Comarca do município de Santa Quitéria (MA) a 350 km da capital São Luís. A decisão é definitiva, não pode haver recurso. O Conselho julgou inconstitucional o afastamento procedido pelo Tribunal de Justiça do Maranhão, uma vez que a decisão do Pleno do TJ-MA foi realizada sem quorum legal. Seriam necessários 11 votos, mas a decisão foi tomada com base no voto de apenas 7 desembargadores.

Reconduzido às suas funções, o juiz ficou no cargo apenas nove dias quando então após nova decisão do TJ-MA onde mais de 11 desembargadores decidiram novamente afastá-lo. Essa decisão foi puramente política, pois a mesma se quer foi lhe comunicada formalmente e nem saiu no diário oficial daquele tribunal. Atualmente o juiz Jorge Moreno não tem acesso ao seu processo o que, tem lhe impedido de se defender legalmente. 

6.3. Caso da Central dos Movimentos Populares – CMP

Luiz Gonzaga da Silva, conhecido como Gegê, é ativista e militante do movimento dos sem-teto e moradia de São Paulo e coordenador nacional da Central de Movimentos Populares (CMP). Esteve com prisão provisória decretada por suposta co-autoria de homicídio ocorrido em 2002 em São Paulo em uma ocupação. O objetivo dessa acusação e pedido de prisão é criminalizar os movimentos sociais, em particular, o movimento por moradia.

As motivações pela criminalização de Gegê ocorreram a partir do dia 27 de janeiro de 2000, quando 80 famílias do Movimento de Moradia do Centro receberam autorização do Estado para ocupar uma área de 5.000 m² na Av. Presidente Wilson, 3.630 São Paulo. Autorizada a entrada na área, foram desenvolvidos planos para a urbanização em parceria em a FAUUSP (Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo). A partir de abril de 2001, época em que o local recebeu novas famílias sem teto, indivíduos que não concordaram com a organização do movimento de moradia iniciaram uma luta pelo controle da área, de modo que todos os trabalhos de urbanização e outros serviços sociais, como alfabetização de adultos, foram suspensos por falta de segurança e ameaças do grupo de oposição. No dia 18 de agosto de 2002, houve a ocorrência de um homicídio no local da ocupação. Este homicídio foi usado pelo grupo de oposição contra a ocupação. Os depoimentos foram combinados de modo a incriminar Gegê como co-autor do homicídio, eis que os depoentes declararam ter visto Gegê dando fuga ao executor do crime. Ainda que Gegê tenha prestado depoimento no inquérito policial e tenha levado testemunhas que estiveram com ele na hora do fato, ainda que não tenha se omitido a responder as intimações do inquérito policial, ainda que tenha decorrido mais de dois anos do fato sem qualquer ocorrência ou registro contra Gegê ou qualquer pessoa da coordenação do movimento, a Juíza do Primeiro Tribunal do Júri de SP, a partir de requerimento do Delegado de Policia do 17º Distrito Policial, levianamente ratificado pelo Representante do Ministério Publico decidiu decretar-lhe a prisão por co-autoria, alegando se tratar de pessoa que em liberdade poderia obstar a aplicação de lei penal, e que em liberdade representaria risco à ordem pública. Gegê ficou 51 dias preso (abril a maio de 2004). Solto, compareceu em todos os atos do processo (nº 4001/2000 da 1ª Vara do Tribunal do Júri de São Paulo), no entanto, a sentença de pronúncia, em abril de 2005, onde, além de determinar o caso a julgamento por Júri Popular, determinou nova prisão preventiva.

Tratando-se de mais um pedido de prisão preventiva injusto Gegê não se apresentou e só voltou a sua vida normal depois que foi concedido novo habeas-corpus. Em abril deste ano de 2006 o Advogado Aton Fon Filho impetrou novo habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo, cuja liminar foi negada e o pedido negado ao final, daí que ingressou no Superior Tribunal de Justiça com novo pedido de habeas corpus,
cuja liminar foi deferida no final de maio de 2006. Atualmente Gegê encontra-se em liberdade e seu processo continua dando seqüência.

6.4. Caso do Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB

Segue abaixo o depoimento das Lideranças do Movimento dos Atingidos por Barreiras – MAB, Srs. André Sartori, atingido pela barragem de Barra Grande, divisa entre os Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina e Marcelo Villas Boas de Moura da Bahia.

Desde a década de 1970 a exploração das fontes de energia aumentou devido ao modelo de desenvolvimento fomentado pelos governos dos países do norte. Aumentaram, desde então a construção de barragens e consequentemente número de pessoas afetadas pelo projeto de produção de energia elétrica, que existe para dar suporte às grandes empresas. Caso exemplar desta situação é a Barragem de Tucuruí - PA, construída a mais de trinta anos e ainda hoje existem famílias na região que moram sob as linhas de transmissão de energia elétrica e que não tem este benefício em suas casas. O setor energético está a serviço do capitalismo, não só do capital internacional, mas também o capital nacional também está muito presente.

Hoje o Movimento dos Atingidos por Barragens tem em torno de trinta anos e pode afirmar com a maior segurança que a construção de barragens no Brasil sempre esteve a serviço do interesse de grandes empresas. É importante ressaltar que as barragens que são construídas sobre a falsa pretensão de fornecer energia elétrica para indústrias da região e gerar empregos, na verdade a energia elétrica gerada é vendida em leilões de energia a altos preços e as indústrias, donas das barragens compram energia elétrica para consumo a baixos preços e de forma subsidiada pelo governo. O MAB se preocupa com a situação atual, pois o plano para os próximos 20 anos é que se construa mais 1.443 barragens no Brasil. Percebe-se que há um interesse grande em gerar meios de extração de energia, como forma de gerar lucro e quem é prejudicado com esta extração indiscriminada é o povo.

Os atingidos da região de Barra Grande, Divisa dos Estados do Rio Grande do Sul e Santa Catarina, só começaram a discutir o problema da região quando já estava decidida a construção da barragem. Desde o início das obras, em 2001, na primeira reunião feita pelos atingidos houve repressão. Na ocasião a lista dos presentes foi anexada a uma carta direcionada à empresa e esta foi usada para processar criminalmente todas as pessoas, gerando cerca de trinta processos. Pela lista foram processadas duas crianças, uma de seis anos de idade e outra de oito anos, e algumas umas mulheres da comunidade que se dispuseram fazer o almoço para o grupo. Desde então cada vez que o grupo quer discutir o assunto para saber sobre o andamento do processo, corre o risco de serem presos ou sofrer novos processos. O Sr. André Sartori, atingido por Barra Grande, narrador do caso, foi preso juntamente a outras cinco pessoas da região e permaneceram cinco dias fechados e foram processados sob acusação de formação de quadrilha e de cárcere privado, pois haviam realizado uma mobilização no escritório da empresa responsável pela barragem quando tentavam conversar e discutir o projeto com os responsáveis. Os responsáveis pelas empresas e em especial os encarregados das negociações com os atingidos não tem uma regularidade, em Barra Grande a diretoria da empresa foi trocada diversas vezes, o que impossibilita a negociação entre a empresa e os atingidos. Em Barra Grande já foram processadas cerca de quarenta pessoas. Inclusive, após a vinda da relatora da ONU para defensores de Direitos Humanos em Campos Novos, Estado de Santa Catarina, continua a intimação dos membros do Movimento. Nas Assembléias e manifestações organizadas para discutir os problemas dos atingidos os ônibus que os transportam sempre são presos e todas as pessoas revistadas, com armas e cachorros e escudos.

Nas manifestações realizadas na frente do escritório da empresa responsável pela Barragem de Barra Grande/RS, quando esta foi dada por terminada, muitas famílias que perderam suas terras ainda não tinham sequer as novas terras efetivadas. Estas manifestações foram sempre repreendidas pela polícia com tiros de borracha, cães e bombas de efeito moral. Em uma destas manifestações 40 integrantes do movimento ficaram feridos e foram expedidos mandatos de prisão para 10 pessoas. Entre as barragens de Barra Grande e de Campos Novos foram abertos mais de 100 processos contra integrantes do Movimento.

Na região pode-se perceber que o comprometimento dos órgãos públicos e da polícia com estas empresas que mantém as Barragens para a exploração do potencial energético é grande. Segundo os líderes do MAB é notório que casas, veículos e prédios, que muitas vezes levam o nome das empresas são utilizados por integrantes e órgãos do poder público local.

O MAB acredita que se a barragem for construída somente visando o interesse crescente das empresas em obterem lucro cada vez mais haverá destruição da natureza e das pessoas e comunidades que moram nestas regiões. Em muito pouco tempo não haverá rios e fontes de energia suficientes que satisfaça a vontade de lucro destas empresas. Hoje o MAB tem como principal proposta de questionamento: Para quem e pra quê é usada a energia? 

É importante também levar o conhecimento do que significa construir uma barragem à população brasileira. A população deve ser ouvida e levada a entender os projetos das barragens e seus reflexos, pois as empresas apresentam a construção como oportunidade de levar à região energia elétrica barata, em regiões onde não há energia, empregos, em regiões onde predomina o desemprego e a falta de terras, isso atrai a população. Os estudos de impactos sócios ambientais, necessários para aprovar a construção das barragens, são repletos de estudos ambientais para a construção da barragem e deficientes estudos reais sobre os impactos nas comunidades que são atingidas por estas barragens.

A integração dos movimentos sociais para barrar os casos de criminalização deve vir primeira pela mobilização em torno de esclarecer para a sociedade os objetivos e a legitimidade das causas das lutas dos movimentos sociais.

6.5. Caso do Movimento de Mulheres Camponesas
- MMC

O processo mais recente de criminalização deste movimento ocorreu a partir da ação do dia 08 de março de 2006 em um protótipo de canteiro de pesquisa da Aracruz Celulose, na Barra do Ribeira, município do Estado do Rio Grande do Sul, quando um grupo de mulheres, durante uma manifestação, destruiu mudas de eucaliptos. O MMC fez a ação junto à Via Campesina por achar que esse tipo de cultivo de planta (os eucaliptos) é um atentado contra a vida, porque destrói o meio-ambiente e a vida das pessoas. A ação teve a intenção, que a liderança acredita ter conseguido atingir, de chamar a atenção da sociedade para o que está em jogo no país: o investimento nos grandes cultivos que são meramente para a exportação de papel branqueado e que uma meia dúzia de empresas internacionais/transnacionais é que lucram com isso: ao povo resta o deserto verde. Com a monocultura a terra fica totalmente desgastada. O eucalipto plantado na região é um único tipo de eucalipto e causa a morte dos rios, já que é uma planta que suga bastante água, nessa região do país, por exemplo, há toda uma bacia hidrográfica e vários lençóis freáticos o que indica a monocultura como uma ameaça a este manancial.

Esta ação teve uma forte reação na opinião pública e na imprensa, uns ficaram contrários e outros a favor. Outra reação foi a forma com que a polícia agiu, arbitrária, quando no dia 21 de março invadiu a Secretaria (a Secretaria Nacional em Passo Fundo) e a Secretaria Estadual. A Secretaria Estadual funciona no mesmo prédio em que a Nacional, e a polícia só tinha mandado de busca e apreensão para a Secretaria Estadual, e eles invadiram sem o mandado a Nacional e fizeram uma varredura em tudo: juntaram materiais, documentos, CPUs de computadores, dinheiro, talões de cheque, documentação da Associação e até agora não devolveram nada. Não se tem noção realmente do que de fato levaram; foi muita coisa e nem deixaram que se fizesse uma lista do apreendido. Foi violento, sem dizer pra que vinham ou quem eram, somente uma hora depois é que foram dizer que eram da polícia e tinham mandato. No outro dia seguinte indiciaram então 37 pessoas sob a acusação de formação de quadrilha e ainda várias outras acusações que estão tentando enquadrar como a destruição de conhecimento. Dessas 37 pessoas, tem 5 que são estrangeiras, que pertencem à via campesina internacional e tem outras pessoas do Movimento dos Sem Terra, e a maioria do Movimento de Mulheres. No estado do Rio Grande do Sul só 3 mulheres da direção não estão sendo indiciadas.

No dia que a polícia invadiu a sede estadual e nacional do Movimento o processo seguiu assim: o delegado fez a busca e apreensão, levou para a delegacia todas as pessoas que ali se encontravam para depor. Inclusive tinham pessoas que não eram do Movimento, inclusive uma mulher quem nem é do Movimento está arrolada no processo como mentora da ação. Durante a ação da polícia no dia 21 após arrebentarem o portão de ferro da Secretaria, chegaram de arma em punho, colocaram todas as mulheres na cozinha, era o total de 9 pessoas, tinha uma menina de oito anos e somente uma hora depois é que se identificaram. Não deixavam ligar pro advogado, não deixavam ir ao banheiro. Então essas pessoas foram levadas pra delegacia pra depor até meia noite. As mulheres que foram depor contam que foi humilhante demais a forma como a polícia fez os depoimentos, inclusive sugerindo chantagens. À noite, durante os depoimentos na delegacia eles tinham policiais de três municípios, e fizeram um churrasco na delegacia, tomando cerveja passando na frente das moças enquanto elas estavam depondo. O delegado pediu a quebra de sigilo de dois telefones celulares, a prisão preventiva de seis pessoas e pediu também a quebra do sigilo bancário da Associação Nacional e da Associação da Região Sul do Brasil do MMC. A quebra do sigilo bancário foi pedida ao Banco Central que ainda não se manifestou e o pedido da prisão e a quebra de sigilo telefônico o Juiz negou. Agora as dirigentes do Movimento estão respondendo a processos. Do processo em si não se sabe direito o que está acontecendo, por que este corre em sigilo de justiça. Neste sentido os advogados do caso não têm noção do conteúdo do processo. O que se sabe é que as acusações são de formação de quadrilha; lavagem de dinheiro; evasão de divisas, por conta de dinheiro encontrado na sede do Movimento, mesmo que a direção do MMC já tenha justificado com provas a origem deste. Mesmo assim a polícia não devolveu o dinheiro e nem foi retirada tal acusação. Uma outra acusação é por danos ao conhecimento.

A ação do dia 08 de março de 2006 causou um debate na sociedade: que projeto de agricultura se quer? Possuir comida? Ser auto-sustentável? Ter soberania alimentar de fato? O MMC declara que quer produzir comida e alimentos saudáveis que não sejam de origem da monocultura, mas uma agricultura saudável, porque a vida é o centro. O fato que o MMC vê como preocupante é que não estão lidando com um simples fazendeiro, um latifundiário local e sim com uma transnacional com muito dinheiro por fora e que têm todo um aparato tanto judicial como de comunicação.

O MMC afirma que os movimentos sociais têm um papel importantíssimo na sociedade, de estar pautando as reivindicações, as denúncias e têm que fazer estudos teóricos, trabalhar mais na formação, mas também fazer essas ações de enfrentamento porque isso também mobiliza um outro público que está só assistindo e que com isso começa a mexer com as pessoas pra que elas pensem que sociedade se quer.

6.6. Caso do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra - MST

Dois casos emblemáticos do MST são, primeiro o do Sr. Jaime Amorim, militante do MST em Pernambuco, região Nordeste do Brasil e o outro caso é o da questão da fazenda Guerra no município de Coqueiro do Sul, no Estado do Rio Grande do Sul.

A prisão de Jaime Amorim teve algumas coincidências. O fato que originou sua prisão foi uma manifestação em novembro de 2005 em frente à Embaixada dos EUA para protestar contra as ingerências deste país nos países subdesenvolvidos. Nessa manifestação houve alguns conflitos entre a polícia e os trabalhadores que acabaram danificando parte do prédio da Embaixada dos EUA no Recife. Jaime foi indiciado como suposto autor dos fatos pela sua visibilidade nos meios de comunicação e por uma forte liderança dos trabalhadores daquela região, porém não existe nenhuma prova de que ele tenha causado danos, ou comandado a movimentação. O que ocorreu é que a polícia resolveu acusar alguém conhecido, como Jaime Amorim, que é visto em jornais ou revistas dando entrevista, como o suposto autor. Outro exemplo desta forma de agir das polícias e dos próprios órgãos de Justiça é uma região do de muito conflito agrário no Estado de SP, o Pontal do Paranapanema. Lá há uns dois ou três anos, o Ministério Público ofereceu dezenas de denúncias contra uma lista de dez trabalhadores rurais que eram considerados como lideranças do movimento, mas sem efetivamente ter provas do envolvimento dos mesmos em qualquer ação.

A prisão de Jaime foi decretada sob a acusação de que este colocaria em risco a ordem pública. Este foi o único e é o único argumento frequentemente usado contra os trabalhadores rurais no Brasil inteiro. Outro argumento, para a prisão preventiva é de que Jaime, por ser sem terra, não teria residência fixa, o que não é verdade, pois o mesmo mora em um assentamento no município de Caruaru/PE e é frequentemente visto se reunindo com autoridades políticas, autoridades do próprio judiciário e do Ministério Público, mas a justiça entendeu que a ordem pública estaria abalada, por essa ação que aconteceu no ano passado, ou seja, uma ação que ensejou uma prisão preventiva oito meses depois do fato que a originou. Foi feito um pedido de hábeas corpus, no Tribunal de Justiça de Pernambuco que negou a liminar. Porém o Ministro Nilson Nelson do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) concedeu a liminar para o Jaime, tirando ele da prisão, porque a prisão preventiva, na análise do Ministro do STJ, não tinha fundamento legal. Só que ainda faltava julgar o mérito do hábeas corpus lá em Pernambuco, essa era uma decisão precária, preliminar. O Tribunal de Justiça colocou em pauta o hábeas corpus e por 2 votos a 1, caçou a liminar do STJ e deu validade a esse juiz de primeiro grau. Então mandou Jaime voltar para a cadeia, mesmo o STJ como uma instância da Justiça Superior tendo dito expressamente que a prisão era ilegal. O Ministro novamente deu a liminar caçando a decisão do Tribunal de Pernambuco, mas já existe nova prisão preventiva decretada.

A prisão arbitrária e ilegal, contrariando a determinação da instância superior chamou a atenção e foi motivo da expressão de solidariedade das instituições e autoridades do Brasil todo por sua evidente perseguição política. Entre os fatores que causaram a prisão de Jaime não pode ser descartado o também fator eleitoral, pois Pernambuco está numa disputa eleitoral muito acirrada. A prisão de Jaime interessa a todos aqueles que querem difamar os movimentos sociais e sua atuação política. Há uma dificuldade do Poder Judiciário em enxergar essas manifestações legítimas dos Movimentos Sociais que são sempre vistas como criminosas e comparadas ao crime organizado. Alguns juízes chegam a comparar a atuação agrária do MST com a atuação do PCC (Facção criminosa existente nos presídios de SP). O estado (polícia, Judiciário) tem sido muito rápido e ágil para prender aqueles que se insurgem contra as mazelas sociais, mas ao mesmo tempo há um descompasso quando as vítimas são trabalhadores, lideranças de movimentos sociais, etc. Um Desembargador, um Juiz, ele faz o juízo através dos valores sociais do que ele tem, através da classe social à qual ele pertence e através principalmente da Televisão, dos meios de comunicação e dos jornais e revistas. Pelos relatos de militantes de movimentos criminalizados as prisões, os processos impetrados aos Movimentos Sociais têm um caráter simbólico, de demonstrar para os outros integrantes daquele ou de outros Movimentos que o futuro deles é a cadeia. As prisões preventivas exercem o que se chama de Direito Penal simbólico, que é usado desde a época da inquisição, onde se mutilava e torturava as pessoas e depois exibiam em praça pública.

Outro caso de criminalização no MST é o caso da Fazenda Guerra em Coqueiro do Sul, sendo esta uma ofensiva que vem sendo feita por um grupo de comunicação e pelo próprio Governo do Rio Grande do Sul. Este Estado está entre os que menos assentou famílias no período de quatro anos. Quando isso acontece, o conflito aumenta, a tensão aumenta. O fato se desencadeou depois que um acampado da Fazenda Guerra, após desobedecer a normas de convivência do acampamento e ser advertido sobre sua convivência de grupo, por desrespeitar as decisões coletivas e não obedecer ao regimento interno criado por eles próprios, foi convidado a se retirar do mesmo. Após a saída deste acampando, a rede de comunicação local o levou para um estúdio de TV para que este lesse um texto em forma de denúncia contra o MST. Nesta falsa denuncia havia acusação, dentre outras de desvio de recursos e outras coisas do acampamento, de que lá havia tráfico de drogas e pontos de prostituição. Tudo isso foi amplamente divulgado pela imprensa em rede nacional. Nenhuma das denúncias foi provada e o MST entrou com ação judicial pedindo reparação moral, principalmente com relação às denuncias de prostituição infantil e tráfico de drogas. Porém o MST ainda aguarda resultado da Justiça.

No caso da fazenda no município de Coqueiro do Sul, não houve fundamentação. O que houve na verdade foi que o Ministério Público fez uma denúncia diante das reportagens o que nada ficou comprovado.

A mídia local, segundo o MST utilizou deste fato no período 9 a 11 de abril 2006 porque o Movimento iria realizar uma grande mobilização em todos os estados para cobrar e exigir do Judiciário que punisse os culpados do caso do massacre de Eldorado dos Carajás que completava dez anos.

O acampamento de Coqueiro do Sul visa assentar 1.600 famílias; é um acampamento muito grande e os sem terra estão nesta área há mais de dois anos. Então é um acampamento extenso, um aglomerado muito grande de famílias na Fazenda Guerra. É uma fazenda muito grande que vai assentar um número muito expressivo de famílias, onde a questão é que sua desapropriação vai tirar o poder da maioria dos fazendeiros do local.

6.7. Contexto da Criminalização do Movimento Indígena em Roraima

O Estado
de Roraima localiza-se ao extremo norte do Brasil, faz fronteira com a Venezuela e Guiana. Tem uma população de 320.000 habitantes, estimando-se que são 40.000 mil indígenas vivendo em comunidades indígenas. Habitam as 32 terras indígenas reconhecidas oficialmente, representando  cerca de 46% da extensão territorial do Estado. Existem mais de 238 comunidades indígenas dos povos Ingaricó, Macuxi, Patamona, Sapará, Taurepang, Wai Wai, Wapichana,  Waimiri Atroari, Yanomami e Y´ekuana.

A regularização fundiária das terras indígenas tem sido a prioridade e principal reivindicação dos povos indígenas de Roraima. Na década de setenta nasceu a organização indígena CONSELHO INDÍGENA DE RORAIMA – CIR, com o intuito de fortalecer os povos indígenas na conquista de seus direitos. Com a legitimidade de defender os direitos e interesses dos povos indígenas, o CIR tem atuado diretamente junto as diversas instâncias em defesa dos direitos e interesses dos povos indígenas do Estado de Roraima.

A partir da atuação das organizações indígenas o setor antiindígena veio a publicamente, inovando a discriminação contra os povos indígenas em campanhas em Outdoor, matérias jornalísticas, publicações, discursos políticos, projetos leis, Comissões Parlamentares de Inquérito - CPIs, ações judiciais entre outros. Um dos casos emblemáticos no Brasil é o da terra indígena Raposa Serra do Sol, a qual está oficialmente registrada como patrimônio da União Federal e posse permanente indígena, mas até o momento é alvo de intensas contestações.

A Terra Indígena Raposa Serra do Sol situa-se no nordeste do Estado de Roraima, alcançando ao norte as fronteiras do Brasil com a Venezuela e a Guiana (leste).  Raposa Serra do Sol é habitada desde tempos imemoriais pelos povos Makuxi, Ingarikó, Wapichana, Taurepang e Patamona, e a população indígena atualmente é estimada em mais de 16 mil indígenas, distribuídos em cerca de 179 comunidades. A luta dos povos indígenas da  Raposa Serra do Sol pelo reconhecimento de seu território tem mais de 26 anos.  Em 1998 foi declarada posse aos povos indígenas e demarcada fisicamente conforme identificada pelo órgão indigenista federal -  Fundação Nacional do Índio – FUNAI através da Portaria nº 820/98, do Ministério da Justiça. 

 Em 2004, a situação se agravou com sucessivas decisões judiciais contraria a posse indígena de Raposa Serra do Sol. Nota-se que a partir daí, formou-se todo embrólio jurídico entorno da terra indígena. Não apenas isso, mas surgiram inúmeras ações possessórias que objetivavam retirar comunidades indígenas inteiras de suas terras tradicionais. Cabe destacar que para enfraquecer a principal defesa das comunidades, fazendeiros e arrozeiros, ingressaram com ações possessórias contra a organização indígena CIR, para que este retirasse os indígenas ou pagasse multas que variaram de R$ 10.000 a 50.000,00. O Juiz Federal da 1ª Vara Federal de Roraima concedeu todas as liminares em favor dos ocupantes não índios e contra o CIR, determinando o cumprimento da decisão[8].  

A defesa dos direitos indígenas tem colocado como alvo as lideranças indígenas e suas organizações. Neste contexto foram mais de 20 ações judiciais que o CIR teve que responder por representar as comunidades indígenas em seus interesses de ter a terra indígena Raposa Serra do Sol  demarcada de forma integral. A imprensa local tem fartamente explorado a questão indígena, em muitos momentos expondo claramente sua posição contraria aos direitos indígenas, noticiando calunias e difamação, entrevistas racistas e preconceituosas, propagando a discriminação negativa contra os povos indígenas e provocando a xenofobia.

É comumente ouvida pela população em Roraima acusação pelos meios de comunicação, por exemplo, contra Joênia Wapichana (Joênia Batista de Carvalho) acusando-a de indígena falsa, que recebe dinheiro utilizando os índios, questionam até como ela conseguiu se formar advogada perguntando de onde veio dinheiro para esse feito e, além disso, acusam-na de causar violência contra brancos[9].

6.8. A criminalização de povos indígenas de outras regiões brasileiras

            Nos últimos anos, os povos indígenas do Brasil, vítimas de um processo histórico de extermínio, vêm intensificando suas mobilizações para garantir na prática o que já lhes é de direito perante a lei. A luta pela reconquista dos seus territórios ganhou força e se expandiu por todo o país, gerando uma reação violenta dos que insistem em ocupar e explorar ilegalmente os territórios indígenas.

            A Constituição reconhece que a nacionalidade brasileira se constitui de segmentos étnicos diferenciados, cabendo ao Estado garantir espaço e permanência a essa diferenciação. Entretanto, apesar dessa importante mudança de princípios legais, os povos indígenas continuam a ser tratados - pela sociedade em geral ou pelos agentes do Estado - com os mesmos preconceitos.

            Por todo país, há exemplos de processos ou inquéritos policiais que responsabilizam lideranças e membros de povos indígenas por crimes previstos no Código Penal Brasileiro. Abaixo, alguns casos em que a polícia e o ministério público trata como crimes comuns, situações que têm como pano de fundo a luta pela efetivação de direitos dos povos indígenas, seja na demarcação das suas terras ou na defesa do território e das riquezas naturais que estas possuem.

Casos de Criminalização do Movimento Indígena no Brasil

Espírito Santo

- Em 9 de agosto, dezoito indígenas Tupinikim e Guarani foram presos no município de Aracruz, ES, por supostamente estarem retirando madeira da terra Tupinikim, numa área invadida pela empresa Aracruz Celulose S.A. e que faz parte de um processo de demarcação da Fundação Nacional do Índio - FUNAI. Segundo apurou representante do Conselho de Direitos Humanos do Espírito Santo, os indígenas foram presos por policiais militares fora da área, quando participavam de uma conversa com representantes da empresa. A prisão foi considerada como flagrante delito e encaminhada a Justiça Estadual, a vítima no inquérito é a empresa Aracruz Celulose, no momento os índios que foram presos estão soltos e vão responder a processo em liberdade.

Mato Grosso
do Sul

- Nove Guarani-Kaiowá estão presos, acusados pela morte de dois policias civis na aldeia Passo Piraju. O caso ocorreu em abril de 2006, quando três policiais, usando calção e camiseta, entraram em um carro na aldeia disparando tiros. Quando saíram, alguns indígenas foram procurar saber a razão dos tiros. Os policiais saíram do veículo e lutaram com os índios, que reagiram em legitima defesa. A briga resultou na morte de um policial pelo próprio colega e de outro pelos indígenas. Dos que estão presos, apenas dois confirmam ter participado da luta com os policiais. Os cerca de 200 indígenas do povo Guarani-Kaiowá há três anos retomaram a área denominada por eles de Passo Piraju, e lutam pela demarcação da terra. Os ocupantes não-indígenas, fazendeiros da região, propuseram inúmeras ações de reintegração de posse contra a comunidade indígena. São registrados na Policia Federal e no Ministério Público Federal ocorrências de intimidação e de ameaças aos membros da comunidade indígena.


Santa Catarina

- Em dezembro de 2005 a comunidade indígena Kaingang da terra Toldo Chimbangue II, em Chapecó, bloqueou estradas na região para chamar a atenção do governo federal quanto à demora no processo de retirada dos ocupantes não-índios daquela terra indígena. Na semana seguinte, oito lideranças foram presas pela Polícia Federal. Entre estes, o cacique da terra indígena Toldo Pinhal, Lauri Alves, que em momento algum, esteve presente no local da manifestação. Todos respondem em liberdade.

Pernambuco

- Em setembro de 2004, o povo Pipipã, para exigir da Funai o início do processo de demarcação de sua terra tradicional, retomou parte da área, no município de Floresta. Para garantir a alimentação das 60 famílias, a comunidade indígena se apossou de cestas básicas que estavam num caminhão da Funai para ser distribuída às comunidades indígenas de Pernambuco. Por esta ação, 11 pessoas dos povos Pipipã e Kambiwá foram presas e respondem a processos.

- Em 1999, o povo Truká, da terra Truká, em Cabrobó, fez uma retomada para pressionar o governo a homologar sua terra. Quatro indígenas são acusados de furtar dois bois de um ocupante não-índio daquela terra, para alimentar as famílias na retomada

Cinco anos depois, em julho de 2005, o cacique Aurivan dos Santos Barros, conhecido de Neguinho Truká, foi preso pela Polícia Federal (PF) em razão de determinação da 1ª Câmara do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Na ocasião, Neguinho tinha ido depor na Delegacia da PF de Salgueiro no inquérito que apura o assassinato de seu irmão Adenilson dos Santos Vieira (Dena) e de seu sobrinho Jorge dos Santos, por policiais militares.

Esta prisão preventiva foi revogada pelo Superior Tribunal de Justiça no julgamento de um habeas corpus impetrado por advogados da Funai e do Cimi. Neguinho e mais dois Truká respondem ao processo em liberdade. O outro acusado do furto era Dena.

- Trinta e cinco indígenas do povo Xukuru respondem a processos por invasão de domicílio, de incêndio e de danos. O caso ocorreu em fevereiro de 2003, quando cerca de 2000 Xukuru, revoltados com os assassinatos de dois jovens e a tentativa de homicídio do cacique, reagiram e tentaram prender os envolvidos, aliados dos políticos e fazendeiros da região, que haviam se escondido na Aldeia Vila de Cimbres, em Pesqueira. A multidão foi recebida à bala, ficando alguns dos manifestantes feridos. As lideranças tentaram controlar a população, o que não foi possível. Entre os acusados que foram denunciados pelo Ministério Publico Federal está o cacique que sofreu atentado.

Bahia

- Um dos caciques do povo Pataxó, Joel Braz, cumpre prisão preventiva no posto indígena próximo a sua aldeia, localizada na região do Monte Pascoal, sul da Bahia. O cacique é acusado de um assassinato ocorrido em dezembro de 2002, e o caso tem sido tratado como um crime comum. A comunidade Pataxó, no entanto, assegura que a morte do funcionário de uma fazenda ocorreu no contexto de disputa pela terra. Os Pataxó retomaram, no final dos anos 1990, o Parque do Monte Pascoal, e seguem lutando pela posse das áreas vizinhas e pela demarcação completa de suas terras.

Rondônia

- Vinte e três integrantes do Povo Cinta-Larga são acusados do assassinato de 29 garimpeiros que invadiram a Terra Roosevelt, em Espigão D’Oeste, em abril de 2003. Este povo foi contatado pela Funai 1969. Em 1999, foi descoberta uma jazida de diamante nesta terra indígena e desde então são relatadas invasões de garimpeiros. O governo federal criou diversas operações policiais para impedir as invasões, mas sempre os garimpeiros retornavam à área. Antes do conflito, os índios haviam comunicado a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados e o Relator Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente que estavam cansados da violência destes invasores e que iriam resistir.

Movimento Nacional de Direitos Humanos

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FICHA TÉCNICA

Realização
Movimento Nacional de Direitos Humanos – MNDH

Elaboração de Textos
Paulo César Carbonari –
Coordenador de Formação do MNDH
Joisiane Gamba – Coordenadora de Organização e Projetos - MNDH
Cynthia Pinto da Luz – Conselheira Nacional do MNDH/SUL
Valdênia Paulino – Conselheira Nacional do MNDH/SP
Soraya Mendes – Advogada e Colaboradora do MNDH

Organização de Textos e Finalização Técnica
Rosiana Pereira Queiroz – Coordenadora Nacional do MNDH
Juliana Abrão da Silva Castilho – Secretaria Executiva do MNDH

Colaboração
Ariel de Castro Alves – Coordenador de Relações Internacionais do MNDH
Antonio Pedro Almeida Neto – Conselheiro Nacional do MNDH/NE
Conceição Paganelle – AMAR/SP

Movimentos e organizações que apoiaram a construção do relatório
Movimento pela Moralização do Judiciário/ MA
Juiz Jorge Moreno
Conselho Indígena de Roraima
Advogada Indígena – Etnia Wapichana - Joênia Batista Carvalho
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra
Setorial de Direitos Humanos - João Luiz Vieira de Souza
Assessor jurídico Patrick Mariano Gomes
Movimento dos Atingidos por Barragens
Marcelo Villas Boas
André Sartori
Movimento das Mulheres Camponesas
Rozangela Piovizani
Central de Movimentos Populares
Luciana Bedeschi

Conselho Indigenista Missionário
Assessor Jurídico - Sandro Lôbo


[1] Relatório da Relatora Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, Addendum: Missão ao Brasil. Documento E/CN.4/2004/7/Add.3., 28 de janeiro de 2004, p. 42.

[2] Disponível em www.direitos.org.br. Acesso 10/03/2006.

[3] O Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB) denunciou no Relatório da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos 2005, nos seguintes termos: “Na bacia do Rio Uruguai, sul do país, mostrou que, nesta região, 107 atingidos por barragens respondem a processos civis ou criminais demandados pelas empresas construtoras ou por outros agentes a seu serviço. As principais lideranças do MAB na região sul do Brasil respondem sozinhas a mais de 15 processos cada uma. Os autos dos processos judiciais somam mais de 30 mil páginas. Para 36 atingidos processados em ações criminais são pedidas penas que vão de 1 a 30 anos de prisão por participarem do movimento e 9 pessoas respondem a ação onde se pede indenização de R$ 1 milhão de reais por danos na Usina de Campos Novos. Além disso, advogados e apoiadores do MAB também estão na lista de processados, como forma de coagi-los a pararem de apoiar a luta dos atingidos. A maioria dos processos se devem a ações coletivas de pressão do MAB, como marchas, bloqueios de estradas e ocupação de canteiro de obras de barragens” Cf. ZEN, Eduardo Luiz. Ditadura na barranca dos rios brasileiros: perseguição e criminalização de militantes da luta contra as barragens. Publicado em www.social.org.br. Acesso 10/07/2006. 

[4] Na Linha de Frente. Defensores de Direitos Humanos no Brasil (2002-2005). Rio de Janeiro: Justiça Global / Curitiba: Terra de Direitos, 2006, p. 35.

[5] Editorial do Jornal Zero Hora, Porto Alegre, 02/07/2006, p. 10, são um exemplo de como a mídia trata o assunto com pesos e medidas diferentes. De um lado, a posição sobre a ação da Via Campesina:  “O radicalismo ambiental revelado na invasão e depredação dos viveiros da Aracruz em fevereiro (sic! - foi março) representa uma faceta condenável e intolerante de uma luta ambiental. O mal que esta ação produziu para o debate é que retirou dele a serenidade com que deve ser conduzido”. De outro, a crença nas empresas: “Com investimentos tão elevados, não há dúvida de que as empresas que as fazem terão o máximo de interesse em evitar que questões como a ambiental venham a ser obstáculos e implantarão, como aliás se comprometeram no protocolo de intenções, a usar as melhores tecnologias e praticas ambientais nas emissões aéreas e líquidas, no uso da energia e na sustentabilidade da silvicultura”.

[6] Para aprofundamento ver, entre outros: BUZANELLO, José Carlos. Direito de Resistência Constitucional. Rio de Janeiro: América Jurídica, 2002.

[7] A Febem-SP - Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor, é uma instituição ligada à Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania. Tem como objetivo primordial aplicar em todo o Estado as diretrizes e as normas dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente, promovendo estudos e planejando soluções direcionadas ao atendimento de crianças e adolescentes na faixa de 12 a 18 anos, autores de ato infracional. A Febem-SP presta assistência a aproximadamente 18 mil adolescentes em todo o Estado de São Paulo, inseridos em programas socioeducativos específicos, (privação de liberdade e liberdade assistida), dependendo do grau infracional e da idade. (fonte: FEBEM/SP. <http://www.febem.sp.gov.br/INDEX/apresentacao.htm>)


[8] Com a morosidade do Estado Brasileiro em reconhecer oficialmente a RSS, bem como resolver os conflitos pela disputa sobre a terra, os povos indígenas desta terra, o CIR e a Fundação Rainforest Foundation em peticionaram junto a Comissão interamericana de Direitos Humanos da OEA relatando as violações de direitos humanos sofridos e medidas para que respeitasse os direitos daqueles povos.


[9] O detalhamento destas acusações está em Transcrição do Programa “Plantão Policial”, Radialista Isaías Maia, 15/12/2004 que utiliza o programa para instigar a opinião pública contra defensores de Direitos Humanos.

https://www.alainet.org/es/active/14377?language=en

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