A terceira “Ameaça Vermelha”
- Análisis
“[Ele forneceu] segredos militares da Áustria para os russos. Ele também alterou ou destruiu relatórios de inteligência que seus próprios agentes enviavam da Rússia, de modo que os austríacos, no início da guerra, estavam completamente mal informados a respeito das intenções de mobilização russas.”
O senador republicano norte-americano Joseph McCarthy disse essas palavras na década de 1950, no meio da segunda Ameaça Vermelha. Ele afirmou que havia entre 50 e 200 comunistas conhecidos no Departamento de Estado, apesar de não apresentar evidências. O macartismo, como ficou conhecido o movimento, viria a sufocar boa parte dos ganhos da classe trabalhadora desde a Grande Depressão.
Assim como na primeira Ameaça Vermelha, que ocorrera três décadas antes como resposta ao ativismo trabalhista nacional e à Revolução Bolchevique no exterior, McCarthy utilizou o medo do comunismo, chamado por ele de “medo bem colocado”, para combater o populismo democrático representado pelos movimentos trabalhistas e de direitos civis. Meio século depois, a mobilização em massa de indivíduos em grupos como o Occupy, o Black Lives Matter, os Coletes Amarelos, o #MeToo, EcoJustice, Democracy Spring e muitos mais, além da rejeição populista ao neoliberalismo, expressa nas campanhas de Donald Trump e de Bernie Sanders, ajudaram a formar a Terceira Ameaça Vermelha. Apesar das semelhanças, a Ameaça Vermelha atual se diferencia das anteriores porque trata a Rússia, e não o próprio comunismo, como vilã. A campanha populista de Trump, que cooptou uma ansiedade econômica pela vitória eleitoral, seguida de sua presidência inesperada, preparou a classe liberal norte-americana para uma Terceira Ameaça Vermelha.
Começando em 2016, a grande mídia publicou histórias falsas sobre como os russos teriam obtido material comprometedor sobre Trump, afetado as eleições de 2016 com publicidade em redes sociais, transformado Trump em um “candidato manchuriano” (N.T.: em referência ao personagem do livro e filmes Sob o Domínio do Mal, em que um político norte-americano teria sofrido lavagem cerebral para implementar ideias comunistas nos EUA), hackeado a rede elétrica de Vermont, e muito mais. A histeria com a Rússia seguiu ao longo do governo Trump, com a imprensa inflando o número de agências investigando o presidente de 4 para 17; o New York Times reportando falsamente que Maria Butina era uma espiã russa que teria trocado sexo por políticas favoráveis; o Wall Street Journal afirmando sem qualquer embasamento que serviços de inteligência internacionais estavam omitindo informações dos EUA porque Trump estaria comprometido; e com a CNN fabricando a ideia de que Trump estaria “em contato constante” com “russos conhecidos pela inteligência norte-americana”. O Buzzfeed foi ainda mais longe, ao publicar a origem de grande parte dessas histórias sem fundamento: um dossiê da oposição financiado por republicanos e pela campanha de Hillary Clinton chamado Dossiê Steele, redigido pelo oficial de inteligência britânica Christopher Steele. O jornalismo especulativo seguiu com o mínimo de retratações e suspensões. De fato, muitos dos artigos desacreditados continuam online. A Terceira Ameaça Vermelha foi perpetuada não só pela imprensa, mas por membros da comunidade de inteligência e do Partido Democrata, como o suboficial da Marinha dos Estados Unidos e comentarista Malcolm Nance, o funcionário da Agência Nacional de Inteligência John Schindler, a ex-senadora Hillary Clinton, e o líder minoritário no Congresso, o democrata Adam Schiff. A crista da onda especulativa da ameaça vermelha se desfez quando o Relatório Mueller revelou que boa parte da histeria não tinha embasamento algum. No entanto, o Partido Democrata, considerando que a Terceira Ameaça Vermelha era responsável por suas vitórias nas urnas em 2018, envolveu o impeachment de Trump em histeria sobre a Rússia.
Em 2020, os democratas viram Bernie Sanders e seus apoiadores como o único obstáculo para remover Trump pela via eleitoral e restabelecer a hegemonia neoliberal. No entanto, seria um desafio desacreditar Sanders completamente, dado que ele foi o candidato mais popular em 2016 e 2020, liderou as pesquisas de intenção de voto entre pessoas não–brancas, e cativou o tão cobiçado eleitorado jovem com a proposta de substituir o sistema atual por um tipo de “socialismo democrático”. Portanto, um ataque abrangente e multifacetado foi implementado pela liderança democrata e suas mídias apoiadoras. Além da supressão de notícias sobre sua campanha por meses e da constante manipulação de gráficos sobre apoiadores, o status quo midiático e partidário voltaram a Terceira Ameaça Vermelha contra Sanders e seus apoiadores. Por exemplo, dois dias antes da vitória disparada de Sanders na convenção do estado de Nevada, o The New York Times publicou um artigo chamado “O Legislativo foi avisado que a Rússia trama para re-eleger Trump”. No dia seguinte, publicaram outro artigo: “Rússia pode estar interferindo em apoio a Sanders nas primárias democratas”. No mesmo dia, o Washington Post publica artigo com a manchete “Bernie Sanders é informado por oficiais dos EUA que a Rússia está tentando ajudar sua campanha presidencial”, a qual ofuscou o detalhe não insignificante, mas crucial, de que eles não apresentaram qualquer evidência que embasasse a informação. No dia das primárias em Nevada, o The New York Times publicou um editorial de opinião chamado “Objetivos iguais, caminhos diferentes: por que a Rússia apoiaria Trump e Sanders”. Os canais de notícia 24h ecoaram a histeria contra a Rússia dos jornais com uma convidada da CNN afirmando que o verdadeiro vencedor em Nevada seria o presidente russo Vladimir Putin. Aparentemente, o conteúdo dos artigos tinha origem em fontes anônimas sem embasamento.
No entanto, apesar da falta de evidência, as “acusações vermelhas” contra Sanders persistiram. Além de jornais como o USA Today e The New York Times, Dan Pfeiffer (Meet the Press, do canal NBC) e Rahm Emmanuel (This Week, da ABC) alegaram que Putin estaria ajudando Sanders nas primárias para garantir uma vitória de Trump nas eleições gerais; o Daily Beast opinou que a Rússia estaria ajudando Sanders porque Biden seria “o candidato mais temido pelo Kremlin”; Michael Smerconish, âncora da CNN, comparou a candidatura de Sanders ao avanço do coronavírus; Chris Matthews, o agora desacreditado comentador da MSNBC, comparou a vitória de Sanders em Nevada à invasão da França pelos nazistas e sugeriu que se “os vermelhos” tivessem vencido a Guerra Fria, Sanders poderia ser encontrado celebrando execuções hipotéticas no Central Park; Chuck Todd, âncora da NBC, citou uma comparação entre apoiadores de Sanders e uma “brigada digital de camisas-pardas”; e, para não ficar para trás, James Carville, ex-conselheiro das campanhas de Clinton e colaborador da MSNBC, alegou que Sanders seria um “comunista” apoiado por Putin. Assim como a Ameaça Vermelha impediu o sucesso eleitoral de Eugene Debs e Henry Wallace, é seguro assumir que ela sufocou a campanha de Sanders.
Além disso, a Terceira Ameaça Vermelha foi instrumento de proteção da campanha neoliberal de Joe Biden contra críticas legítimas. Por exemplo, em 2020, incentivada por outras acusadoras, Tara Reade, ex-funcionária de Biden, acusou o ex-vice-presidente de assediá-la sexualmente na década de 1990. Em resposta, o mesmo Partido Democrata que, com razão, apoiou a Dra. Christine Blasey Ford, teve pouco interesse na história de Reade. E mais: a Time’s Up, organização de Relações Públicas sem fins lucrativos, focada em representar vítimas de assédio sexual após a campanha de 2018 contra o magnata da mídia Harvey Weinstein, recusou-se a representar Reade porque a diretora da organização, Anita Dunn, é uma das principais conselheiras da campanha presidencial de Biden, o acusado. Para piorar, a liderança do partido e seus seguidores na mídia dispensaram a história sob o argumento de que seria uma conspiração russa.
A Terceira Ameaça Vermelha serviu para marginalizar críticas legítimas ao status quo neoliberal e para mutilar a agenda progressista. Na verdade, a agenda de Sanders nem ao menos é radical. De fato, ela está alinhada com a proposta de Franklin Delano Roosevelt à segunda Declaração de Direitos (direito constitucional a emprego, vestuário, lazer, salário justo, liberdade frente a competição injusta de monopólios para fazendeiros, moradia, saúde, seguridade social e educação). Logo, assim como Roosevelt, Sanders está mais para um democrata do New Deal, e não um socialista ou comunista, o que é simplesmente uma questão de fato histórico. Além disso, os EUA são únicos em sua rejeição ao socialismo. A maior parte do mundo tem políticas e partidos socialistas. No entanto, a aparentemente incessante intervenção russa e as narrativas de Ameaça Vermelha continuam causando dano e dificultando movimentos e políticos populistas democráticos. Chegou a hora de descartar esses boatos onde eles merecem estar de uma vez por todas – na lixeira da história.
- Nolan Higdon, Mickey Huff e Emil Marmol | Counterpunch
Tradução de Ana Flávia da Cruz para a Revista Opera
Del mismo autor
Clasificado en
Elecciones
- Zoe Alexandra 27/01/2022
- Aída García Naranjo Morales 22/12/2021
- Francisco Domínguez 21/12/2021
- Fernando de la Cuadra, Aglae Casanova 20/12/2021
- Francisco Domínguez 13/12/2021