Pós-golpe: Movimentos do Paraguai e Honduras tentam fortalecer a resistência popular
- Opinión
Rio de Janeiro (RJ).- O Brasil não foi o único país da América Latina a ter o presidente democraticamente eleito deposto de seu cargo através de um golpe de estado, nos últimos anos. Pouco se falou durante o impeachment de Dilma Rousseff, mas a trama que se forjou no país é semelhante aos episódios que aconteceram em Honduras, em 2009, e no Paraguai, em 2012. Passados alguns anos esses países se estruturam a partir de instituições democráticas frágeis e graves crises econômicas.
Enquanto isso, os movimentos populares tentam organizar resistência às políticas conservadoras e de austeridade dos sucessivos governantes que assumem a presidência. Mesmo que em momentos distintos, e com as particularidades de cada localidade, os três países encontram-se em uma situação que novamente os aproxima: o desafio de construir resistência popular que não seja transformada pela retórica da política tradicional.
Paraguai em chamas
Na noite da última sexta-feira (31), o Congresso do Paraguai aprovou uma medida que encurta o caminho para autorização da reeleição presidencial no país. A decisão foi tomada por um grupo de senadores apoiadores do atual presidente Horacio Cartes em uma reunião a portas fechadas, nas dependências da Frente Guasú, do ex-presidente Fernando Lugo. Mesmo com o presidente da Câmara ausente, conseguiram mudar o regulamento interno do Senado. Dessa forma, modificaram as atribuições do presidente da Câmara para que não possa rejeitar o projeto de emenda Constitucional.
Ou seja, a medida permite a apresentação do projeto de emenda a qualquer momento, a partir da convocação de um referendo. Dessa forma, dependendo do resultado do referendo popular, tanto Cartes quanto Lugo poderão se candidatar nas próximas eleições paraguaias, em 2018. Vale lembrar que as campanhas para o "sim" ao referendo já caminham a todo vapor.
Em resposta à decisão, manifestantes entraram no Congresso e queimaram parte do edifício. Durante o confronto com a polícia, um jovem foi morto e outras 211 pessoas foram presas arbitrariamente. A emenda deveria ser ratificada no sábado (1) pela Câmara dos Deputados, também de maioria governista, mas a sessão foi cancelada devido à violência dos protestos. Parlamentares de oposição à Cartes acusaram a manobra de mais um golpe parlamentar e apontaram para instalação de uma ditadura.
Em nota, a organização política Conamuri destacou que a população deve estar em alerta para o aumento do autoritarismo no Paraguai. "Essa prática muito violenta, quase bélica, se dá no momento em que os grupos de poder disputam por espaço político. No entanto, são as trabalhadoras e os trabalhadores quem colocam seu corpos e sofrem a repressão e as balas".
Para Cecília Vuyk, professora da Universidad Nacional de Asunción e membro do Movimento 15 de junho, o país está vivendo um retrocesso democrático há mais de cinco anos, iniciado com o golpe de estado de 2012.
“A polícia cartista assassinou e reprimiu fortemente na sexta-feira, assim como em Curuguaty, em 2012. Os partidos dos latifundiários deram um Golpe de estado no mesmo ano, a partir do qual aprofundaram a repressão, perseguição, a restrição dos direitos e das liberdades e a entrega do país. Modificaram a lei de segurança nacional, permitindo a militarização, iniciaram as escutas telefônicas da oposição e dos jornalistas, também as infiltrações nas mobilizações cidadãs. Começaram a deter arbitrariamente estudantes, agricultores, trabalhadores ‘por perturbação da ordem pública’. Além disso, esse mesmo governo mantém vários presos políticos e está tentando modificar a lei para que a polícia possa deter legalmente sem necessidade de ordem judicial. O povo está farto desse manuseio, da opressão, das mentiras e da dominação dos poderosos”, acrescenta, em entrevista ao Brasil de Fato.
Golpe parlamentar no Paraguai
Golpe parlamentar é uma expressão bastante comum no vocabulário dos paraguaios nos últimos anos. A mesma retórica contra modificação da Constituição, para permitir a reeleição, foi uma das justificativas para o impeachment instaurado contra o ex-presidente Fernando Lugo, em 2012.
Apesar de terem diferenças significativas, o processo foi muito próximo do que aconteceu no Brasil. Em 48 horas, o Senado aprovou a remoção de Lugo do poder, por 39 votos a favor e 6 contrários. Dessa forma, o vice-presidente Frederico Franco, que havia rompido a coligação com Lugo, assumiu a presidência. Em um controverso cenário, os mesmos que hoje acusam Cartes e Lugo de cometerem um golpe democrático, foram os responsáveis pela articulação de um golpe contra o presidente eleito pela população.
“Grande parte das elites políticas que dizem hoje defender a democracia foram os responsáveis pelas quebras e retrocessos dos últimos anos, que nos levaram até aqui. Todos são cúmplices, os que apoiaram a emenda agora e os que apoiaram o golpe de estado em 2012 e os sucessivos avanços autoritários do governo em todos estos anos”, explica Cecília.
O governo de Fernando Lugo representou um curto período de alternância da hegemonia política do Partido Colorado e a tentativa de tomada do poder do Partido Liberal. O Paraguai sofreu uma ditadura militar por 35 anos, entre 1954 e 1989, e estava portanto ainda construindo o período democrático, quando Lugo foi retirado da presidência.
“No aspecto social, o governo de Lugo não deixou de estar a serviço das corporações e dos latifundiários, no entanto, também os setores eternamente esquecidos tiveram certa atenção. A saúde pública e a educação tiveram notórias transformações, com a entrega de medicamentos gratuitos e a merenda escolar diária. Essas pequenas concessões à classe trabalhadora e pobre não passaram despercebidas pelas elites e os governos de sempre”, destaca a militância da organização política Conamuri, formada por mulheres camponesas, em entrevista por e-mail ao Brasil de Fato.
Depois do afastamento de Lugo, Franco governou por um ano, em seguida, foi substituído por Cartes, em 2013. Desse modo, os liberais ganharam um rápido governo com a presidência de Franco. Os colorados, por sua vez, conquistaram de volta o poder, com Cartes eleito pouco tempo depois.
Os movimentos populares, nesse contexto, estão resistindo por anos pela retomada da democracia e soberania do país. De acordo com Cecília Vuyk, foram organizadas duas greves gerais em 2014 e 2015. Além disso, várias mobilizações estudantis, contra a corrupção e a privatização da educação e pela educação pública de qualidade, foram convocadas nos últimos anos, também mobilizações campesinas pela terra e pela reforma agrária, ainda tiveram as mobilizações pela liberdade de companheiros que se tornaram presos políticos de Curuguaty. Houve ainda diversas mobilizações do movimento sindical, indígena, docente, entre outros.
“A resistência acontece no dia a dia, às vezes de forma organizada, mas também existem resistências espontâneas. Essas são esporádicas e alavancadas pelas redes sociais. Nelas, as pessoas tentam se impor à força, de modo desorganizado. Ambas têm seu valor e seus métodos. Existem muitas razões para se opor à Cartes, mas não há uma aliança que tenha força de convocar todo povo para lutar contra ele. As alianças ficam no papel e muitas vezes são atravessadas pelos fins eleitorais”, explica a organização Conamuri.
Segundo as militantes Conamuri, há a tentativa do grupo articular um diálogo com outras organizações. A ideia é planejar ações conjuntas, mas há ainda uma grande dificuldade de superar conflitos. “Estamos caminhando e tentando”, garante a organização.
Para Cecília Vuyk, os movimentos populares estão firme e em luta, resistindo aos retrocessos autoritários do atual governo. “Com limites e contradições, avançamos na luta para tentar reverter essa situação e temos o grande desafio de avançar com mais força ainda na organização e na unidade. O ano que vem teremos eleições e grande parte das disputas atuais são espelhos da rivalidade entre as elites partidárias por suas candidaturas. Ainda há muito o que se desenrolar nos próximos meses”, explica, garantindo que a luta dos movimentos e organizações populares vão continuar “para conquistar a democracia, a terra, a justiça e a liberdade”, conclui.
Movimentos de Honduras seguem cautelosos
Em Honduras, há quase oito anos, o então presidente Manuel Zelaya foi obrigado a deixar o país - ainda de pijamas. Zelaya havia sido eleito em 2006 e seu governo foi estruturado em torno da continuidade de políticas neoliberais na economia. O ex-presidente, eleito pelo Partido Liberal, vindo de uma família de latifundiários hondurenhos, nada tinha em comum com os governos progressistas que emergiam na América Latina, a não ser por uma aproximação estratégica com a Venezuela.
Após a tentativa de organizar uma consulta popular que abrisse caminho para reformar a Constituição, rumores que tomaram conta do país afirmavam que Zelaya queria aprovar a reeleição presidencial. Em seguida, ele foi deposto de forma abrupta e expulso de Honduras. O golpe de estado representou para muitos hondurenhos o rompimento da Constituição que havia sido criada há apenas 27 anos, após sucessivos golpes militares que perduraram no país desde 1963.
“Com o golpe em 2009, aumentou consideravelmente o crescimento de um ‘narco estado’, razão principal da violência em Honduras. Atualmente a incompetência dos governos da direita representou um aumento da dívida externa em 300% - passando a US$ 12 milhões - e também a pobreza aumentou 10%, atingindo 69% da população, enquanto a miséria passou a somar 54%”, explica Gilberto Ríos Munguía, da Frente Nacional de Resistência Popular de Honduras.
Após o golpe, segundo Gilberto, os movimentos populares foram o principal alvo do governo interino de Roberto Micheletti. “A mais importante resposta desse período, foi a criação da Frente Nacional de Resistência Popular, que constituiu um único bloco de organizações populares. A Frente se manifestou por 161 dias consecutivos, criando núcleos de apoio com a população e relações internacionais, que garantiam a denúncia permanente das ações criminosas do regime”, acrescenta Gilberto.
Micheletti foi substituído por Porfírio Lobo Sosa, com eleições organizadas cinco meses depois do golpe contra Zelaya. Uma observação importante é que o filho mais velho de Porfírio foi extraditado para os Estados Unidos, em 2015, onde encontra-se preso desde então, acusado de narcotráfico. Na avaliação da esquerda hondurenha, o governo de Porfírio foi a continuação do golpe sem a atenção da comunidade internacional.
Quatro anos mais tarde, Juan Orlando Hernández foi eleito presidente de Honduras. Seu governo também continuou com as políticas neoliberais e a aprofundação da violência no país. Os métodos de organização popular de resistência a esses governos, por sua vez, foram substituídos pela construção de um partido político, chamado Libertad y Refundación (LIBRE). “Com a nova visão de tomar o poder e a experiência alcançada com a resistência dos últimos anos, as manifestações populares se converteram em reuniões políticas e na preparação para participação eleitoral. A cultura popular desenvolvida pela resistência foi transformada pela tradição política”, acrescenta Gilberto.
Atualmente, a Frente Nacional de Resistência Popular de Honduras, corrente política organizada em torno dos setores populares, representa aproximadamente 22% do partido LIBRE. Forças liberais tem a visão hegemônica do partido e aplicam políticas de conciliação, encabeçadas pelo ex-presidente Manuel Zelaya.
“A meu ver, há um ânimo cauteloso do povo, esperando a conjuntura para orientar as lideranças atuais. Temos que ficar de olho no que pode acontecer em Honduras nos próximos meses”, conclui Gilberto.
Edição: Vivian Virissimo
Brasil de Fato, 04 de Abril de 2017
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