Guerra na fronteira Brasil-Paraguai

A situação dos Guarani Kaiowá é decorrente da invasão das suas terras e a transformação em um projeto de reforma agrária da época de Getúlio Vargas.

16/06/2016
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
 guerra na
-A +A

Dois enterros, duas situações extremas, um mesmo país, uma mesma fronteira, os mesmos massacrados de sempre – índios Guarani Kaiowá. Cloudioudo Aguile Rodrigues dos Santos foi assassinado por fazendeiros e seus jagunços na última quarta-feira na reserva Tey Kuê. O enterro está ocorrendo na quadra de esportes da escola municipal dentro da reserva com a participação de 100 pessoas. O governador Reinaldo Azambuja, do MS, pediu a ajuda da Força Nacional e 50 agentes se dirigem para o município de Caarapó, a mais de 300 km de Campo Grande. Outros cinco indígenas feridos estão sendo tratados no Hospital de Vida, em Dourados. O conflito ocorre na Fazenda Yvu, próximo a aldeia Te’yikuê, ocupada pelos Guarani Kaiowá, que já avançaram em mais três áreas e não deixarão o lugar.

 

Em Ponta Porã, a 300 km da capital do MS, fronteira seca com Pedro Juan Caballero, aconteceu hoje pela manhã o enterro de Jorge Rafaat Toumani, 56 anos, no Cemitério Cristo Rei. Jorge Rafaat era conhecido por ser um dos mafiosos que controlava parte do crime organizado na fronteira Brasil-Paraguai. Mas também era empresário, dono de fazendas, de lojas de pneus e até de uma faculdade de Medicina em Pedro Juan. A morte dele ocorreu na noite do dia 14 quando a Hammer blindada dele foi cercada por 50 a 70 pistoleiros e uma arma antiaérea .50 foi disparada.

 

Reforma agrária com as terras indígenas

 

O governador da província de Amambay, Pedro Gonzales disse que a guerra está instalada na fronteira onde o governo paraguaio dispõe de apenas 10 soldados. Ontem, os tanques da Operação Ágata, do Comando da Fronteira Oeste foram vistos circulando pelas ruas de Ponta Porã – a divisa é apenas uma avenida. É necessário algumas explicações para entender os fatos nos dois lados do conflito.

 

A situação dos indígenas é decorrente da invasão das suas terras e a transformação em um projeto de reforma agrária da época de Getúlio Vargas. Tomaram as terras dos guaranis e entregaram para colonos sulistas. Já a guerra das máfias na fronteira Brasil-Paraguai é muito mais complexo.

 

Vivi em Campo Grande durante 13 anos e circulei muito por esta região. Além disso, aprendi a conviver com pistoleiros e mafiosos em rodas de bar à noite. Um dos meus conhecidos era namorado de uma responsável pelo financeiro de uma família italiana muito conhecida na região e que tem o flat mais famoso de Campo Grande. Outro, trabalhava para Fahd Jamil Georges, conhecido por Turco – na verdade libanês -, que é o verdadeiro chefe da fronteira.  Na época da ditadura o governador Pedro Pedrossian tirou ele de cana em Curitiba pessoalmente, era chamado de rei do contrabando do café. Na região, como se diz por lá, quem manda são os árabes. Não interessa qual o ramo do crime – contrabando, tráfico de armas ou de drogas- todos pagam comissão para os árabes e qualquer instabilidade, eles resolvem a questão.

 

Depois que os americanos mataram Pablo Escobar

 

É óbvio que o tráfico de cocaína que estamos falando não é a droga que o PCC manda para o Rio ou São Paulo. É a cocaína que sai via rodoviária para ser exportada no Porto de Santos. Na Ásia um quilo de cocaína custa US$100 mil. Os Estados Unidos são os maiores consumidores mundiais – 168 toneladas – seguidos pela Europa – 80 toneladas. A cocaía entrou na rota do contrabando da fronteira Brasil-Paraguai desde que um comando dos EUA matou Pablo Escobar, na Colômbia. Fizeram um acordo com os árabes para usar as mesmas rotas. Fato seguinte, a Força Aérea Brasileira instalou uma equipe de caças tucanos, com diretriz de abater o avião se não houver identificação do piloto. Quando morava em Campo Grande – até 2006 – o aeroporto Santa Maria, perto do centro funcionava noite e dia sem controle. Traziam 500 kg de cocaína num aviãozinho, que voava abaixo dos radares. Meu amigo de cerveja à noite era um dos pilotos, além de afilhado de Fahd.

 

O mafioso vivia tranquilo com um habeas corpus

 

Nestes tempos de juiz Sérgio Moro, metido a herói de história em quadrinhos, vou apresentar o verdadeiro herói brasileiro: chama-se Odilon de Oliveira é um maranhense, juiz federal, que morou em um quartel em Ponta Porã e condenou 114 traficantes da fronteira, incluindo Fahd, que ainda está foragido, e Jorge Rafaat, que vivia tranquilamente por ter recebido um habeas corpus do Tribunal Federal da 3ª Região. Ele vive 24 horas com uma escolta da Polícia Federal. Mas nunca saiu da cidade que adotou.

 

A fronteira Brasil-Paraguai não é um assunto para iniciantes. Todas as máfias do mundo estão localizadas naquela região. A organização é por setor econômico – como Jorge Rafaat, dono de lojas de pneus, que por sinal foram incendiadas nesta madrugada em Pedro Juan.  Os comandantes do lado paraguaio são generais – mais conhecidos por capos. Toda a organização é militar, com militares espalhados em vários setores. Isso dos dois lados da fronteira. Não é à toa que o povo paraguaio sofreu um golpe daqueles, porque seus políticos fazem parte das quadrilhas.

 

Odilon Oliveira disse, hoje, ao site Campo Grande News que o PCC brasileiro pode estar por trás do assassinato do mafioso. Pode até ser. Mas está mais com cara de briga entre italianos ou entre italianos e árabes. Escrevo estas linhas agora, porque teoricamente, estou longe da linha de tiro.

 

PS.: esqueci de mencionar, os mafiosos são os donos das terras, além de pecuaristas e selecionadores de Nelore.

 

Créditos da foto: José Cruz / Agência Brasil

 

16/06/2016

http://cartamaior.com.br/?/Editoria/Movimentos-Sociais/Guerra-na-fronteira-Brasil-Paraguai/2/36293

 

https://www.alainet.org/en/node/178177
Subscribe to America Latina en Movimiento - RSS