PT e governo, em rotas divergentes
- Opinión
Irritada com as críticas do PT à condução de sua política econômica, Dilma Rousseff encontrou na viagem oficial ao Chile um álibi para não comparecer à festa de 36 anos do partido, no sábado 27.
Cada vez mais distante de sua base social e sindical, o governo passou a enfrentar o fogo amigo de parlamentares petistas, entrincheirados na resistência à austeridade fiscal e à proposta de Reforma da Previdência. O recuo do Planalto na questão do pré-sal entornou o caldo de vez.
O governo selou um acordo com a oposição que resultou na aprovação do projeto do senador tucano José Serra, a retirar a obrigatoriedade da Petrobras de ter participação mínima de 30% nos consórcios de exploração da camada submarina. A negociação ocorreu à revelia dos parlamentares petistas, que ainda tentavam reunir os votos necessários para manter as atuais regras.
A insatisfação com os rumos do governo acabou traduzida no “Programa Nacional de Emergência”, divulgado após a reunião do Diretório Nacional do PT, na sexta-feira 26. O documento apresenta 22 propostas para a superação da crise econômica, baseadas em três eixos: a redução das transferências financeiras do Estado para grupos privados, a adoção de regras tributárias progressivas e a expansão dos investimentos públicos e dos gastos sociais.
É a perfeita antítese do fracassado receituário proposto pelo ex-ministro da Fazenda Joaquim Levy. Em 2015, o PIB teve uma queda de 3,8%, o pior resultado da atual série histórica do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), iniciada em 1996.
O corte de gastos e investimentos públicos freou ainda mais o ritmo da economia e da arrecadação, observa o texto divulgado pelo PT. Critica-se, ainda, a escalada da taxa básica de juros, com efeitos deletérios sobre a dívida pública.
De 2014 para 2015, o pagamento de juros nominais saltou de 311 bilhões de reais (5,48% do PIB) para 501 bilhões (8,41%). “Se a taxa básica estivesse congelada pela média de 2014, a diferença de 190 bilhões de reais teria neutralizado o déficit primário de 111,24 bilhões e gerado folga de quase 80 bilhões para investimentos.”
Na verdade, o que o PT propõe é uma reedição da estratégia traçada pela equipe econômica de Lula no enfrentamento da crise de 2009. “O governo, para escândalo de porta-vozes do rentismo, amenizou despesas com juros, reduziu superávit e aumentou o déficit nominal para proteger a demanda.
O gasto social per capita (dinheiro aplicado em saúde, educação, Previdência etc.) subiu de 2.690 reais para 2.968, acima de 10%, enquanto o investimento público total saltou de 3,7% para 4,2% do PIB, segundo dados do Ipea. O PIB caiu apenas 0,2% em 2009, no ápice do descalabro mundial, com uma possante recuperação de 7,6% em 2010.”
Para o PT, só faz sentido cortar gastos públicos e investimentos depois que a economia voltar a crescer. “Não há nenhuma novidade nessa abordagem. Keynes dizia isso nos anos 1930. Para sair da crise, é preciso estimular a atividade econômica. Cortar gastos públicos, aumentar os juros e reduzir a oferta de crédito só aprofunda a recessão”, diz Gilberto Bercovici, professor de Economia Política da Faculdade de Direito da USP.
Petista há 30 anos, o senador gaúcho Paulo Paim ameaçou abandonar o partido após ver o governo patrocinar tantos projetos que ameaçam os direitos dos trabalhadores. Decidiu permanecer após a legenda sinalizar uma resistência. A ideia é fazer pressão pela esquerda para que o governo não abrace por completo a agenda da direita.
“Não faz sentido pautar uma nova Reforma da Previdência. Há cinco meses já mexemos nas regras da aposentadoria, quando foi aprovada a fórmula 85-95”, argumenta Paim. Sancionada por Dilma em novembro de 2015, a nova fórmula considera o tempo de contribuição e a idade do trabalhador.
Para homens, a soma deverá ser de 95 pontos, com recolhimento de pelo menos 35 anos. Para as mulheres, deverá ser de 85 pontos, com contribuição mínima de 30 anos. Para acompanhar o aumento da expectativa de vida da população, o fator terá aumentos progressivos até 2026, quando a relação chegará a 90/100.
“Sempre que surge no horizonte um sinal de crise, os conservadores pedem Reforma Trabalhista e da Previdência”, queixa-se o senador gaúcho. “Nosso governo não pode entrar nesse jogo. Por que não falam em reforma tributária, em taxar as grandes heranças?”
O PT propõe a revisão da tabela do Imposto de Renda, com aumento do piso de isenção e ampliação progressiva das faixas de contribuição. A alíquota máxima do IR no Brasil é de 27,5%, muito abaixo da média dos países desenvolvidos da OCDE, 41,58%. Os petistas defendem, ainda, o aumento do imposto sobre doações e heranças, a criação de um novo tributo sobre grandes fortunas e a extensão do IPVA para barcos e aviões.
O objetivo é aliviar a carga tributária dos mais pobres com a taxação da minoria abastada. Segundo dados extraídos da Pesquisa de Orçamento Familiar de 2008/2009 pelo Ipea, 10% das famílias mais pobres do Brasil destinam 32% da renda disponível para o pagamento de tributos, enquanto 10% das famílias mais ricas gastam 21% de sua renda.
Para evitar alterações nas regras do pré-sal, o partido pretende recorrer à velha campanha “O petróleo é nosso”. Irritado com a mudança de posição do Planalto, o senador petista Lindbergh Farias acusa o governo de usar a Petrobras como instrumento de barganha.
“Na manhã da votação, estive no Palácio do Planalto. Ligamos para vários senadores. Tinha o mapa da votação na mão, iríamos ganhar. Pelos meus cálculos, 14 senadores mudaram de posição após o anúncio daquele acordo, que veio pela boca do peemedebista Romero Jucá”, diz. “Não era medo de perder a votação. Para mim, o temor deles era ganhar contra a vontade de Renan Calheiros e do PSDB.”
Após o Supremo Tribunal Federal definir as regras do impeachment, em dezembro passado, o presidente do Senado passou a ter papel decisivo no desenlace do processo contra Dilma. Não é de hoje, porém, que Renan flerta com setores do PSDB, em particular com Serra.
Líder do governo no Senado, Humberto Costa, do PT de Pernambuco, minimiza os atritos entre o Planalto e a bancada petista. “Em um governo de coalizão, é natural haver divergências”, diz. “O governo defendia a manutenção da atual legislação no pré-sal, mas deixou claro que, diante da perspectiva de ser derrotado, aceitaria uma posição intermediária. O projeto aprovado é bem melhor que a proposta original.”
A fogueira, no entanto, não apaga. Na Câmara, a bancada petista não esconde a insatisfação com os insistentes acenos de Dilma para o mercado e para a direita. “Todas as matérias que representam retiradas de direitos dos trabalhadores enfrentarão resistência no PT”, afirma o deputado Décio Lima, do PT de Santa Catarina.
“Vamos apresentar alternativas. Talvez não seja preciso mexer na Previdência, por exemplo, se o governo aperfeiçoar os mecanismos de combate à sonegação fiscal, que retira dos cofres públicos cerca de 500 bilhões de reais por ano.” A estimativa é do Sindicato Nacional dos Procuradores da Fazenda Nacional.
Em dezembro de 2015, centrais sindicais e movimentos sociais saíram às ruas contra o impeachment de Dilma, mas também cobraram mudanças na política econômica. Novos atos estão agendados para 31 de março. De todo modo, o ambiente está mais hostil ao governo.
“Neste momento, o impeachment é a menor das nossas preocupações. Vamos protestar contra os ataques aos direitos dos trabalhadores”, diz Guilherme Boulos, líder do movimento sem-teto. “Não dá para defender a pauta deste governo. A reforma agrária está congelada, só se fala em regressão social”, emenda Alexandre Conceição, da coordenação nacional do MST.
Para o senador Lindbergh, o governo corre o risco de ficar cada vez mais isolado. “A presidenta talvez tenha a ilusão de que pode acalmar o mercado e os setores pró-impeachment com concessões, mas não acredito que ela vá ganhar a paz com esse pessoal. Pior: pode imobilizar nossa base social, que anda muito desconfiada.”
*Reportagem publicada originalmente na edição 891 de CartaCapital, com o título "Rotas divergentes"
08/03/2016
http://www.cartacapital.com.br/revista/891/rotas-divergentes
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