Protestos urbanos

Redes sociais, boatos e jornalismo

17/06/2013
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O comportamento da grande imprensa na cobertura da repressão às manifestações contra o aumento das passagens de ônibus e contra os gastos exorbitantes para a realização da Copa do Mundo no Brasil forneceu mais um estímulo a quem propõe o abandono da “velha mídia” em nome das redes sociais, apresentadas como fonte das informações verdadeiras e veiculadas sem as mediações que as deturpam ou lhes retiram a força.
 
Infelizmente, as coisas não são simples assim.
 
De fato, os episódios dos últimos dias deixaram claro, mais uma vez, que a grande imprensa elege um lado, distorce os fatos, silencia as vozes dissonantes e, diante das evidências – as cenas de barbárie da quinta-feira (13/6), em São Paulo –, tenta atabalhoadamente correr atrás do prejuízo, sem entretanto conseguir livrar-se do jornalismo meramente reativo e declaratório: não consegue ser crítica às fontes oficiais, apenas reverbera seus discursos, mesmo os mais estapafúrdios, como o que assevera não ter havido excessos na repressão aos protestos no Maracanã, no domingo (16/6), ou o que informa sobre o cadastramento de jornalistas para as próximas manifestações, que usariam coletes de identificação – algo impensável mesmo em tempos pré-internet, quando o número de meios de comunicação era infinitamente menor.
 
São vícios, talvez, de quem se acostumou a substituir a apuração ativa e autônoma, que frequentemente suscitava conflitos internos na Redação, pela passividade da reprodução de releases de assessorias de imprensa, perfeitamente adequados aos objetivos de um jornalismo bem comportado, que não deseja fazer marola.
 
Ilusões na rede
 
Na era da internet, esse bom-mocismo subserviente desmorona, mas nem por isso o que circula na rede é garantia de boa informação. Especialmente quando se trata de situações de alta tensão, como estas que estamos vivendo, que provocam reações exacerbadas e muitas vezes resultam na disseminação de boatos ou simplesmente mentiras.
 
Num vídeo que circulou amplamente na internet, uma jovem paulistana, participante do movimento contra o aumento das tarifas, convocava: “Desliga a TV e vem pra internet. Porque na internet não tem manipulação...”.
 
Pobre mocinha.
 
Uma adolescente pode acreditar no que quiser, mas há muita gente experiente que cai nas armadilhas dessa cacofonia e desse imediatismo típicos do meio virtual. É assim que mesmo jornalistas compartilham automaticamente textos, fotos e vídeos sem qualquer preocupação com a checagem, às vezes sem nem mesmo lerem ou repararem melhor nas imagens. E frequentemente fazem comentários, e ajudam a criar a bola de neve da desinformação.
 
Reações irrefletidas
 
Um exemplo foi uma foto divulgada no Facebook no dia seguinte à batalha campal da Avenida Paulista: um jovem carregando uma policial, enaltecido como uma demonstração da atitude solidária de um manifestante contra a truculência da repressão. Ocorre que a foto era de 2010, de uma passeata de professores da rede pública de São Paulo, e o jovem em questão era um policial infiltrado no movimento – o famoso P2 –, que socorria uma colega. O alerta, em tom de ironia, foi dado pelo jornalista Caio Barbosa, de O Dia, em sua página no Facebook, e nos comentários indicava-se o link para a reportagem da época, que questionava a presença de um policial do serviço secreto naquela manifestação (ver aqui).
 
Outro exemplo, mais relevante pelas suas consequências alarmistas, foi o do boato sobre a censura às rádios CBN e BandNews FM, que teriam sido tiradas do ar “por ordem da Fifa” (?!) porque estavam cobrindo os protestos do lado de fora do Maracanã, pouco antes do jogo de domingo (16/6).
 
Diante da repercussão, a Band informou, pouco depois das 14h, pelo Twitter, que não havia censura alguma: apenas não tinha o direito de transmissão, via internet, para fora do Brasil, dos jogos da Copa das Confederações. À noite, no Facebook, o jornalista Álvaro Oliveira Filho, da CBN, divulgou texto esclarecendo que tampouco houve qualquer censura à rádio onde trabalha: simplesmente o site das emissoras do Sistema Globo de Rádio estava fora do ar, um problema que foi resolvido ao final da tarde, mas as rádios transmitiam normalmente. Os celulares funcionavam mal – “sei que isso é raro no Brasil, mas aconteceu neste domingo”, ironizou – e, algumas vezes, os repórteres que cobriam o conflito nos arredores do estádio entravam no ar e a ligação caía.
 
“Nem por isso deixamos de relatar o que acontecia nas ruas próximas ao estádio, com a ajuda também das imagens que recebíamos pela TV.
Num determinado momento, o locutor Evaldo José, ao meu lado, foi avisado que Genilson Araújo estava pronto para entrar no ar e o chamou. Genilson, no olho do furacão, não ouviu o chamado, não percebeu que estava no ar e disse para os policiais [que perseguiam manifestantes refugiados na Quinta da Boa Vista]: ‘Vocês não podem entrar aí, não. Aí tem criança. O que é isso?’
 
“Ao perceber que Genílson não sabia que estava no ar, Evaldo retomou a transmissão. Foi o suficiente para que várias histórias fantasiosas surgissem e se espalhassem rapidamente pelas redes sociais, fazendo com que a CBN chegasse aos trend topics do twitter. Disseram que Genilson havia entrado no ar chorando, que a Fifa havia tirado a CBN do ar.”
 
No calor da hora
 
A proliferação de boatos ocorre com imensa facilidade porque a fluidez do mundo virtual o torna particularmente permeável a esse tipo de coisa. Além disso, as redes sociais são um reflexo do comportamento das pessoas na vida cotidiana, cuja característica é precisamente o automatismo, a reação irrefletida. Por isso não é possível, simplesmente, substituir a informação jornalística pelo que circula na internet, por mais que as redes também sejam uma riquíssima fonte de informação e expressão da criatividade e da irreverência diante da brutalidade e da opressão.
 
Mas, como sempre, é preciso filtrar para zelar pela credibilidade e combater o caos.
 
Por isso, cada vez mais, necessitamos de jornais – melhor dizendo, necessitamos de jornalismo, dessa atividade comprometida em mergulhar na turbulência do cotidiano para recolher dali as informações confiáveis e divulgá-las.
 
Jornalismo, entre várias coisas, é isso: o exercício do senso crítico no calor da hora. Por isso é tão difícil. Por isso é tão necessário. E por isso, também, é tão necessária a crítica ao jornalismo que descumpre seu papel.
 
- Observatório da Imprensa, edição 751, 18/06/2013.
 
https://www.alainet.org/de/node/76883
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