A ameaça de impeachment

As denúncias envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, que atingiram o presidente Jair Bolsonaro, são o elemento mais recente de desgaste que será tratado na CPI da Pandemia de Covid-19 no Senado.

30/06/2021
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Manifestações de rua por “Fora Bolsonaro”
Foto: Grupo de Ação
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Bolsonaro está no seu pior momento desde o começo do governo. A popularidade está no patamar mais baixo, em 23%, segundo pesquisa Ipec (ex-Ibope). Com as mobilizações das forças populares, perdeu o “monopólio das ruas”. Ao mesmo tempo, tem diminuído a intensidade da atuação das milícias bolsonaristas nas redes sociais. Mais recentemente, caiu o ministro Ricardo Salles, do Meio Ambiente, que integrava o núcleo mais ideológico.

 

A tragédia da pandemia de coronavírus, com uma média de 2 mil mortos por dia, atravessa a conjuntura, com impacto na vida das pessoas, na intensidade da atividade econômica, nas discussões no Congresso e no Judiciário e na atuação das forças populares.

 

A CPI da Pandemia de Covid-19 no Senado tem imposto um desgaste permanente com a exposição da postura irresponsável na condução das medidas sanitárias, a fixação pela cloroquina e o descaso com a compra das vacinas. A comissão tem altos e baixos, mas cumpre um papel pedagógico, reforçado pelos grandes meios de comunicação, ao expor um passo a passo das ações do governo.

 

As denúncias envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin, que atingiram o presidente Jair Bolsonaro, são o elemento mais recente de desgaste que será tratado na CPI. Os irmãos Luis Ricardo Miranda, o servidor do Ministério da Saúde, e Luis Miranda (DEM-DF), deputado federal, revelaram que alertaram o presidente há mais de três meses dos indícios de irregularidades.

 

O esquema de corrupção é atribuído ao líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Bolsonaro, que tinha informações do esquema e sabia do envolvimento de Barros, pode responder por prevaricação. Para evitar os processos, alega que mandou o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazzuelo tomar uma atitude. A informação de que o presidente da Câmara, Arthur Lira, teria orientado Miranda a levar a público (“detonar”) as irregularidades chamam atenção.

 

A base de sustentação do governo no Congresso Nacional, desenhada com a articulação com o chamado “centrão” (a direita fisiológica) na eleição para a presidência da Câmara e do Senado, aproveita a situação de maior instabilidade. No Senado, a composição é mais desfavorável ao governo, ainda mais com a centralidade da CPI da Pandemia. Na Câmara, Arthur Lira conduz com mão de ferro os trabalhos, especialmente depois da mudança do regimento da tramitação.

 

Diante da situação do governo, a fatura do “centrão” fica mais cara. O “programa baixo clero de Lira”, como classifica o colunista Vinicius Torres Freire, é arrancar emendas, cargos, benefícios e projetos de interesse para obstruir a ameaça de impeachment. Cresce a pressão e o lobby de medidas para favorecer apoiadores para as eleições e a aceleração de reformas para atender às pressões do grande capital.

 

Com a necessidade do governo dar sinalizações ao mercado e entregar as promessas ao grande capital, o programa neoliberal avança com a condução das lideranças do Congresso, com apoio da direita bolsonarista e da direita não-bolsonarista, articulando frações do capital internacional e nacional. O rolo compressor passou na privatização da Eletrobras. Já tinha passado na aprovação da autonomia do Banco Central.

 

Agora, a próxima da fila é a privatização dos Correios. Na agenda, ainda tem a reforma administrativa, medidas tributárias, mudanças na lei eleitoral (como o distritão e a volta do financiamento privado), projetos de interesse do agronegócio (terras indígenas e regulação fundiária) e da bancada da bala (regulamentação do terrorismo).

 

As manifestações de rua expressivas são um elemento novo, tanto pela capilaridade nacional quanto pelo número de participantes dos protestos. Os atos foram uma demonstração de força; os movimentos populares retomaram o protagonismo político e expressaram a unidade da esquerda, animando os setores progressistas. Os atos tiveram um crescimento em 19 de junho, em comparação a 29 de maio, mas não deram um salto qualitativo, que depende do movimento de faixas da classe trabalhadora.

 

Com a precipitação da crise do esquema da Covaxin e a deterioração das condições políticas do governo, reunião extraordinária da campanha Fora Bolsonaro decidiu convocar atos em todo o país dia 3 de julho. Mantém-se no calendário o 24 de julho, com um tempo maior para avançar no processo de preparação e mobilização com os sindicatos e pelos movimentos populares nos territórios.

 

No dia 30 de junho, haverá um ato em Brasília para aumentar a pressão sobre o presidente da Câmara, Arthur Lira, quando será apresentado um super-pedido de impeachment, que reunirá a esquerda e figuras de centro e de direita.

 

As manifestações de rua por “Fora Bolsonaro” consolidaram a mudança na conjuntura, que tinha sido alterada com a retomada dos direitos políticos do Lula, que recolocou a esquerda no jogo eleitoral com a perspectiva de retomar o governo federal. Lula passou a exercer seu papel de maior liderança da oposição ao governo Bolsonaro, deu maior unidade ao campo progressista, atraiu setores do centro e abriu um canal de diálogo direto com o povo brasileiro.

 

O nosso campo político tem cumprido um papel importante na construção da campanha nacional Fora Bolsonaro, que tem conduzido o movimento e a agenda de manifestações. Desenha-se uma unidade tática do conjunto da Frente Brasil Popular, do setor majoritário da Frente Povo Sem Medo (MTST e Intersindical), partidos de esquerda (PT, PCdoB e PSOL), o fórum das centrais e entidades da sociedade civil. Um segmento está se desgarrando da Frente Povo Sem Medo, composto por UP, MES/PSOL, CST, PCB, que se articulam contra a unidade da esquerda em torno do Lula nas eleições de 2022 e defendem a candidatura de Glauber Braga.

 

A direita não bolsonarista tem uma oportunidade de aumentar a carga contra Bolsonaro e lançar mão do pedido de impeachment para suplantar o atual presidente e viabilizar a 3ª via contra Lula, que aparece consolidado como candidato da esquerda. Na pesquisa IPEC divulgada nesta semana, Lula aparece com 49% e ganharia no 1º turno. A direita neoliberal controla governos estaduais importantes, tem força política, referência na sociedade, confiança programática de frações da burguesia e de grandes meios de comunicação.

 

Em uma situação adversa, com a possibilidade de avançar o processo de impeachment, Bolsonaro mantém a ameaça de radicalização, com o discurso ideológico e a mobilização dos apoiadores fiéis. A agenda de atos com motoqueiros em Brasília, no Rio de Janeiro, em São Paulo e mais recentemente em Chapecó (SC) sinaliza para a sua base de apoio. Bolsonaro tem usado politicamente o controle sobre áreas estratégicas do governo, como o Ministério da Justiça (Anderson Torres) e a Advocacia Geral da União (André Mendonça), além do papel desempenhado pelo procurador-geral da República Augusto Aras.

 

Não é possível descartar a possibilidade da extrema-direita lançar mão de artifícios de desestabilização e abrir um confronto. Os movimentos nas Forças Armadas esgarçam o regulamento disciplinar e a hierarquia do Exército. O endurecimento de setores bolsonaristas na Polícia Militar nos estados demonstra a influência do presidente entre os policiais.

 

Tendências e cenários

 

Os desdobramentos da crise em curso e o aprofundamento da deterioração do governo fortalecem a luta das forças populares pelo “Fora Bolsonaro” e abrem uma janela para direita não-bolsonarista se deslocar para uma posição mais firme pelo impeachment para tirar Bolsonaro do jogo eleitoral em 2022 e viabilizar a terceira via.

 

O jornalista Hélio Doyle relatou em artigo que estão em curso “articulações, ainda iniciais, envolvendo empresários, militares e alguns poucos políticos com mandato” para articular o impeachment e impedir que o ex-presidente Lula vença as eleições em 2022.

 

Para o longo prazo, a evolução da pandemia, mais precisamente da vacinação, e o cenário econômico são determinantes para a disputa política e para as eleições. A gestão da crise hídrica, que poderá levar a um apagão em estados como São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Paraná, a depender do volume de chuvas, é um elemento adicional.

 

A vacinação avança, mais devagar do que a necessidade, mas o Brasil atingiu a marca de 25 milhões de vacinados com duas doses contra a covid-19 (12% da população). O total de vacinados com uma dose chegou a 70 milhões de pessoas (32% da população). Na medida em que avança a vacinação fora do país, aumenta a oferta de imunizantes e podemos acelerar pela capacidade do Programa Nacional de Imunização. A pandemia pode estar controlada ainda no primeiro semestre de 2022.

 

Em relação a economia, a leitura mais “pessimista” destaca o nível baixo da atividade econômica, a manutenção de grandes níveis de desemprego, a corrosão da renda com a inflação alta de produtos e serviços básicos, o aumento do endividamento e da inadimplência. Consequentemente, a deterioração das condições de vida dos trabalhadores abre margem para a direita neoliberal deslocar Bolsonaro, arrastar setores da burguesia e atrair o eleitorado mais conservador descontente com o governo.

 

A aposta de Bolsonaro é estimular alguma recuperação econômica, abrir o caixa, fazer investimentos em algumas áreas e criar um novo programa social de maior envergadura. Analistas do mercado apontam o crescimento de 5% neste ano, que respingará como efeito de melhora na vida dos trabalhadores mais pobres.

 

O crescimento do primeiro trimestre foi acima das expectativas de estagnação, em um quadro favorável de câmbio desvalorizado, o juro baixo e a recuperação de China e EUA. A ampliação dos repasses federais para os fundos de participação de estados e municípios sinaliza o aumento da atividade econômica e da arrecadação de impostos.

 

Bolsonaro terá que passar pelo deserto da crise da Covaxin. Nesse caso, estará em melhores condições políticas em 2022 do que as atuais, especialmente com o avanço da vacinação e com algum patamar de crescimento econômico. Assim, pode construir uma base de apoio maior do que a atual e atrair as frações da burguesia interessadas na derrota do Lula.

 

Desafios

 

O acirramento da polarização implica organização e preparação das forças populares para o recrudescimento da luta de classes até as eleições. Agora, a tarefa é avançar com a campanha “Fora Bolsonaro” para desgastar ao máximo o atual governo e tentar derrubá-lo.

 

Ao mesmo tempo, cresce o desafio de disputar ideologicamente e envolver na luta faixas da classe trabalhadora, defendendo políticas de renda, salário e emprego.

 

Precisamos discutir pontos para um programa de construção nacional, articular as forças de esquerda mais avançadas e fazer uma campanha na sociedade em defesa de medidas populares emergenciais para enfrentar a crise nacional, como:

 

-Revogação do teto dos gastos para retomar a capacidade de investimentos do Estado.

-Proposta de reforma tributária progressiva avançada para financiar um programa de renda e emprego.

-Reforma política para superar a crise institucional.

-Reorientação da política externa para uma maior autonomia em relação aos Estados Unidos.

 

No processo de preparação para as eleições, será necessário envolver as forças democráticas e progressistas para derrotar a extrema-direita e construir uma campanha militante em defesa de medidas populares emergenciais para enfrentar a crise nacional. A eleição será uma guerra decisiva para a derrota do fascismo e enfrentar o neoliberalismo.

 

- Igor Felippe Santos é jornalista.

 

30/06/2021

https://aterraeredonda.com.br/a-ameaca-de-impeachment/

 

https://www.alainet.org/de/node/212872
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