2019: um ano de lutas e reação
- Opinión
Apesar do quadro geral de crise econômica e retrocessos em várias áreas, 2019 também registrou avanços, alguns obtidos a partir de muita luta e resistência. O Brasil de Fato preparou uma retrospectiva dos principais episódios ocorridos ao longo do ano, que dão alguma injeção de otimismo para o próximo período.
Houve mobilizações importantes dos estudantes contra os cortes na educação, que resultaram em um recuo do governo federal no congelamento de verbas. O Supremo Tribunal Federal (STF) passou a enquadrar a homofobia como crime equivalente ao de racismo, em um julgamento histórico. Outro avanço relevante foi a regulamentação da venda de produtos à base de maconha no Brasil, aprovada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) em dezembro. Com a decisão, produtos feitos com cannabis para uso medicinal podem ser vendidos em farmácias, mediante prescrição médica. A libertação do ex-presidente Lula, que ficou preso por 580 dias, foi um marco na luta por direitos e garantias individuais previstos na Constituição Federal.
A seguir, um resumo otimista de um ano que ficará marcado na história do país:
Enredos politizados de carnaval
Como é de costume, o carnaval, maior festa popular do país, foi marcado pelo forte tom de crítica social. Além dos foliões – que levaram o assunto para as ruas em formas de fantasias e letras de música, escolas de samba do Rio de Janeiro e de São Paulo levaram à avenida enredos que tocaram nas principais feridas do país. Foi o caso da Mangueira, uma das mais tradicionais agremiações, que incluiu uma homenagem emocionante à vereadora Marielle Franco e ao motorista Anderson Gomes, assassinados em 2018 numa emboscada até hoje não esclarecida pelas autoridades em relação aos mandantes. No enredo, a Mangueira, que se sagrou campeã, exaltou líderes que influenciaram a história do Brasil, especialmente índios e negros.
Em São Paulo, a Vai-Vai mostrou a luta do povo negro em um enredo intitulado "Vai-Vai, o quilombo do futuro" e a escola de samba Águias de Ouro questionou o que é a liberdade do negro em “Ontem preso na senzala, maldade e dor". Nos blocos de rua por todo o país, foi marcante as fantasias de laranja, relacionando o papel do ex-assessor da família Bolsonaro, Fabrício Queiroz, suspeito de um esquema milionário de movimentação financeira ilegal na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro. Leia aqui artigo sobre o carnaval deste ano.
Tsunamis da educação
Os protestos estudantis no Brasil em 2019, também chamados de Dia Nacional em Defesa da Educação, ocorreram em três datas ao longo do ano: 15 de maio, 30 de maio e 13 de agosto. No dia 7 de setembro, o tema volta à pauta, nos atos do Grito dos Excluídos.
Foi considerada a primeira grande manifestação popular contra o governo de Jair Bolsonaro e reuniu, nas três ocasiões, milhões de pessoas em mais de 200 cidades pelo país. Os cortes anunciados no início do ano, de 30% nas verbas para o ensino superior, atingiram a marca de R$ 7,4 bilhões, impactando bolsas de pesquisa e serviços de manutenção de universidades. O desgaste da medida fez o governo federal recuar e o congelamento de gastos foi revertido no final do ano.
Maconha medicinal
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou, no início de dezembro, regulamento para a fabricação, importação e comercialização de medicamentos derivados da cannabis. Com a decisão, tomada por unanimidade entre os diretores da agência, produtos feitos com cannabis para uso medicinal podem ser vendidos em farmácias, mediante prescrição médica.
De acordo com a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança (Abrace), centenas de pessoas em todo país passarão a ter medicamento com altíssima efetividade para casos de epilepsia, autismo, mal de Alzheimer, mal de Parkinson e neuropatias. No entanto, alguns especialistas e defensores alertam que a proibição ao plantio nacional impede que a nova regra beneficie os pacientes.
Homofobia é crime
Em junho, o Supremo Tribunal Federal (STF) determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passe a ser considerada crime no Brasil. No julgamento, dez dos 11 ministros reconheceram haver uma demora do Legislativo em tratar do tema por meio de projeto de lei. Diante desta omissão, por 8 votos a 3, os ministros determinaram que a homofobia passe a ser punida pela Lei de Racismo (7716/89), que hoje prevê crimes de discriminação ou preconceito por "raça, cor, etnia, religião e procedência nacional". O racismo é um crime inafiançável e imprescritível segundo o texto constitucional e pode ser punido com um a cinco anos de prisão e, em alguns casos, multa. Leia aqui sobre a vivência de grupos que combatem a homofobia no dia a dia, com criatividade e afeto.
Na cultura, Chico, Bacurau e Conceição Evaristo salvaram
A área cultural foi uma das que mais sofreu no país por conta de um processo de desmonte de políticas públicas, a começar pela extinção do Ministério da Cultura e uma série de ataques a importantes órgãos do setor, como a Agência Nacional do Cinema (Ancine), a Fundação Cultural Palmares e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Apesar disso, houve episódios que lavaram a alma dos brasileiros.
Um deles certamente foi o sucesso do filme Bacurau, dos diretores Kléber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. A produção conquistou o Prêmio do Júri no Festival de Cannes de 2019, tornando-se o segundo filme brasileiro da história a ser laureado com essa conquista, após O Pagador de Promessas (1962), de Anselmo Duarte. Bacurau trata de um futuro distópico em um pequeno povoado do Nordeste do país, que passa a ser atacado por estrangeiros e acaba mobilizando a população em torno de uma reação contra a tentativa de opressão. Leia aqui resenha sobre o filme.
Em maio, um dos maiores compositores da música brasileira, e da cultura em língua portuguesa, Chico Buarque, foi agraciado com o Prêmio Camões, que é a maior distinção literária de língua portuguesa. A escolha, segundo o júri, reconheceu, em Chico, a "contribuição para a formação cultural de diferentes gerações", e o "caráter multifacetado" do seu trabalho, da poesia, ao teatro e ao romance, estabelecendo-se como "referência fundamental da cultura do mundo contemporâneo". Chico Buarque, que se opôs, com seu trabalho, à ditadura militar, também é um crítico feroz do governo Bolsonaro e a premiação não deixou de ser uma vitória da valorização da cultura no país.
Leia aqui artigo sobre a obra de Chico.
O ano de 2019 também foi de reconhecimento para Conceição Evaristo, que recebeu o título de personalidade literária do ano pelo prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira. Autora de obras que tratam sobre a condição da mulher negra e suas ancestralidades, Evaristo é um dos nomes mais reverenciados no mundo literário brasileiro.
Lula Livre
O dia 9 de novembro marcou a libertação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que ficou 580 dias preso na carceragem da Polícia Federal, em Curitiba. O ex-presidente foi beneficiado por uma decisão do STF, que voltou a considerar como inconstitucional a prisão para cumprimento de pena antes de esgotadas todas as instâncias judiciais. Há três anos, o STF havia mudado o entendimento que acabou abrindo caminho para a prisão de Lula, que ocorreu em ano eleitoral e o tirou da corrida presidencial, em 2018, quando era favorito nas eleições.
O julgamento do STF também permitiu, no mês passado, a libertação do DJ Renan da Penha, idealizador do Baile da Gaiola, no bairro da Penha, zona norte do Rio de Janeiro, que estava preso desde abril deste ano. Ele havia sido condenado a 6 anos e 8 meses em regime fechado por associação ao tráfico de drogas, junto com outras dez pessoas. Considerado um dos maiores artistas do funk nacional, Renan da Penha já gravou músicas com cantores como MC Livinho, Ludmilla e Nego do Borel. O sucesso do DJ também é visto nas redes sociais, onde acumula 600 mil inscritos em seu canal no YouTube e reúne outros 260 mil seguidores no Facebook.
Edição: Elis Almeida
https://www.brasildefato.com.br/2019/12/20/2019-um-ano-de-lutas-e-reacao/
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