O Sínodo da Amazônia pode ser a nossa saída do cativeiro ideológico
- Opinión
As imagens do Sínodo da Amazônia, convocado pelo Papa Francisco, são de extrema beleza. Vemos o pontífice rodeado por povos tradicionais – e até tomando chimarrão, um reconhecimento mais do que devido àqueles que mantiveram intacto um patrimônio natural do qual depende a vida do planeta.
Só o Espírito Santo poderia ter inspirado o Papa a convocar esse sínodo, em momento de extrema importância para a região, que atravessa crise política, socioeconômica e ambiental sem precedentes.
A começar pelo Brasil, que detém quase 60% daquele patrimônio, graças à diplomacia do Barão do Rio Branco, que exitosamente demarcou aquelas fronteiras, em negociações complexas, que envolveram não apenas os países vizinhos, mas também potências extra-regionais, como EUA e Reino Unido, desde sempre interessados naquela que é a maior biodiversidade da Terra.
A Venezuela, nossa irmã, enfrenta toda a sanha do imperialismo, que cobiça a maior reserva de petróleo do planeta.
A Colômbia, obrigada a ser a principal base do império na região, luta heroicamente para manter em vigência os acordos de paz, apesar do boicote dos setores de direita, dos paramilitares e dos militares conservadores, que tinham na guerra grande fonte de lucros privados, amealhando parte da ajuda externa e construindo patrimônio da corporação que inclui até hotéis de alto padrão em Bogotá. Quando a guerra se transforma em fonte de renda – como em Israel – como conseguir a paz?
O Equador, por sua vez, atravessa verdadeiro transe social, tendo o presidente deslegitimado recorrido até a transferência da capital para Guayaquil, para tentar continuar governando, tal o nível insurrecional na capital andina, contra os desmandos pilotados pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em estrita obediência ao consenso de Washington.
O Peru teve seu Congresso recentemente dissolvido pelo Presidente da República, reflexo da profunda crise institucional que vive há alguns anos, contrapondo o centro à extrema-direita, representada pela família do ex-presidente Fujimori.
A Bolívia parece ser a exceção, demonstrando coesão interna; capacidade de desenvolvimento socioeconômico e ambiental; e visão estratégica cultural, respeitando e conferindo protagonismo aos setores populares, povos tradicionais; trabalhadores e trabalhadoras em geral.
Nesse cenário extremamente preocupante, o país que poderia fazer algum tipo de contraponto às agressões do império está totalmente por ele manietado: o Brasil.
Dirigido por presidente ilegítimo, suspeito e acusado de múltiplos crimes – o pior deles a recolonização da pátria -, em flagrante desrespeito ao artigo 4º da Constituição Federal, tem entre seus auxiliares o que de pior este País já produziu, começando pelo ministro do Meio Ambiente, que, como os demais colegas, tem por característica ser contrário aos temas da própria pasta.
Recentemente, o folclórico personagem teve seu sigilo bancário e fiscal suprimidos, tantas são as suspeitas de enriquecimento ilícito que sobre ele pesam.
Com efeito, o caricato ministro, em recente viagem à Europa, manteve reuniões naquele continente com numerosas empresas produtoras de veneno, em alinhamento com as necropolíticas do chefe do bando.
Entretanto, a morte da Amazônia – e por extensão de Gaia – é iminente.
Documento apresentado pelos cientistas Carlos Nobre e Jeffrey Sachs no sínodo em apreço, intitulado “Marcos Científicos para Salvar a Amazônia” e assinado por 40 dos maiores especialistas mundiais na matéria, dos quais 20 brasileiros, alerta para o estado de degradação da floresta e a iminência de um ponto de não-retorno, a partir do qual a floresta se transformará em savana, com enormes prejuízos para a flora, a fauna e os recursos hídricos e climáticos.
Vale notar que, segundo aquele documento, “cerca de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) da América do Sul deriva da zona de influência da chuva produzida pela Amazônia”.
Ao invés de proteger esse patrimônio, o que faz o governo brasileiro?
Coloca-o em risco, pela insegurança fundiária – inclusive das reservas indígenas que poderão ser objeto de mineração – sendo a questão fundiária o principal fator de estímulo ao desmatamento; pelo sucateamento proposital da fiscalização; e pela deslegitimação das instituições de excelência para a região, como o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), principalmente.
Por isso e tendo concluído a leitura de “Leituras Críticas sobre Leonardo Boff”, volume organizado por Juarez Guimarães e editado pelas editoras Perseu Abramo e da Universidade Federal de Minas Gerais, reflito cada vez mais sobre a diferenciação que a teologia da libertação estabelece entre “desenvolvimento” e “libertação”, pois não atingiremos aquele sem conseguir esta.
A libertação do império e de suas amarras ideológicas é, de fato, condição “sine qua non” para obtermos o desenvolvimento socioeconômico e ambiental que desejamos.
Portanto, torçamos para que o sínodo nos leve por estrada em saída do cativeiro ideológico, para uma cultura de justiça, paz e equidade.
- Milton Rondó, Diplomata aposentado, foi secretário socioeconômico do Instituto Ítalo-Latino Americano; vice-presidente do Comitê Consultivo do Fundo Central de Emergências da Organização das Nações Unidas (ONU) e representante, alterno, do Ministério das Relações Exteriores no extinto Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea).
14 de outubro de 2019
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