Foi crime contra o Estado de Direito

Moro e a força tarefa cometeram pelo menos dois crimes, à luz da Lei 1802/53, que define os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social.

10/09/2019
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
sergio_moro_deltan_dallagnol.jpg
Sergio Moro e Deltan Dallagnol
-A +A

Que mais falta ser revelado para que Sergio Moro, Deltan Dallagnol e parceiros do MPF e da Polícia Federal sejam acusados formalmente de crime contra o Estado Democrático de Direito, e sejam julgados e condenados por isso? Temos lei para isso. O que falta é coragem às instituições de controle para colocarem o guizo no gato. Debilitar as instituições, submentendo-as ao humor de uma opinião pública manipulada e iludida, também foi obra da Lava Jato.

 

As novas revelações da Vaza Jato publicadas por The Intercept, e também pela Folha de São Paulo, deixam claríssimo que a força tarefa de Curitiba conspirou, a palavra é esta, para impedir que Lula se tornasse ministro de Dilma, na última chance que ela tinha de recolocar seu governos nos trilhos, política e economicamente, evitando o impeachment e toda as suas funestas consequências. Não fosse a conspiração exitosa, a história poderia ter sido outra, e hoje não estaríamos sob o tacão de um governo de extrema-direita esquizofrênico, autoritário e inepto. Não se teria rompido a fibra estruturante da democracia.

 

Lula teve vários telefonemas grampeados, e em alguns confidenciou que só aceitara tornar-se ministro de Dilma para tentar salvar seu governo e restabelecer a paz política no país. Em nenhuma admitiu estar procurando salvar-se, evitar a prisão e ganhar o foro especial. Pelo contrário, lamentava que pudessem pensar isso dele. Uma das conversas grampeadas foi com o então vice-presidente Michel Temer, com quem ele começa a costurar a pacificação da relação PMDB/governo. Mas disso só soubemos agora, pelo Intercept, pois a única conversa vazada em 2016, embora gravada ilegalmente, após a suspensão da ordem de grampo, foi aquela em que Dilma avisa a Lula que está lhe enviando o termo de posse para ser usado em alguma necessidade. Por que Dilma disse esta asneira nunca saberemos. Provavelmente queria mostrar-lhe gratidão, depois de ter pedido enfaticamente que ele a ajudasse, aceitando a Casa Civil.

 

Veio o escarcéu da mídia e especialmente da Globo com a versão de que a conversa provava que Lula só fora nomeado para evitar a prisão e ganhar o foro especial do STF. O ministro Gilmar Mendes emitiu liminar proibindo a nomeação que, a seu ver, segundo as informações disponíveis, teria “desvio de finalidade”. Pela primeira vez, um presidente da República teve cassada sua competência para nomear ministros. Gilmar, creio, poderia ter requisitado todas as peças do inquérito para embasar sua decisão. Vendo o conjunto dos grampos, poderia ter decidido de modo diferente. Mas ele também embarcou só no vazamento.

 

Não tiremos, entretanto, de Moro o que é de Moro. O verdadeiro golpe de 2016 não aconteceu na noite de 17 de abril, em que uma sessão da Câmara, comparada a uma assembleia de bandidos comandada por Eduardo Cunha, aprovou o pedido de impeachment de Dilma Rousseff. O verdadeiro golpe foi perpetrado naquele 16 de março, por uma organização político-ideológica infiltrada no sistema de Justiça chamada Lava Jato, sob o comando do então juiz Sergio Moro. Este foi o golpe que abriu caminho para o que seria consumado um mês depois.

 

Moro e a força tarefa cometeram pelo menos dois crimes, à luz da Lei 1802/53, que define os crimes contra o Estado e a Ordem Política e Social. Seu artigo oitavado define como crime: “Opor-se, diretamente, e por fato, à reunião ou livre funcionamento de qualquer dos poderes políticos da União.

Pena: - reclusão de 2 a 8 anos, quando o crime for cometido contra poder de União ou dos Estados, reduzida à metade quando se tratar de poder municipal.”

 

Com o vazamento seletivo, semeando a trovoada contra a nomeação de Lula, o que fez a Lava Jato senão atentar contra o livre funcionamento do Poder Executivo, impedindo a presidente da República de nomear um ministro?

 

A mesma lei, no artigo sexto, diz que é crime “atentar contra a vida, a incolumidade e a liberdade” de autoridades como o presidente da República, o vice, ministros de estado, presidentes das casas legislativas do Congresso e outras mais. O que fez a Lava Jato senão atentar contra a liberdade da presidente da República de nomear um ministro?

 

Leis para punir Moro e sua turma, lei é que não falta. Existem decretos complementares à Lei 1802 e ao Código Penal que cabem como luva na situação deles. A Vaza Jato, tem dito Glenn Greenwald, está longe de terminar mas não falta mais nada. As revelações de domingo seriam mais que suficientes para a tipificação criminal, sem falar no conjunto de abusos cometidos em outras situações. Agora mesmo, esta nova denúncia de corrupção passiva contra Lula e seu irmão Frei Chico, eivada de falhas técnicas, não passa de resposta da Lava Jato, pelo braço paulista, a estas que ultimas revelações de The Intercept, que para mim são as mais graves até aqui divulgadas. O que falta é quem coloque o guizo no gato. E falta também a necessária indignação da sociedade contra a falcatrua da Lava Jato. Que mais será preciso? Onde andam os indignados de 2013, 2015 e 2016? Pelo visto, sofriam de indignação seletiva. Exaltam-se contra a corrupção mas não se importam com crimes contra a democracia.

 

- Tereza Cruvinel, colunista do 247, é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País

 

10 de setembro de 2019

https://www.brasil247.com/blog/foi-crime-contra-o-estado-de-direito

 

https://www.alainet.org/de/node/202051

Del mismo autor

America Latina en Movimiento - RSS abonnieren