Multidões repudiam ‘acordo do século’ de Trump:

“A Palestina não está à venda!”

Embora não se conheçam todos os detalhes do “acordo do século”, sua essência consiste em revogar acintosamente a solução definida pela ONU, o princípio de “dois Estados” com respeito das fronteiras de 1967.

27/06/2019
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“A Palestina não está à venda!” “Abaixo Trump, Abaixo a conferência do Bahrein!”: milhares de manifestantes nas ruas da Palestina, Líbano, Jordânia e Marrocos repudiaram o “acordo do século” de Trump – que sacramenta o apartheid israelense em terra roubada – e seu fórum para convocar os próprios árabes a pagarem pela ocupação. O que, cinicamente, é chamado de “Paz para a Prosperidade” na reunião que se encerra no Bahrein nesta quarta-feira (26), e cuja grande estrela é o genro de Trump, o sionista Jared Kushner.

 

A Autoridade Palestina se recusou a comparecer, e o presidente Mahmoud Abbas chamou a proposta de Trump de que os palestinos vendam seus direitos inalienáveis por US$ 50 bilhões, e com os árabes pagando, de “chantagem humilhante”.

 

A confabulação no Bahrein foi considerada pelo secretário-geral da Organização pela Libertação da Palestina (OLP), o veterano negociador Saeb Erekat, “uma tentativa de substituir o princípio da terra pela paz pelo princípio do dinheiro pela paz”.

 

Como salientou o primeiro-ministro palestino, Mohammad Shtayyeh, a reunião no Bahrein “é simplesmente uma lavanderia política para legitimar a ocupação e os assentamentos”.

 

Embora não se conheçam todos os detalhes do “acordo do século”, sua essência consiste em revogar acintosamente a solução definida pela ONU, o princípio de “dois Estados” vivendo em segurança e paz lado a lado, com respeito das fronteiras de 1967, solução para os refugiados palestinos e Jerusalém Leste de capital palestina, e tornar o que sobrar da Palestina um bantustão.

 

Enquanto a confabulação ocorria na capital do Bahrein, Manama, em Nova Iorque o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, falando à conferência da agência da ONU que cuida dos refugiados palestinos, reafirmou a importância de “perseverar nos esforços pela paz para concretizar a visão dos dois Estados, Israel e Palestina, lado a lado”.

 

FORA COM O “ACORDO DO DIABO”

 

Como denunciou Erekat, que negociou pela OLP os acordos de Oslo com o governo Rabin, o governo Trump já implementou “a parte política” do “acordo do século”, reconhecendo Al Quds (Jerusalém) como capital de Israel, transferindo sua embaixada para a cidade, legitimando assentamentos, tentando destruir a Agência da ONU que cuida dos refugiados palestinos e reconhecendo a soberania de Israel sobre as colinas sírias ocupadas”.

 

Nas ruas da Cisjordânia, os protestos vêm se repetindo desde domingo, e uma greve geral paralisa a região – incluindo Ramallah, Nablus, Jenin e Jerusalém Leste – e também Gaza. Em um dos atos, um grupo de manifestantes desfilou pelas ruas um jumento com as fotos dos chefes de governo árabe que foram ao Bahrein. Pôsteres de Trump, com as palavras “Acordo do Diabo”, foram queimados em Gaza. Diante dessa “ameaça estratégica sem precedentes” à causa palestina, o líder do Hamas, Ismail Haniyeh, conclamou à un ião dos palestinos.

Protestos em Qalqilyah, Cisjordânia

foto: Wafa News Agency

 

 

No Líbano, há manifestações em Beirute e nos campos de refugiados. “Aqueles que acham que acenar com bilhões de dólares pode levar o Líbano, que padece sob o peso de uma sufocante crise econômica, a sucumbir ou barganhar seus princípios, estão errados”, disse o presidente do parlamento, Nabih Berri. O “acordo do século” de Trump já havia sido repelido pelo Hezbollah como “um crime histórico”.

 

Os protestos também chegaram a Amã, capital da Jordânia, e ao Marrocos. No domingo, uma multidão na capital Rabat rechaçou a trama contra os palestinos. “Viemos falar em uma única voz, como marroquinos, e expressar nossa rejeição a todas as conspirações contra a causa palestina”, disse à Reuters o vice-secretário geral do partido da coalizão governista do reino, o islâmico PJD.

 

INDIGNAÇÃO E ESCÁRNIO”

 

A agência britânica Reuters, que não pode ser acusada de extremismo, registrou que o acordo está sendo recebido nos países árabes com “indignação e escárnio”. “Do Sudão ao Kuwait, comentaristas e cidadãos comuns denunciaram as propostas de Kushner em termos similares, qualificando-as como ‘uma colossal perda de tempo’, que ‘nem vale ser discutida’, além de ‘natimortas’”.

 

Um deputado do Kuwait, Osama Al-Shaheen, disse que o “acordo do século”, na verdade, é uma proposta que envolveria uma concessão unilateral pelo lado árabe. “Enquanto isso, os ocupantes (os israelenses) ganham tudo: terra, paz e dinheiro do Golfo”, completou.

 

O mais renomado líder religioso do Bahrein, o aiatolá Isa Qassim, que está exilado por causa da repressão movida pela monarquia local, denunciou que Trump “tenta vender tudo o que os palestinos têm, incluindo os locais sagrados do Islã”.

 

CONFABULAÇÃO

 

A Casa Branca não convidou o governo Netanyahu para o Bahrein – e nem precisava, com Kushner e Mnuchin encabeçando a confabulação que pretende subornar os palestinos para que aceitem o cativeiro israelense. Estão presentes representantes das monarquias feudais do Golfo e alguns governos constrangidos sob vários tipos de pressão. Além do Líbano, também o Iraque se negou a ir.

 

O time de Trump para o acordo do século é de tirar o chapéu. Seu enviado especial ao Oriente Médio, Jason Greenblatt, era o ex-advogado para assuntos imobiliários do presidente bilionário. Já o embaixador dos EUA em Israel, David Friedman, é o ex-advogado para bancarrota de Trump, conforme registrou o programa Democracy Now. Se isso não é uma “organização criminosa” flagrada em operação, parece muito.

 

Pelo plano Kushner, seria criado um fundo de investimento global de US$ 50 bilhões (para aplicação em dez anos), que seria o “motor econômico” do “acordo do século” no Oriente Médio. US$ 27,5 bilhões para projetos na Cisjordânia e Gaza. Países que contam com um grande número de refugiados palestinos, como a Jordânia e o Líbano, receberiam respectivamente US$ 7,4 bilhões e US$ 6,3 bilhões. Para o Egito, seriam US$ 9,1 bilhões.

 

SEM PROSPERIDADE SOB OCUPAÇÃO

 

De forma mentirosa, Kushner diz que o “acordo do século” seria alguma coisa intermediária entre “a posição de Tel Aviv” e a “Iniciativa pela Paz” árabe. A base da “Iniciativa” árabe continuava sendo a troca de “paz por terra”, com os árabes aceitando a normalização de relações com Israel desde que este concordasse com a solução dos dois Estados ao longo das fronteiras de 1967 e uma solução justa para os refugiados palestinos.

 

Como denunciou a diplomata palestina Hanan Ashrawi, a primeira mulher a fazer parte da executiva palestina, o plano Trump/Netanyahu tenta forçar os palestinos “a se entregarem e a integrarem Israel economicamente à região”. Tentam – acrescentou – colocar de “cabeça para baixo a Iniciativa de Paz Árabe”, querendo que os árabes “normalizem as relações com Israel, mantendo este Estado como potência ocupante, ocupando terra palestina, ocupando terra síria, premiando o agressor”.

 

Ela também rechaçou a nauseante concepção de que “tudo o que é preciso é dar aos palestinos um punhado de dólares e eles aceitarão seu cativeiro, que se tornará mais palatável ou menos desagradável, por assim dizer”.

 

Sobre o potencial econômico da Palestina, Ahswari assinalou que “uma vez que estejamos no controle de nossas próprias vidas, de nossas terras, de nossos recursos, de nosso espaço aéreo, de nossas portas de saída e entrada, – seremos capazes de construir uma vibrante economia”. “Não estamos dispostos a nenhuma entrega”, reiterou. “O que queremos é nossa liberdade, nossa habilidade de controlar nossas vidas e nossos recursos de forma a dar ao povo palestino a prosperidade que ele merece”. “Não pode haver prosperidade, não pode haver desenvolvimento sob ocupação. E falta de prosperidade não leva à paz, como já foi tentado antes e falhou”, concluiu.

 

- Antonio Pimenta, https://horadopovo.org.br/author/horadopovo/">Hora do Povo

 

26 de junho de 2019

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