As multinacionais não pagam o que é justo

23/06/2017
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Foto: Pixabay
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Reformas que desestruturam o Estado Social de direitos, sistema tributário regressivo, desregulamentação das relações de trabalho e precarização dos serviços públicos. O que estas coisas têm a ver com a globalização econômica e com os mecanismos de sonegação fiscal das transnacionais através dos paraísos fiscais?

Parecem coisas independentes, mas não são. A falta de estrutura para a proteção social, para a saúde pública, os baixos salários dos professores, a precarização da segurança, são fatos que normalmente convivem com recordes de lucros das grandes corporações empresariais e com o aumento da fuga de capitais. O recurso que falta para muitos é o que sobra e amplia a riqueza concentrada em poucos.

Estamos vivendo no Brasil um período extremamente conturbado em que as estruturas que sustentam a ideia de um Estado de Bem-Estar Social, inauguradas pela Constituição de 1988, estão sendo rapidamente destruídas. Sob o pretexto da austeridade e da eficiência é o próprio Estado que está sendo radicalmente reformado, tendendo a tornar-se residual, o conhecido estado mínimo.

As reformas propostas produzirão uma drástica redução das despesas primárias da União, dos aproximadamente 20% do PIB de hoje no âmbito federal, para algo em torno de 12% daqui a 20 anos, valor próximo ao que era praticado antes de 1988. Trata-se de desfazer as conquistas sociais históricas que se consolidaram na Constituição.

Do ponto de vista fiscal, é até desonesto fazer ajustes apenas sobre as despesas primárias sem levar em conta o regressivo e injusto sistema tributário; as renúncias fiscais, em torno de 260 bilhões de reais anualmente; o estoque da dívida ativa da União, que já alcançou 1,5 trilhão de reais; a elevada sonegação, que alcança 500 bilhões de reais por ano; e os débitos junto ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), que superam 580 bilhões de reais.

É da natureza de todos os Estados de Bem-Estar o aumento de investimento nas políticas e serviços públicos, assim como fizeram os Estados europeus que serviram de inspiração à Constituição nacional. A universalização dos serviços públicos essenciais exige o adequado financiamento do Estado via carga tributária para permitir o aprofundamento do combate à pobreza e às desigualdades, especialmente para as pessoas em situação de maior vulnerabilidade, que são as mulheres e negros/as.

A maior efetividade da carga tributária ocorre com uma maior tributação progressiva, que taxe mais os ricos do que os pobres. Entretanto, o que temos são tributos reduzidos para grandes corporações; e rendas advindas de lucros e dividendos, diferentemente dos salários, não tributadas no Imposto de Renda desde 1996.

Além disso, a regressividade persistente no sistema tributário, onde mais de 50% da carga tributária tem incidência sobre o consumo, onera muito mais as camadas mais pobres e de classe média da população do que as mais ricas, contrariando o princípio constitucional da capacidade contributiva. A insignificante participação da tributação sobre o patrimônio, heranças e a reduzida participação da tributação sobre a renda na carga total, constituem o ambiente propício à acumulação e ao aprofundamento das desigualdades sociais.

Voltando à questão inicial, o que isso tem a ver com as transnacionais e com os paraísos fiscais? Absolutamente tudo. Quando dizem que o Brasil precisa ser mais atrativo aos capitais internacionais, de fato, estão dizendo que o País deve se tornar um lugar ainda melhor para as grandes corporações ganharem dinheiro. Dentre as várias formas para proporcionar ambientes de negócios mais lucrativos, a pressão para reduzir os chamados “custos” sociais, ambientais e fiscais, tem sido tão efetiva que nem mesmo os direitos e garantias firmados na Constituição Federal estão a salvo.

É neste contexto que se estabelece a cumplicidade entre os governos e as transnacionais. Soma-se ainda todo um conjunto de brechas às leis que acaba permitindo que as grandes multinacionais transfiram parte significativa dos lucros realizados no País para os paraísos fiscais, onde estas rendas encontram-se isentas de tributação, ou tributadas com alíquotas muito inferiores. Esse é um cenário bastante perverso para as pequenas e médias empresas – maiores geradoras de emprego no País – que acabam sendo fortemente prejudicadas por uma concorrência muito desleal com os gigantes internacionais.

Mas como isso é possível? Com o processo da globalização econômica, as grandes corporações empresariais pulverizam suas unidades de produção e de negócios por diversos países ao redor mundo, inclusive em paraísos fiscais (mais adequado seria chamá-los de esconderijos fiscais).

Assim, com esta distribuição global das unidades, intensificam-se as transações internacionais por dentro das companhias, tanto de troca de mercadorias como de prestação de serviços. De 1990 a 2012 o crescimento do comércio internacional do Brasil cresceu nove vezes e estima-se que mais de 70% deste volume ocorre entre companhias do mesmo grupo. Paradoxalmente o PIB per capita nesse período cresceu apenas 1,4 vezes.

Como são operações intrafirmas, em sua maioria nada transparentes, os preços praticados são denominados preços de transferência, ou seja, são preços fictícios que não decorrem de atividade comercial normal, mas servem somente para permitir que os lucros produzidos nos países com tributação normal sejam artificialmente reduzidos e os lucros nos paraísos fiscais sejam turbinados.

Ressalta-se que nestes esconderijos fiscais, muitas vezes as empresas não passam de caixas postais, são apenas endereços. Segundo a Tax Justice Network, as Ilhas Virgens Britânicas, importante paraíso fiscal, possuem aproximadamente 480 mil empresas registradas para uma população de aproximadamente 30 mil habitantes.

Assim, fica evidente que as reformas regressivas e desestruturantes que estão em curso no Brasil não são inevitáveis, como querem fazer parecer os discursos governamentais, mas são sim, uma escolha. Trata-se da opção de privilegiar o capital, o mercado e o setor financeiro em detrimento do interesse da maioria da população e do desenvolvimento nacional.

A campanha global* "Multinacionais paguem o justo" alerta que as grandes corporações e os super ricos, ao realizarem a evasão de tributos via artifícios por elos mesmos criados, são também responsáveis pela precarização dos serviços públicos, pelo aprofundamento das desigualdades sociais e pela redução de direitos. A campanha defende a desapropriação do Estado do setor privado para que as necessidades da população seja o eixo orientador das ações estatais.

23/06/2017
https://www.cartacapital.com.br/economia/as-multinacionais-nao-pagam-o-q...
 

https://www.alainet.org/de/node/186379

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