A igualdade de gênero na agenda da justiça fiscal

07/06/2017
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Foto: EBC mujer trabajo
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Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 522: Até quando existirão os paraísos fiscais? 05/06/2017

A América Latina, apesar do crescimento econômico de uma década, da redução da pobreza monetária e da aplicação de políticas redistributivas implementadas por vários governos da região, mantém o penoso estigma de ser a região “mais desigual do mundo”. A Cepal, no documento “A hora da igualdade: brechas por fechar, caminhos por abrir”, destaca que a desigualdade está enraizada na história e se deve a um padrão de desenvolvimento que perpetuou lacunas socioeconômicas com base na origem racial e étnica, no gênero e na classe social (Cepal 2010b).

 

A América Latina, com um coeficiente de Gini médio de 0,51, apresenta um nível de desigualdade substancialmente mais elevado do que outras regiões do mundo. Se fizermos uma comparação com os países europeus e nos concentrarmos na desigualdade de renda — previamente aos impostos diretos e às transferências monetárias—, veremos que é aproximadamente 13% superior à média dos países europeus. Em contraste, a desigualdade aumenta até 60% se o cálculo é realizado após a aplicação dos impostos diretos e das transferências (Lustig, 2011).

 

Com o propósito de reforçar o peso das desigualdades, estamos interessados, particularmente, em chamar a atenção para as desigualdades de gênero como uma questão de caráter estrutural, afetada por considerações políticas, econômicas, culturais, ambientais, naturalizadas pelo sistema patriarcal, reproduzidas pela divisão sexual do trabalho ao perpetuar a subordinação das mulheres, e que precisam ser abordadas a partir das relações de poder existentes em todas essas áreas.

 

A partir da dimensão econômica, podemos indicar algumas evidências dessas desigualdades de gênero na região como:

 

  • Elevada porcentagem de mulheres não têm renda própria: 32% das mulheres não contam com renda própria em relação a 12% dos homens.

 

  • Brecha de gênero na participação no mercado de trabalho: as mulheres têm maiores taxas de desemprego (9,1% das mulheres e 6,3% dos homens), formando mais da metade de todas as pessoas desempregadas na região.

 

  • Brecha nas remunerações entre homens e mulheres por um trabalho com o mesmo valor; essa diferença de remuneração é mantida em 25%, em média, na região.

 

A esses pontos, podemos acrescentar os níveis de precariedade laboral que as mulheres enfrentam, a menor probabilidade que têm de trabalhar como assalariadas em relação aos homens (60,7% e 68,5%, respectivamente); e o fato de uma porcentagem maior encontrar emprego unicamente no serviço doméstico (15,3% contra 0,8% dos homens). Além disso, na grande maioria, o emprego é informal e desprotegido.

 

Mas existe um fator que explica a desigualdade mais profunda entre homens e mulheres, que é o trabalho não remunerado para a reprodução nas famílias e na comunidade. Realizado principalmente por mulheres, por um lado sobrecarrega seu tempo pessoal e por outro fornece às pessoas bem-estar e se transforma em um subsídio para a sociedade e o mercado.

 

A divisão do trabalho por sexos organiza a ordem de gênero nas sociedades, separa o trabalho produtivo do reprodutivo de forma paradigmática e determina o lugar de homens e mulheres na economia. É necessário esclarecer como essas relações perpetuam a subordinação e a exclusão das mulheres, limitando a sua autonomia. Isso também ajuda a compreender a sua influência sobre o funcionamento do sistema econômico.

 

A Cepal, a partir do Consenso de Quito de 2007 até Santo Domingo de 2013, e em outros instrumentos regionais, reiterou a necessidade de evidenciar o valor do trabalho doméstico não remunerado, de adotar medidas e políticas públicas que reconheçam o seu valor social e econômico, definir e estabelecer instrumentos de medição periódica do mesmo, garantir a dotação de recursos públicos para a realização de pesquisas do uso do tempo, que possibilitem o desenho de políticas públicas adequadas e justas. Políticas tributárias para eliminar desigualdades

 

É preciso continuar com a análise e o debate sobre a relação entre desigualdades e medidas de tributação progressiva, enfatizando a sua viabilidade política, onde os estados tenham a capacidade de negociar essas medidas diante de grupos de poder concentrado, resistentes a perder privilégios, opondo-se aos impostos diretos, como, por exemplo, aqueles destinados a onerar a propriedade, imposto sobre herança, etc.

 

Esta “ausência” de medidas resultou no aumento da desigualdade, e põe em alerta o papel da tributação na redistribuição da renda e, consequentemente, em relação à concentração do poder e da riqueza.

 

A tributação não é neutra em relação ao gênero: as políticas fiscais podem atenuar ou reforçar relações assimétricas de gênero, porque as arrecadações financiam políticas necessárias para as mulheres. Uma baixa carga tributária e a falta de mecanismos eficientes para reduzir a evasão e a elisão diminuem as arrecadações e, assim, levam à escassez de recursos públicos.

 

As políticas fiscais na América Latina reforçam a divisão sexual do trabalho e as desigualdades entre mulheres e homens, reforçam os papéis tradicionais de ambos os gêneros, operando como obstáculos ao desenvolvimento e ao reconhecimento do potencial real e da autoria econômica das mulheres.

 

Para relacionar as políticas fiscais com a igualdade de gênero, é necessário ver as suas implicações em dois aspectos:

 

1) Como afetam o acesso e o controle sobre os recursos econômicos de homens e mulheres.

 

2) Como afetam as decisões de homens e mulheres em relação à distribuição do trabalho total produtivo e reprodutivo.

 

Uma política fiscal favorável à igualdade de gênero requer o compromisso explícito dos Estados para:

 

1) Melhorar a distribuição dos recursos econômicos.

 

2) Ampliar o campo de oportunidades econômicas para homens e mulheres.

 

3) Gerar incentivos positivos para a inserção laboral das mulheres, particularmente os ligados às responsabilidades de cuidado.

 

4) Promover a incorporação dos homens às tarefas de cuidado.

 

5) Melhorar as condições para que todas as pessoas possam conciliar vida familiar e trabalho, sem ter que recorrer a empregos de segunda classe.

 

6) Distribuir de forma progressiva o peso do financiamento das políticas públicas. (Cepal, O Estado diante da autonomia das mulheres, pág. 101).

 

A abordagem da perspectiva de igualdade de gênero nas políticas fiscais é uma tarefa urgente, mas pendente; ainda não está nas decisões políticas, nem nas administrações fiscais, nem na maioria dos especialistas.

 

Há avanços, contudo, ao se colocar essas considerações em documentos regionais, como a Consulta regional da América Latina para a CSW61 sobre “Empoderamento econômico das mulheres no mundo do trabalho em mudança”, que consideram que a concepção e a implementação de políticas macroeconômicas são cruciais para o empoderamento econômico das mulheres. Essa perspectiva de caráter estrutural é um grande passo.

 

Por isso, nós, as feministas, fazemos uma chamada às/aos ativistas pela justiça tributária com esta mensagem:

 

  • Não há justiça tributária sem igualdade de gênero.

 

  • A justiça fiscal pelos direitos das mulheres.

 

Unir ambas as agendas é uma tarefa conjunta, assim como insistir que a tributação afeta as nossas vidas, o nosso trabalho e saúde. Incentivar os cidadãos na supervisão das políticas tributárias, para reduzir o lobby dos grupos de poder na isenção dos impostos.

 

Ana Tallada, educadora e socióloga peruana, é uma autora essencial para pensar sobre a evolução do movimento feminista na América Latina. Faz parte do Conselho Diretor de Latindadd.

https://www.alainet.org/de/node/186008?language=en

Mujeres

Publicado en Revista: Até quando existirão os paraísos fiscais?

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