Entrada violenta da polícia na Escola Nacional Florestan Fernandes – Crônica e motivos

07/11/2016
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Como foi?”

 

Às 9:45 de sexta feira, 4 de novembro, a policiais civis de Mogi das Cruzes chegaram na portaria da escola em uma dezena de viaturas. Não possuíam mandado de busca e apreensão, mas queriam entrar. Era realmente assustador, porque estavam fortemente armados e o procedimento não estava dentro das normas jurídicas. Os responsáveis pela portaria queriam ver o mandado. Então eles apresentaram um documento que lhes enviaram pelo WhatsApp, na tela de um celular, sem assinatura de juiz.

 

Como os porteiros exigiam a apresentação de documentos para franquear a entrada, eles tentaram quebrar a porta e, sem êxito, alguns entraram pela força através da janela da portaria. Uma vez dentro da escola, apontaram as armas para estudantes que estavam por perto. (Na hora estavam ocorrendo várias aulas de diferentes cursos, entre eles, a da maestria do Programa de Pós-graduação em Desenvolvimento Territorial na América Latina e Caribe (TerritoriAL, que é um convênio entre a Escola Nacional Florestan Fernandes, a Via Campesina, a UNESCO e a UNESP, no qual também leciono.)

 

O bibliotecário da escola, o professor Ronaldo, um senhor de 64 anos, aposentado, vizinho de Guararema que contribui de maneira voluntária perdeu o equilíbrio (ele sofre de mal de Parkinson) e se apoiou em um dos policiais que estava do lado dele para não cair. Sempre acontece com ele, mas desta vez a preocupação contribuiu, já que os policiais estavam apontando para o parquinho na frente da ciranda infantil, onde filhas e filhos dos estudantes e professores permanecem durante as aulas junto com pedagogos da própria escola. O policial, simplesmente, derrubou ele no chão e algemou. Uma das musicistas que estava na palestra sobre música popular que estava ocorrendo, com o músico mineiro Lirinha, foi explicar para os policiais que o professor Ronaldo tinha problemas de motricidade. Também foi reduzida e algemada. Para afastar as pessoas que foram socorrer o aposentado no chão, os policiais atiraram com balas de chumbo, e os estilhaços provocados por elas atingiram uma das mulheres presentes. Ronaldo acabou com costelas quebradas pela violência com que foi derrubado no chão.

 

Por uma das entradas alternativas da escola, que estava com cadeado, um policial dizia para uma das auxiliares pedagógicas: “alguém vai sair morto daqui” (isto foi filmado e circula nas redes sociais), configurando uma clara ameaça. Assistindo os vídeos das câmaras de segurança da escola e os tirados com celular podemos observar que a ação dos policiais, além de não seguir os procedimentos legais de apresentação do mandado devidamente assinado, foi bem atrapalhada. Por fim, a pessoa que eles procuravam, não acharam e nem sequer era conhecida pelos responsáveis da escola.

 

Simultaneamente, em Sidrolândia, no estado de Mato Grosso do Sul, três viaturas policiais, com placas do Paraná, entraram no Centro de Pesquisa e Capacitação Geraldo Garcia (CEPEGE). Também sem mandado de busca e apreensão, procuravam uma pessoa do estado de Paraná que não acharam na escola.

 

Por quê?”

 

Depois transcendeu que, tanto em Sindrolândia como em Guararema, as ações da polícia estavam dentro da “Operação Castra” (“latifúndio”, em latim), que consistia em prender 14 lideranças de acampamentos Dom Tomás Balduíno e Herdeiros da Luta pela Terra, da região central de Paraná. As acusações vão desde “roubo de gado” e “cárcere privado” até “associação criminosa”. Esses acampamentos reúnem 3 mil famílias do estado e a terra está em processo para destiná-la à reforma agrária. Era uma área enorme que tinha sido indevidamente explorada pela empresa Araupel, uma madeireira que planta pinus para fazer pasta de celulose, um dos principais commodities produzidos no estado, devido à riqueza aquífera da região. Mesmo já sem posse efetiva da terra, a empresa vem retirando madeira da área. Funcionam ali escolas itinerantes com uma infraestrutura em madeira, que atendem todas as crianças e adolescentes acampados e as famílias já produzem alimentos para atender as necessidades da população. Mesmo assim, sofrem sistemáticos incêndios criminosos. E, no dia 7 de abril deste ano, um grupo de vinte acampados do acampamento Dom Tomás Balduíno foi encurralado na área por policiais militares junto com seguranças da empresa Araupel, que dispararam 120 tiros, segundo o laudo posterior, e mataram os camponeses Vilmar Bordim e Leomar Orback. Detalhe, em 1997, seguranças da mesma empresa mataram dois camponeses também.

 

Observamos que o ingresso truculento em duas escolas destinadas à qualificação de camponeses visa não apenas criminalizar a luta pela reforma agrária, mas a luta pela educação, tentando apresentar os locais de formação como “refúgio de criminais” e a própria educação do campo como “perigosa para a sociedade”. Só a Escola Nacional Florestan Fernandes oferece 70 cursos de graduação e pós-graduação conveniados com universidades públicas. Absolutamente todos esses cursos desenvolvem produção científica sobre a questão agrária e tecnologia agrícola de maneira mais eficiente, já que envolvem estudantes e pesquisadores enraizados nas áreas de produção agrícola. A ENFF é referência no mundo em ensino, pesquisa e extensão.

 

Desconfio que as ações ineficientes, do ponto de vista do objetivo propalado, visavam outro fim não explicitado: dar a entender que as escolas com finalidade formativa escondem “bandidos”. Isto acontece num contexto de tentativas de contrarreforma da educação pública, projetos de emenda constitucional que retiram recursos públicos para a educação, uma campanha contra a gratuidade do ensino superior público, as tentativas de fazer da pesquisa das instituições públicas um balcão de venda de serviços de inovação baratos para as empresas e projetos de lei como o da “Escola sem partido”, que visa a perseguição ideológica de educadores.

 

De fato, os ataques à educação pública abrem um grande campo de negócios para a “privatização fatiada” do ensino público. A contrarreforma do ensino médio também visa a formação de força de trabalho flexível, isto é, precarizada. Mas todo esse complexo de propostas também pretende reduzir a resistência crítica a um projeto de nação desnacionalizada, que atenda apenas as demandas do polo externo da economia, que vê nosso território como um espaço de produção de commodities e reserva de força de trabalho barata, mesmo quando qualificada.

 

Por esse motivo, não deixam de chegar pronunciamentos de solidariedade com a ENFF de organizações de trabalhadores de todo o mundo assim como de educadores que entendem que é preciso sustentar com o corpo os valores civilizatórios que respaldam a ciência que ensinam.

 

- Silvia Beatriz Adoue é Doutora em Literatura Hispano-americana pela FFLCSH – USP; professora da UNESP – Campus Araraquara (SP) e da Escola Nacional Florestan Fernandes.

 

https://espacoacademico.wordpress.com/2016/11/07/entrada-violenta-da-policia-na-escola-nacional-florestan-fernandes-cronica-e-motivos/

https://www.alainet.org/de/node/181489?language=en
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