Nova Constituição expressa aspiração dos movimentos sociais

01/09/2008
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Para a economista Magdalena León, diferentemente da Constituição de 1998, que “protegia, antes de tudo, o capital”, o novo texto “coloca o povo e a vida em todas as suas expressões como razão de ser do Estado, da sociedade e da economia”

A menos de um mês do referendo que irá aprovar a nova Constituição do país, dia 28 de setembro, o apoio ao presidente do Equador, Rafael Correa, vem crescendo. De acordo com pesquisa divulgada no final de agosto, o eleitorado a favor da aprovação da nova Carta Magna é de 44%. Recentemente, mais de 100 entidades lançaram um manifesto em apoio ao “sim” na consulta popular. O documento enfatiza que grupos de poder econômico e seus representantes políticos querem voltar a dirigir o país por meio do "não".

A nova Constituição é parte da proposta de campanha de Correa, que defende a aprovação do documento como a "última oportunidade para uma mudança pacífica" no país. Para que a nova Carta seja ratificada, o "sim" precisa ter mais de 50 por cento dos votos. Os brancos e nulos serão contados como "não". Mais de nove milhões de equatorianos estão convocados às urnas no referendo constitucional de 28 de setembro.

Em entrevista ao Brasil de Fato, Magdalena León, integrante da Rede Latino-americana de Mulheres Transformando a Economia (Remte), acredita que a nova Constituição “expressa uma aspiração de longa data dos movimentos sociais, especialmente do movimento indígena, que desde a década de 90 propõe a 'refundação' do Estado com uma constituição que a impulsione”. De acordo com ela, diferentemente da Constituição de 1998, que “protegia, antes de tudo, o capital”, o novo texto “coloca o povo e a vida em todas as suas expressões como razão de ser do Estado, da sociedade e da economia”.

Brasil de Fato -No que esta Constituição difere da Constituição de 1998?


Magdalena León- As diferenças são de fundo. No texto de 1998, predominava uma visão neoliberal, que define o sistema econômico como “economia social de mercado”, com a minimização do público, e a consagração da hegemonia do mercado e do interesse privado. Ela protege, antes de tudo, o capital. E, em 1998, o texto constitucional não foi submetido a referendo. Já a Constituição de 2008 coloca o povo e a vida em todas as suas expressões como razão de ser do Estado, da sociedade e da economia. Também caracteriza o sistema econômico como 'social e solidário', e o situa como parte integrante de um regime de desenvolvimento que compreende aspectos sociais e culturais. Ela afirma e amplia a soberania e os direitos humanos. Define o Estado como democrático de direitos e plurinacional, e integra avanços qualitativos em igualdade e diversidades. Recupera o público, com eixo na planificação participativa e na definição de setores estratégicos do Estado.

- Como foi a participação dos movimentos sociais no processo de elaboração do projeto?

Este processo constituinte expressa uma aspiração de longa data dos movimentos sociais, especialmente do movimento indígena, que desde a década de 90 propõe a 'refundação' do Estado com uma constituição que a impulsione. Nesta conjuntura, a participação dos movimentos teve várias vias: a proposta de textos constitucionais completos – tais os casos da CONAIE e o Movimento de Mulheres – ou de propostas temáticas e setoriais; o diálogo com a Assembléia – que recebeu mais de 1.500 delegações. Além disso, entre as/os assembleístas eleitos, havia dirigentes ou representantes de organizações camponesas, indígenas, mulheres, sindicais, de jovens, de moradores urbanos, de migrantes. Na fase prévia ao referendo, os movimentos sociais têm assumido uma intensiva tarefa de difusão e debate sobre o texto proposto.

- Quais foram os avanços conquistados com a elaboração da nova Constituição?

Os avanços vão além das propostas encaminhadas pelos movimentos, que nem sempre se basearam em uma visão ampla do país, o expressa uma inércia 'setorial' e reivindicativa da cultura política. Em primeiro termo, o conceito de 'bem viver' e o da unidade, que supõe uma redefinição de alcance civilizatório, que integra uma série de propostas e aspirações. Incorporou-se a soberania alimentar como objetivo estratégico do Estado, o direito à água e sua não-privatização, a propriedade e controle público dos setores estratégicos. Enuncia-se um 'regime do bem viver' que inclui saúde e educação universais e gratuitas (gratuidade até o nível universitário), entre outros aspectos. Os direitos coletivos e os direitos humanos em geral têm se enriquecido.

- Em sua opinião, quais são os pontos mais importantes do texto?

A adoção do paradigma do 'bem viver', que se origina na cosmovisão e prática dos povos indígenas, e que tem pontos coincidentes com as visões feminista e da ecologia. Esta concepção deixa para trás as noções de progresso, crescimento e desenvolvimento que chegaram já a seu esgotamento sem trazer mudanças, servindo bem mais de amparo à exploração e à depredação. A ênfase nos princípios de igualdade e diversidade. A confirmação e ampliação de soberanias: nacional, alimentar, energética, financeira. A adoção de novos direitos e ampliação de outros: direitos da natureza, a água, direitos reprodutivos, diversidade de famílias. O reconhecimento das diversidade econômica e a busca de sua democratização: se tem redefinido com essa ótica o modelo econômico, o trabalho, a produção, o sistema financeiro, a propriedade. Tornam-se visíveis a reprodução e a economia do cuidado.

- Quais são os aspectos da nova Carta Magna que a comunidade indígena avalia como positivos?


Para os povos indígenas é fundamental o reconhecimento da plurinacionalidade e a interculturalidade, a ampliação dos direitos coletivos, o reconhecimento de direitos da natureza (é a primeira Constituição no mundo que o faz). O reconhecimento do quechua e outras línguas ancestrais como idiomas de relação intercultural, assim como de seus próprios sistemas de justiça indígena, de educação e de saúde. A proteção de seus territórios e saberes.

- Qual é a importância do príncipio incluso na Constituição que prevê que o Equador é “território de paz e que não permitirá o estabelecimento de bases militares estrangeiras, nem de instalações militares com propósitos militares”(art.5)?

Esta é uma aspiração histórica que ganhou força frente à imposição da Base de Manta- uma das conseqüências da instalação da base foi a invasão militar que o país sofreu da Colômbia, em março último. A militarização tem estado ligada ao neoliberalismo na fase de globalização neoliberal, e agora opera na América Latina como ameaça frente aos processos de mudança e de integração alternativa e soberana que se impulsionam. Esta declaração abre uma etapa nova e distinta, com outra perspectiva geopolítica e humana.

- Quais são os aspectos do texto constitucional que você acredita que são falhos ou incompletos?

Eles estão ligados principalmente aos temas tidos como 'polêmicos' pela oposição e que fazem parte dos temores culturais: a propriedade e o 'direito à vida'. Está em curso uma campanha do perfil 'anticomunista', que temos visto em outros países e em outras épocas (assustando ao povo com falsas expropiações de seus poucos bens, ou com imagens terroristas sobre o aborto), e na qual a hierarquia da igreja católica tem tomado a liderança. A isso, combina-se uma ofensiva midiática com a pressão política direta, sobre a Assembléia e sobre o governo.

Na versão final tiveram que ser anuladas as definições ou implicações das funções social e ambiental e se voltou a colocar o reconhecimento constitucional à 'propriedade intelectual' – ainda que com exceções –. Em relação ao 'direito à vida' se tem tido que manter o termo 'da concepção', termo que já foi utilizado em 2007 em uma tentativa de eliminar o aborto terapêutico que é reconhecido no país há 40 anos.

Fonte: Brasil de Fato

http://www.brasildefato.com.br


https://www.alainet.org/de/node/129486
America Latina en Movimiento - RSS abonnieren