O blocão é a cara do nosso sistema político
18/03/2014
- Opinión
A crise entre o governo federal e parte de sua base aliada no Congresso Nacional, organizada em torno do autodenominado “blocão”, traduz os limites do sistema político em nosso país. Denúncias, investigações, aprovação ou rejeição de projetos de lei são apenas a moeda de troca por cargos e postos administrativos. Mais um episódio para reforçar no imaginário nacional a frase do escritor Mark Twain: “Temos o melhor Congresso que o dinheiro pode comprar”.
Uma armadilha que foi sendo naturalizada. Afinal, todos os presidentes em nossa história republicana que perderam a maioria parlamentar caíram ou perderam qualquer capacidade de governar. Ser viável, assegurar capacidade de governar é sinônimo de ceder ao fisiologismo. Não seria esse o preço de um sistema democrático? Repetem os analistas burgueses.
Um sistema político em que o preço da governabilidade é alimentar o fisiologismo revela a impossibilidade de qualquer avanço social. Alguém duvida que as poderosas bancadas dos grupos econômicos sairão ainda mais fortalecidas nas próximas eleições?
Estamos, então, num beco sem saída? Entre os governos eleitos em nosso continente a partir dos anos de 1990, num claro repúdio à ofensiva neoliberal que destruiu as bases desenvolvimentistas dos nossos países, somente na Venezuela, no Equador e na Bolívia foram convocadas assembleias constituintes que enfrentaram a blindagem dos sistemas políticos. Nos demais, seja pela ausência de correlação de forças, seja pela falta de vontade política, ou mesmo de ambas, os governantes que expressavam a luta com o neoliberalismo conviveram com as travas de um ordenamento que impossibilita qualquer mudança social. Sobrevivem, rebaixando seus programas a constante negociação com os verdadeiros donos do poder.
É certo que os governos do PT, especialmente o de Lula que contava com todas as condições, não se empenharam em organizar o povo. E, nisso reside seu maior erro. Porém, herdeiros de um sistema político moldado durante a ditadura e eleitos num quadro de descenso da luta de massas enfrentaram os limites de um sistema político que impossibilita qualquer transformação social.
Como nos alertou Florestan Fernandes, em maio de 1986, quando aprovaram a convocação de uma Assembleia Constituinte, que cumpriria simultaneamente a função de Congresso Nacional e, consequentemente, não sendo exclusiva não poderia jamais ser soberana: “Os de cima tocam o carro de acordo com sua veneta, interesses e conveniências. Não existe democracia, porém palavrório democratizante. Os de cima não podem oferecer aos de baixo aquilo que eles sequer logram dividir entre si. A regra é a de que podem mais choram menos (ou mamam mais). Não foi sob a ditadura, mas sob a “Nova República” que tivemos a mais clara definição política das improbabilidades da democracia”.
Estamos diante de um limite que se não for transposto poderá nos causar uma profunda derrota política. Para além de qualquer resultado nas eleições deste ano. Isto é o que caracteriza uma crise de destino.
Mudar o sistema político é uma prioridade da luta popular. Independente das divergências programáticas legitimamente existentes nas forças de esquerda, nenhuma organização que proponha transformações pode se recusar a construir uma frente política para enfrentar nosso sistema político.
Um sistema político absurdo, retratado na imagem abjeta dos sorridentes parlamentares fisiológicos do “blocão”. Cujo repúdio estava presente nos milhares de pequenos cartazes empunhados pela juventude que saiu às ruas em junho, constatado em inúmeras pesquisas de opinião. Insatisfação que é manipulada pelas forças mais conservadoras.
Uma luta desta dimensão exige a unidade. O caminho para mudar o sistema político é a convocação de uma assembleia nacional, exclusiva e soberana.
Alguns temem a ousadia desta proposta. Afinal, ao longo da ofensiva neoliberal e no longo período de descenso da luta de massas, a proposta de “mudar a Constituição” esteve não mãos da direita, interessada em banir as conquistas sociais. Porém, a situação mudou. E o pavor dos de “cima” com a proposta de uma constituinte é a maior prova. As classes dominantes podem gerar confusão, jogarão suas imensas energias numa disputa dessa importância, mas sabem que têm muito mais a perder do que a ganhar. A ampliação da democracia é o sentimento crescente que as apavora e as leva a rejeitar qualquer tímida mudança. Basta recordar como cerraram fileiras quando a presidenta Dilma apresentou a proposta. Construir o Plebiscito Popular da Constituinte, como a principal ferramenta pedagógica para organizar e despertar a consciência desta bandeira política não é uma tarefa a mais na luta popular. É nosso enfrentamento na verdadeira crise de destino que atravessamos.
Editorial da edição 577 do Brasil de Fato
18/03/2014
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