Integração é chave contra problemas energéticos no Mercosul, diz ex-diretor de Itaipu

01/06/2013
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Segundo Gustavo Codas, um dos maiores empecilhos permanece sendo a "geopolítica da desconfiança" na região
 
A 15 quilômetros da Ponte da Amizade, que liga as cidades de Foz do Iguaçu e Ciudad del Este, está a usina de Itaipu, construção emblemática na história das relações entre Brasil e Paraguai. Construída entre 1975 e 1982, quando os dois países estavam sob ditaduras militares, é atualmente a maior usina geradora de energia do mundo.
 
Localizada no rio Paraná, Itaipu é uma das Sete Maravilhas do Mundo e integra parte dos roteiros turísticos de quem vai à região – em 2012, mais de 900 mil pessoas visitaram a usina. Dentro da binacional, uma das atrações é o fluxo que sai dos vertedouros: três calhas escoam o excesso que chega ao reservatório durante o período de chuvas. O espetáculo impressiona, mas a água é energia que não está sendo produzida. "Seu valor é apenas turístico", afirma em entrevista exclusiva a Opera Mundi Gustavo Codas, ex-diretor do lado paraguaio.
 
Segundo ele, existe desperdício de energia. Uma das soluções para os problemas energéticos da região seria criar um sistema de troca entre Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai, Chile, Bolívia e Peru usando, entre outros artifícios, o excedente da usina. Ao defender uma eventual integração nessa área, Codas afirma que isso beneficiaria  todos os países, tanto na questão energética quanto econômica. No entanto, aponta como um dos maiores empecilhos a "geopolítica da desconfiança" que ainda existe na região.
 
Codas acompanhou os dez meses de negociação entre Brasil e Paraguai durante os governos de Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Lugo, no âmbito da revisão do Tratado de Itaipu, firmada em 25 de julho de 2009. O acordo determinou que o lado brasileiro passasse a pagar ao sócio 360 milhões de dólares, frente os 120 milhões que já eram pagos pela energia consumida, reajustando de 5,1 para 15,3 o fator de multiplicação aplicado aos valores dos pagamentos por cessão de energia. O Paraguai utiliza apenas 5% da energia produzida, vendendo o excedente ao Brasil.
 
Opera Mundi: Qual é o principal problema energético do Paraguai hoje?
 
Gustavo Codas: O Paraguai vive um paradoxo. Tem abundante energia de origem hidroelétrica, porque tem duas hidroelétricas binacionais e uma do Paraguai, a Acaray. No entanto, não tem infraestrutura para um aproveitamento integral dessa energia. Ao contrário disso, gasta muito combustível importado de origem fóssil, sobretudo diesel. Setenta porcento da frota de carros no Paraguai – inclusive, carros de uso pessoal – são movidos a diesel importado. Então, há um desencontro na matriz energética entre o que se produz e o que se consume. E, no meio desse desencontro, está a falta de infraestrutura para utilizar a energia que se tem e está a falta de vontade política, que houve em governos passados, de desenvolver energias localmente.
 
Parte da energia hoje importada poderia ser substituída por agrocombustíveis. Existe um diesel de base agrícola, produzido no Paraguai, que é de excelente qualidade. Mas o problema está em vias de solução.
 
Há um investimento grande feito a partir do acordo de Lugo com Lula para a construção de uma linha em 500 kb, em alta tensão, entre Itaipu e Villa Hayes, que vai permitir resolver os gargalos atuais, como os apagões, que acontecem sobretudo no período do verão, pela falta de transmissão da energia paraguaia de Itaipu e de Yaciretá.
 
OM: O governo Lugo investiu para procurar opções que não fossem importadas, como a agroenergia?
 
GC: O principal foi a construção da linha de Itaipu próximo a Assunção, em Villa Hayes, porque, do ponto de vista da principal demanda hoje para a continuidade do crescimento de administração de energia elétrica, esta é, talvez, a prioridade número um.
 
Tinha uma política de agrocombustível, mas faltou uma estratégia mais decidida para a substituição. Há uma série de problemas a resolver porque tem questões de qualidade, de características do biodiesel, mas tudo isso poderia ter sido enfrentado com uma política pública mais ousada, mais afirmativa. Eu creio que, num futuro próximo, isso deve avançar por necessidade do mercado – com o preço que está o combustível importado, com o problema da necessidade no país de poupar divisas, substituir importações etc. Mas até hoje não houve uma política forte, agressiva, em matéria de substituição dos combustíveis de origem do petróleo no Paraguai.
 
OM: O senhor considera que o acordo feito com o Brasil em 2009 foi satisfatório?
 
GC Sim. A questão é que vários pontos precisavam de uma sequência de tratamento e de novas negociações. A prioridade número um dos dois governos foi conseguir viabilizar a linha de transmissão, o que se fez e é um dos êxitos. Ela começou no segundo semestre de 2010 e, em três anos, estará pronta uma obra que, normalmente, duraria, entre a contratação e a finalização, cinco ou seis anos. Mas tem outras questões referentes ao funcionamento do mercado de energia, a venda para terceiros países, obras faltantes. Uma vez que se tivesse resolvido o tema da linha de transmissão, íamos retomar as negociações. Mas isso foi interrompido pelo golpe de 22 de junho de 2012.
 
OM: Como a questão energética pode ser entendida no contexto regional?
 
GC: Há dois pontos. A posição do Brasil no acordo de 25 de julho é que, a partir do momento em que a dívida de Itaipu esteja paga, se possa propor a venda de energia de Itaipu para outros países. Isso foi um avanço porque a interpretação anterior do Tratado de Itaipu era de que a energia só poderia ir ao Paraguai ou ao Brasil – ou seja, outros não podem negociar, mesmo desperdiçando energia. Porém, no mesmo acordo, se fala em colocar a energia de Itaipu no contexto da integração regional. E aí tem um grande desafio, que o é de melhorar a eficiência do sistema elétrico da região, interconectando o sistema elétrico de Brasil, Paraguai, Argentina, Uruguai e talvez Chile, talvez Bolívia, talvez Peru, dependendo do desenho que se faça. E essa parte, por exemplo, avançou muito pouco.
 
E há um outro tema que o Paraguai colocou. Atualmente, muita energia é desperdiçada em Itaipu, porque se trata de uma hidroelétrica, cuja característica é não acumular água. A água que chega ou é turbinada e transformada em energia elétrica ou é jogada pelo vertedouro. E isso tem um valor turístico. Mas a água que cai é energia que não foi produzida. Então, o Paraguai chegou a propor um plano para essa energia, que pode ser interessante para alguns países da região que estejam precisando dela e que a comprariam. Por consequência, seria melhor para Itaipu, para o Paraguai e para o Brasil.
 
OM: Quais os principais empecilhos para viabilizar esse plano?
 
GC: Um tema pendente é a renegociação do acordo tripartite – Brasil, Argentina e Paraguai – de 1979. Ele estabelece a forma com que se administra o rio Paraná e os níveis aos quais a água pode ser movida para baixo de Itaipu, considerando que isso afeta a produção de energia em Yaciretá e afetaria a usina Corpus, quando for construída. A proposta, tanto brasileira quanto paraguaia, é rediscutir isso.
 
Primeiro: Itaipu hoje tem 20 turbinas, mas usa só 18. Existe a possibilidade, sem prejuízo, de remanejar o cronograma de manutenção das turbinas, podendo produzir mais energia operando com o total. Evidentemente, esse excedente de energia pode, inclusive, ser destinado, através do sistema elétrico paraguaio ou brasileiro, para Argentina ou Uruguai. Logo, nessa discussão, poderia entrar o tema da integração regional energética, que é de interesse econômico e energético de todos os países.
 
OM: Qual é a probabilidade de uma solução integrada entre Brasil, Paraguai e os países do Mercosul?
 
GC: Se você perguntar a um técnico o que seria o melhor para todos os países, ele dirá que um sistema integrado de energia. E, em nível elétrico, um sistema interligado que permita um despacho de energia relativamente centralizado, de forma que se aproveitem os fusos horários diferentes que há na região e os regimes diferenciados de água entre o norte e o sul. Porque, quando falta água e energia no sul, sobra no norte, e vice-versa.
 
Então, é conveniente econômica e energeticamente para todos os países da região. O problema é político. Nessa trama, estão a questão da segurança energética, de que o país saiba que vai dispor da energia de acordo com suas necessidades, e a desconfiança de que o acordado pode não ser espeitado.
 
Quer dizer: eu estou te enviando energia agora e depois você vai me enviar. Mas, do ponto de vista técnico, não há dúvidas de que é o melhor para todos os países. Todos eles poupariam dinheiro, inclusive o Brasil.
 
OM: Já existiu essa possibilidade de integração entre os governos quando Lugo estava na presidência?
 
GC: O acordo de 25 de julho menciona a energia de Itaipu no marco da integração. Paralelamente a esse acordo, toda a região está discutindo o tratado energético da Unasul. Eu não saberia dizer em que momento está hoje. Mas é justamente tentar transformar a América do Sul em uma área energética interligada. Além disso, tem alguns organismos regionais da área de energia que têm feito simulações buscando estabelecer a conveniência ou não da integração. Então, tem a base técnica, tem estudos, tem propostas, mas falta sobretudo grandes países da região, como Argentina e Brasil, terem a decisão política de implementar. O Paraguai é plenamente favorável porque, primeiro, é o único país que, provavelmente, nos próximos 20 ou 25 anos, vai ter excedente de energia hidrelétrica para vender na região. Então, qualquer processo de integração melhoraria as condições comerciais de venda dessa energia.
 
OM: O fato de o presidente Horácio Cartes estar fora do eixo progressista pode atrapalhar uma discussão sobre integração?
 
GC: Não necessariamente. A tendência conservadora do Cartes não deveria obstruir a visão sobre a conveniência econômica e política, além do papel que o Paraguai jogaria em um cenário desse. Porque o Paraguai seria figura-chave desse processo. É quem tem excedentes, que é o que vai ser administrado.
 
OM: E no governo Franco, como isso foi pensado?
 
GC: O problema do governo Franco é que, como o Paraguai ficou suspenso do Mercosul e não teve embaixador brasileiro em seu território, as relações ficaram puramente administrativas em Itaipu. E todas essas questões têm que ser negociadas em nível diplomático. Além disso, Franco optou por outra via, ameaçando que o Paraguai utilizaria toda a energia de Itaipu. O que é uma palhaçada porque, primeiro, para isso, teria que ter infraestrutura. E, segundo, consumo. Mas estava dentro do jogo de um nacionalismo de gogó, sem conteúdo, porque, enquanto proclamava que o Paraguai é um país soberano, estava pactuando com multinacionais o tema das sementes transgênicas, fazendo concessões a uma série de interesses econômicos estrangeiros sem nenhum problema. Nacionalista é o que Franco não é.
 
 
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