​CUT Colômbia arranca ganho real no salário mínimo e controle de preços dos serviços

O acordo assinado com empresários e governo determina ainda a valorização das aposentadorias e a instalação de uma comissão para pôr fim às reformas trabalhista e previdenciária.

13/01/2022
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À frente do Comitê Nacional de Paralisação, que liderou a revolta de 2019 e os protestos de 2021 contra o desgoverno de Iván Duque, o presidente da Central Unitária dos Trabalhadores (CUT), Francisco Maltés comemora o recente acordo firmado com empresários e governo para o aumento real do salário mínimo, a valorização das aposentadorias, o monitoramento dos preços dos serviços essenciais e a instalação de uma comissão para pôr fim às reformas trabalhista e previdenciária expedidas por decreto em meio à pandemia.

Francisco Maltés faz, nesta entrevista exclusiva, uma análise do papel chave do sindicalismo e dos movimentos sociais nas mobilizações. Além disso, aborda a perspectiva de ruptura do modelo do Consenso de Washington a partir da eleição de Gustavo Petro, candidato à presidência pelo Pacto Histórico, no próximo dia 29 de maio. Destaca pontos essenciais do programa de Petro, como o tema do anti-imperialismo, a defesa da soberania alimentar e energética, e a questão da geração de empregos. De forma enfática, o sindicalista denuncia a transformação do país num “escritório de importação” e por isso defende a ruptura com o neoliberalismo. A Colômbia tem atualmente mais de 40% da população mergulhada na pobreza, agravada com a pandemia. Apresenta os piores indicadores sociais da sua história.

 

A CUT conquistou recentemente um acordo para o salário mínimo, em meio às tentativas dos partidos do governo de Iván Duque de aprovar, durante as festas do final de ano, um projeto de lei que cortava direitos dos trabalhadores. Qual a perspectiva para 2022?

 

Como ficaram no ano passado as coisas? Em julho nós apresentamos dez projetos de lei dos pontos em que o presidente Duque não quis negociar com o Comitê Nacional de Paralisação (CNP). Isso nunca havia ocorrido na Colômbia: um movimento social transformar suas petições em projeto de lei. E o fizemos com o apoio das bancadas da Coalizão da Esperança e do Pacto Histórico, que sempre acompanharam o levante social, com ênfase nos de 2019 e 2021, os maiores até o momento contra as políticas econômicas e sociais regressivas do governo.

 

A Coalizão da Esperança é uma articulação de centro em que estão companheiros do Movimento Operário Independente e Revolucionário (MOIR), de tendência pró-China, com setores social-democratas bastante centristas, e a coalizão do Pacto Histórico, de centro-esquerda. Com o seu aval apresentamos os projetos de lei.

 

E o partido do governo e sua coalizão, ao término da sessão do Congresso, conforme os interesses de Duque, fundiram quatro destes dez projetos. A agenda deles é um projeto de lei que se chama Contrato de Aprendizagem Estendida por meio do qual pretendem fazer com que todos os jovens que saiam das universidades, dos institutos técnicos e da escola secundária não tenham contrato de trabalho, mas de aprendizagem. Assim, se os jovens não têm contrato de trabalho, não têm mais relação laboral.

 

Uma relação precarizada.

 

Uma relação precarizada na qual o patrão paga unicamente “riscos laborais”. Não paga pela saúde, nem aposentadoria, nem prestações sociais [como verbas rescisórias ou adicionais por tempo de serviço], nada, nada mesmo. Somente os “riscos laborais” que pagam equivalem a meros 0,04% de salário. Este é um mecanismo para que quando a gente adoece ou tenha um acidente receba um atendimento de saúde especializado.

 

E por que é 0,04% do salário?

 

Este percentual é tão baixo porque depende do tipo de trabalho. Estes jovens que estamos falando, na prática seriam empregados em escritório onde os riscos são mínimos. E, evidentemente, maximizando os lucros.

 

Este projeto foi aprovado em um dos quatro debates. Fizemos muito barulho e conseguimos que não passasse para a Câmara Alta [Senado]. Ali ficou parado. Mas não resta dúvida que isso faz parte da agenda do governo e dos empresários: seguir precarizando o trabalho.

 

Vale dizer que, apesar de tudo isso, a Associação Nacional de Empresários de Colômbia (Andi) continua propondo uma nova reforma trabalhista e previdenciária. E que até desejava fazê-la antes das eleições, mas já não consegue.

 

Em meados de dezembro passado nós chegamos a um acordo com o governo e os empresários para um reajuste do salário mínimo em 10,17%.

 

Há cinco pontos chaves nesta batalha: o primeiro, o próprio salário. O segundo é que na Colômbia as aposentadorias recebem apenas o reajuste do Índice de Preços ao Consumidor Causal (IPC) do ano anterior. Acordamos que será apresentado um projeto para que recebam o mesmo índice do salário mínimo, o que neste caso seria o dobro, pois a inflação foi 5,62%. E um outro projeto de lei para reduzir os aportes dos aposentados à Saúde dos atuais 10% para 4%. O terceiro ponto é uma comissão para construir um projeto de normas - que pode ser um decreto - para revogar o decreto 1174, expedido por Duque no meio da pandemia, e é uma reforma trabalhista e previdenciária pela porta dos fundos. Este decreto tem duas demandas e uma solicitação de urgência na Organização Internacional de Trabalho (OIT). Acordamos numa comissão com o governo e os empresários que se atualize aos padrões da OIT, a recomendação 206 - sobre a eliminação da violência e do assédio no mundo do trabalho. O quarto ponto é que os preços de alguns serviços serão reajustados de acordo com a inflação, como as multas de trânsito e as despesas nos cartórios, e não mais conforme o salário mínimo [com ganho real]. Com isso colocaríamos freio em alguma medida à inflação. E o quinto ponto diz respeito a manter o poder aquisitivo da sociedade.

 

Na Colômbia, temos o que se chamam “bens regulados”, cujos preços estão regulamentados por Comissões nas quais o governo tem forte presença, como a energia elétrica, a água potável, o gás, a gasolina e o transporte público. Ficou acertado que membros da Comissão de Concertação se reúnam a cada dois meses para monitorar os preços, para que não subam mais do que a inflação como ocorreu no ano passado.

 

Desde a nossa perspectiva este acordo serve para os cerca de cinco milhões de trabalhadores que ganham um salário mínimo; para os cerca de três milhões de aposentados, e para toda a sociedade, beneficiada com o controle de preços. Por isso fizemos o acordo.

 

Um ganho resultado direto da mobilização.

 

Esta é a nossa leitura. Temos dito que foi uma chicotada do levante social porque as tentativas que tivemos no passado foram banhadas a sangue e enterradas a ferro e fogo, como aconteceu com a greve cívica nacional de 1977. Naquela época, era fundamentalmente o movimento sindical que levantava a ação. Além disso, não há dúvida de que nestes 30 anos a tônica esteve no cumprimento do mandato neoliberal do Consenso de Washington. Mas na situação atual conseguimos falar de renda básica. Nunca, apesar da profunda desigualdade no país, essa questão foi discutida.

 

Estamos há poucos meses das eleições parlamentares e presidenciais. Qual a sua avaliação do processo?

 

Nós no Comitê Nacional de Paralisação, que tem uma composição muito plural, convocaremos os colombianos a votarem pela Coalizão da Esperança ou pelo Pacto Histórico. Convidaremos os colombianos para que votem nas coalizões que sempre apoiaram o levante social.

 

Temos eleições parlamentares no dia 13 de março e o primeiro turno presidencial no dia 29 de maio. Caso houver segundo turno, será em 19 de junho.

 

 

“Na Colômbia temos 15 milhões de jovens com menos de 28 anos. Metade deles nem estuda nem trabalha”

 

 

Acreditamos que esta é uma grande oportunidade para que os setores alternativos se tornem governo. O que estamos fazendo para que isso se concretize? Durante todo o ano passado nos aproximamos com esses jovens de “primeira linha”, que estiveram à frente das mobilizações, para que participem da política partidária. E muitos coletivos dessa juventude têm se somado, habilitando-se para votar, que é um pré-requisito importante.

 

A Colômbia tem cerca de 50 milhões de habitantes, 15 milhões jovens com menos de 28 anos. Há cerca de 7,5 milhões de jovens que chamamos de “nini”, que não estudam nem trabalham. Não estudam nem trabalham porque não há opções de emprego decente, ou porque não há opções universitárias, ou porque, embora possam ir para a universidade, não têm meios de transporte. O desemprego juvenil é de 23% e nesta faixa etária entre as mulheres é de 25%. Foram esses jovens que tomaram as ruas em massa na chamada primeira linha.

 

Como está a solidariedade internacional?

 

Em 2021 estivemos percorrendo a Europa e acertamos com várias entidades sindicais para que nos ajudem, a fim de que os colombianos no exterior tirem o título e estejam aptos a votar. [O Departamento Administrativo Nacional de Estatística estima haver cerca de 3,3 milhões de colombianos no exterior, principalmente nos Estados Unidos, Espanha, Chile e Canadá, um importante contingente de intelectuais e profissionais qualificados, na chamada “fuga de cérebros”].

 

Na Espanha, acordamos com as Comissões Operárias e a União Geral de Trabalhadores (UGT). Naquele país, esta semana ocorreram atos com Gustavo Petro [ex-integrante da extinta guerrilha M-19 e atual senador da República pelo período 2018- 2022, fundador do movimento político Colômbia Humana e candidato à presidência pelo Pacto Histórico] em Barcelona e em Madri, organizados pelas entidades sindicais, para que a juventude se habilite a votar. A ideia é traduzir a ação social em ação política. A isso estamos dedicados nesta conjuntura.

 

Temos a eleição congressual em 13 de março, mas os atuais parlamentares continuarão trabalhando até 20 de julho. Por isso nos aguarda um período de intensas mobilizações, obviamente.

 

Quais os principais pontos que deverão impulsionar a agenda oposicionista?

 

A Central Unitária de Trabalhadores (CUT) da Colômbia tem 16 dos seus 21 membros da executiva apoiando a Petro. Há outros cinco com a Coalizão da Esperança. O que está propondo Gustavo Petro a grosso modo?

 

Primeiro: o tema da soberania alimentar. Na Colômbia há uma grande concentração de terras dedicada à pecuária e se está desflorestando a Amazônia para o gado. Ao mesmo tempo, o país importa 14 milhões de toneladas de alimentos, que é uma terça parte do que consumimos. Por isso que a inflação nos golpeou tão duro no ano passado: porque o peso está muito desvalorizado, tanto como o real no Brasil.

 

Outro ponto é a mudança do modelo energético, substituição da cesta energética baseada no petróleo e no carvão – em mãos de transnacionais.

 

Obviamente, também o respaldo a tudo que diz respeito à defesa das liberdades democráticas e às recomendações da Comissão Internacional dos Direitos Humanos (CIDH) das Nações Unidas. E o apoio e a retomada – não com as mesmas palavras, mas com a sua linguagem – aos dez pontos do Comitê Nacional de Paralisação. Porque ali está uma agenda social que nunca havíamos conseguido colocar em discussão

 

No tema dos direitos humanos tudo o que Petro vem propondo é o combate ao paramilitarismo, que segue muito forte em nosso país. Já são mais de 300 signatários do Acordo de Paz de 2016 assassinados. Neste ano se passaram 11 dias e já foram três massacres e ameaças por todo lado. Visitando a página da CUT podemos ver que se multiplicam as intimidações e advertências contra os membros da nossa executiva e contra o CNP.

 

O mais importante é que se sente uma mudança no clima político, embora diferentes analistas concluam que o acordo foi cumprido em apenas 16%. O governo do presidente Duque fez vários esforços para boicotá-lo, como negar recursos às instituições que nasceram dele, como a Jurisdição Especial para a Paz. Duque não faz nada sobre o assassinato de ex-combatentes.

 

“A Colômbia necessita de um processo de reindustrialização. A Associação Nacional de Empresários de Colômbia se converteu num escritório de importações”

 

Obviamente que a Colômbia necessita de um processo de reindustrialização. A Andi se converteu num escritório de importações. No ano passado os empresários realizaram um congresso e me convidaram. Eu falei que eles eram pessoas que haviam abandonado suas indústrias e tinham passado a se dedicar a importar e que deviam começar a reindustrialização.  Esses tipos suavam. E suavam bastante porque a Colômbia é agora um país desindustrializado. A indústria aporta atualmente apenas 9% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto há duas décadas eram 25%. Então as figuras se converteram em meros importadores.

 

Obviamente tem toda uma série de questões ligadas ao processo de reindustrialização, de escalas, que é complexo e difícil, mas já há todo um planejamento para avançar neste tema, vital para enfrentarmos as transnacionais e termos empregos de qualidade.

 

E é inquestionável que Petro tem uma posição clara em defesa dos salários, dos empregos e do direito, e que aplicará uma política anti-imperialista.

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/214710?language=es
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