“Indignação dos paraguaios vem para tirar o governo e garantir a vacina”
Apoiamos o protesto, a saída do governo e que, em três meses, sejam convocadas eleições.
- Opinión
Nesta entrevista, a presidente da Comissão da Fazenda e Orçamento do Senado do Paraguai, Esperanza Martínez, se soma à mobilização popular que toma as ruas do país vizinho pela imediata saída do presidente Mario Abado Benitez. “Propomos que o governo saia e, em três meses, sejam convocadas eleições”, destaca a senadora Martínez, que também preside o Partido Participação Cidadã, integrante importante da Frente Guasú. Para a dirigente, “neste período de transição, devem ser tratados os problemas mais graves e urgentes, como o do desabastecimento dos hospitais, sendo garantida a provisão de medicamentos de forma gratuita e que as vacinas sejam adquiridas – da forma que precisar ser feito -, pois somos o único país da região que ainda não tem sequer promessa”. Médica, Martínez descreve que a situação é extremamente caótica, sendo que, até a última sexta-feira, apenas quatro mil dos mais de sete milhões de paraguaios haviam sido vacinados. “O fato é que, até agora, somos o único país da região que não conseguiu sequer ter uma promessa de quando receberá as vacinas”, denuncia.
Com máscara e álcool em gel milhares de paraguaios foram às ruas de Assunção na última sexta-feira e se mantêm mobilizados exigindo a saída do presidente Mario Abdo Benítez. Qual a sua avaliação?
A manifestação da última sexta-feira foi uma manifestação cidadã, praticamente autoconvocada, à raiz de uma série de fatos ocorridos. Se tentou levar um grupo para produzir violência e distúrbios, muito claramente identificado. Assim, ante a menor provocação, de uma ou duas pessoas, que foi claramente para provocar, a polícia atuou com uma violência completamente injustificada. A cidadania reagiu e, diante da resposta dos manifestantes, a polícia precisou levantar a bandeira branca e pedir trégua diante de tudo o que havia feito.
O fato é que se acabaram as balas de borracha dos policiais, que também abusaram das bombas?
Exato. Foi uma fúria cidadã. Neste momento há uma mobilização que está se organizando em todo o país porque as pessoas querem que Marito deixe o governo, que saia. Nós apoiamos o protesto, a saída do governo e que, em três meses, sejam convocadas eleições. Neste período de transição, defendemos que sejam tratados os problemas mais graves e urgentes, como o do desabastecimento dos hospitais, seja garantida a provisão de medicamentos dos hospitais de forma gratuita e sejam negociadas as vacinas, da forma que precisar ser feito. O fato é que, até agora, somos o único país da região que não conseguiu sequer ter uma promessa de quando receberá as vacinas.
Temos o tema da corrupção, que é insustentável, e vários outros problemas sociais como o dos despejos massivos, da crise econômica e da renegociação de Itaipu que, para nós, também é estratégico.
Diante de uma correlação de forças ainda desfavorável dentro do parlamento, como vocês pensam agir?
Precisamos ampliar a mobilização, que seja mais forte e sustentável, para enquadrar o Partido Colorado e o Partido Liberal, que são os dois que decidem no voto um eventual julgamento político. Esse processo inicia na Câmara dos Deputados, em que os colorados têm maioria simples, por si só.
Aqui a disputa que tem se dado desde a crise anterior, no julgamento do impeachment de Mario Abdo, é porque o setor do ex-presidente Horacio Cartes lhe faz oposição dentro do Partido Colorado, ao mesmo tempo em que lhe dá sustentação dentro do governo. Os dois estão, portanto, em intensa disputa. Sendo assim, colocam o partido em permanente crise interna.
Da outra vez foi dentro do próprio Partido Colorado, por meio de Horácio Cartes, quem recompõe as forças e evita o fim, assim como outros partidos como o Pátria Querida que o acompanharam, dando sustentação novamente ao governo.
Nesse momento esses acordos voltam a estar novamente em disputa. E só vamos conseguir que Horacio Cartes largue a mão de Mario Abdo Benítez e permita o seu julgamento político mediante uma intensa mobilização social.
Como médica, em particular, o que mais escutas dentro dos hospitais?
O que aconteceu é que no início o ministro da Saúde e o governo em geral teve uma posição política sanitária acertada. O Paraguai foi um dos países que mais rapidamente iniciou o isolamento social diante do segundo caso positivo de Covid. Fizemos um isolamento. Há um ano, justamente, no dia sete de março, foi declarada a pandemia no Paraguai e, uma semana depois, já haviam sido adotadas as medidas nas escolas, a nível dos espaços comerciais, esportivos e artísticos. Logo depois houve o fechamento dos aeroportos e das fronteiras. Isso nos permitiu durante muito tempo liderar na região cifras epidemiológicas muito baixas de contágio comunitário, que todos atribuíamos ao êxito de ter iniciado precocemente estas medidas. E toda esta estratégia se demarcava numa linha política de governo, de uma lei de emergência aprovada em março, há dois ou três semanas de iniciada a pandemia. De uma lei de emergência em que se aprovou US$ 1,6 bilhão para enfrentar a pandemia; destes, US$ 514 bilhões para os primeiros investimentos à construção de toda a logística da campanha. Estes primeiros investimentos que deveriam ter se concluído e colocado o país em melhores condições para, quando as cifras epidemiológicas cedo ou tarde chegariam, nos encontrassem com o país mais organizado, com um aumento de camas, com uma equipe de biossegurança e insumos.
A má conduta fez com que toda esta primeira etapa, ante as primeiras licitações já estivesse viciada de corrupção, de direcionamento a empresas amigas do governo, de escândalos públicos, em que se dificultaram as precisões técnicas, das compras… E isso tirou toda a legitimidade e credibilidade do governo.
Mas também houve outras políticas de caráter político. A visita do ex-presidente argentino Mauricio Macri ao Paraguai rompeu todos os protocolos e fizesse uma regulamentação especial do Ministério da Saúde para que ele chegasse. O ex-presidente Cartes fez o casamento da sua filha totalmente por fora do protocolo. E assim sucessivamente uma série de acontecimentos que foram minando a credibilidade do governo, o que faz com que neste 7 de março, há um ano de ter começado a pandemia no Paraguai, de todos esses recursos o governo tenha executado 36%. Não há apenas uma baixa execução da lei de emergência, mas dos recursos destinados para os programas tradicionais.
Daí essa raiva, essa ira. O pessoal da saúde, que já vinha cansado, agora está esgotado, porque vem de uma pandemia de dengue do verão anterior. Está dando tudo de si. E os hospitais lhes requisitam as receitas, que temos de comprar por meio da solidariedade social, de rifas e de vendas de comida. As pessoas estão correndo para fazer empréstimos e vender seus bens para pagar o tratamento.
Isso está criando uma reação popular, porque as pessoas estão fartas da corrupção imperante, porque alguns estão se aproveitando da pandemia para lavar dinheiro. Nessas duas ou três semanas o Paraguai ganha as manchetes do noticiário internacional pela presença de cocaína na Europa e em várias capitais. Aparecemos como espaço altamente ligados a outros negócios ilícitos, como o contrabando de cigarros. Então as pessoas estão cheias, fartas, há uma fúria incontida contra essa situação a que chegamos. Porque os hospitais chegaram à saturação das camas, desabastecidos, os profissionais da saúde estão cansados, expostos. Há muitos médicos e enfermeiros que morreram nas últimas semanas e de todas as classes sociais, porque cada um está atendendo os falecidos em suas famílias e amigos.
Isso é um pouco o detonante desta raiva social, dessa crise que o Partido Colorado pensa que será mudado trocando um ministro ou um gabinete. Mas a realidade é outra, estamos diante de um governo totalmente desgastado e com uma condução política bastante ausente. Por outro lado, o presidente da República há duas semanas disse que não lê os jornais, que lê a Bíblia, demonstrando que é uma pessoa que vive numa redoma, completamente isolado da realidade. O resultado disso é a situação que vive o país.
A versão de um Bolsonaro made in Paraguai
Bom, sempre esteve perto de Bolsonaro, e protegido. É preciso entender que Mario Abdo é uma versão estratégica de governo de direita na região, assim como Uribe, na Colômbia, foi para a região norte da América do Sul. Bolsonaro e Marito são governantes que seguiram a linha da Embaixada dos Estados Unidos, que têm participado do projeto de desarticular a Unasul e o Mercosul, de se opor a tudo aquilo que tenha cheiro ou gosto a progressista nos últimos 20 anos.
Marito é um representante e articulador de todos os setores de direita, mas que pela sua debilidade política já é uma peça que se faz impossível de sustentar. Buscam agora tentar postergar as eleições, levar mais para adiante, mas estão muito frágeis e muito cansados. Isso está atingindo duramente o Partido Colorado, porque há um sentimento anticolorado como não se via há muito tempo, demonstrando o desgaste deste governo. É uma evidência de que o próprio modelo está se rompendo pela própria crise interna de suas corrupções e dos resultados das políticas neoliberais que agudizou a pobreza, de ter desmantelado as políticas sociais. Como em todos os países da região há retrocessos com inúmeros ataques à legislação trabalhista.
E os ataques dos privatistas às empresas públicas?
Da mesma maneira, buscavam fazer retrocessos. Temos um tema estratégico, que é o de Itaipu; e a empresa administradora de eletricidade, que é um dos objetivos dos privatistas e está sempre em debate. Os neoliberais não conseguiram avançar justamente pela debilidade política de Mario Abdo, em disputa com o seu adversário Horacio Cartes. Ao mesmo tempo em que Cartes atua para sustentar o seu governo, age para desgastar a sua imagem para tomar o controle numa segunda oportunidade. Isso tem contribuído para esse desgaste.
Tens defendido a importância da unidade dos nossos países e povos
Acredito que é fundamental que os partidos progressistas, que estão em várias instâncias como o Grupo Puebla, e organismos como o Parlasul e o Parlatino que se organizem em espaços de solidariedade. É chave também que se somem ex-presidentes progressistas e dos parlamentos, de lideranças políticas e sociais, para construir um novo relato e disputar uma mudança na região. Acreditamos que mais do que nunca depois do Covid e da pandemia, a solidariedade e a irmandade dos países latino-americanos têm que ser o nosso Norte.
Pensamos que tudo teria sido diferente se, em relação à negociação das vacinas, Néstor Kirchner estivesse à frente conduzindo o processo. Havia um encontro real, com interesses da comunidade e da população dos nossos países, debatendo por meio dos nossos ministros de Saúde, de Fazenda e de Economia, ou mesmo dos presidentes que lideravam esse processo de negociação e de integração regional, buscando o interesse coletivo. Percebiam que a solidariedade é o caminho a nível internacional e não essa intenção de nos separar e de, a partir dessas políticas neoliberais, nos obriguem a negociar país com país para podermos nos encontrar mais débeis e poder sair vantagem para os negócios transnacionais. Sou totalmente a favor de que retornemos a uma mudança, ao rumo da efetiva integração regional, que tiveram como estandarte nossos líderes progressistas
8 de março de 2021
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