Câmara da Bolívia diz não ao FMI
- Opinión
A Câmara dos Deputados da Bolívia rejeitou com mais de dois terços dos votos, nesta quarta-feira, o Decreto Supremo 4277, da autoproclamada presidenta Jeanine Áñez, que fazia uso de R$ 327 milhões do Fundo Monetário Internacional (FMI) como “empréstimo” sem autorização da Assembleia Legislativa Plurinacional (ALP).
Conforme a declaração aprovada pela Câmara - majoritariamente composta por parlamentares do Movimento Ao Socialismo (MAS) -, a medida de Áñez era “um sinal de violação da Constituição Política do Estado pelo governo transitório, que busca governar por meio de decretos supremos, comprometendo a soberania nacional e hipotecando o futuro das novas gerações”.
“Queremos sublinhar que esta Assembleia nunca dará as costas ao povo boliviano”, garantiu o presidente da Câmara, Sergio Choque (MAS), “especialmente quando a pandemia está em andamento”. “Infelizmente”, acrescentou Choque, “as autoridades do Ministério da Economia e Finanças não foram sequer capazes de anexar a documentação do contrato entre o ente internacional e o Estado boliviano”.
Fórmula neoliberal
Candidato à presidência da Bolívia pelo MAS, Luis Arce denunciou que “novamente mentiram, porque o governo nos disse que queria supostamente utilizar o dinheiro para enfrentar o coronavírus, porém quando observamos o espírito deste decreto, ele aponta exatamente para destinar grande parte dos recursos para reforçar o déficit fiscal e a balança de pagamentos”. Enquanto isso, frisou, “uma parte mínima supostamente iria ser destinada à saúde e à luta contra a covid-19. Ou seja, nos mentiram”.
Duas vezes ministro da Economia de Evo Morales (de 2006 a 2017 e em 2019), com quem a Bolívia mantinha, mesmo em meio à crise, um crescimento de 4,5% do Produto Interno Bruto (PIB) - o maior da região - Luis Arce disse que a condicionalidade do empréstimo, com todas as suas amarras, “é bastante clara, é a reposição do modelo neoliberal”. “O empréstimo hipoteca o futuro dos bolivianos e gera uma crise de desemprego que agudiza a recessão”, sublinhou.
Como se não bastassem os cortes ilegais de salários, as férias forçadas e as licenças compulsórias sem remuneração durante a quarentena, advertiu o candidato do MAS, o governo não enviou toda a documentação à Assembleia para aprovar o crédito com o FMI, “porque tratavam de ocultar e mentir ao povo”. “Se este crédito fosse aprovado haveria desvalorização e ajustes na parte fiscal, redução nos gastos e nos investimentos no setor público, tudo isso num momento em que o país necessita que haja injeção de recursos. Precisamos de investimento público e gasto corrente para reativar e reconstruir a economia”, enfatizou.
Mercado interno
Por estarem comprometidos com um projeto soberano de desenvolvimento e de reativação do mercado interno, apontou Arce, os deputados do MAS repudiaram a capitulação ao FMI, pois traria efeitos “nefastos” aos cofres públicos e ao conjunto da economia, e se estaria “hipotecando” a independência boliviana por um empréstimo. “O modelo deste executivo é uma farsa”, assinalou.
Como recordou o escritor Eduardo Galeano em seu “A segunda fundação da Bolívia”, foram “levantes populares crivados a balaços os que derrubaram governos governados desde fora, e disseram não ao imposto sobre o salário e outras sábias ordens do FMI”.
É este o sentimento de altivez que se faz presente nas ruas - apesar do grande número de mortes e contagiados pela pandemia que avança sem controle - que o parlamento reflete, declarou a deputada Lidia Patty (MAS). “Áñez é transitória e não pode endividar os bolivianos, como faziam no passado os governos neoliberais que recebiam empréstimos e doações para benefício próprio, situação que não pode ser permitida”, concluiu.
- Leonardo Wexell Severo - Hora do Povo
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