A Amazônia e a metástase Bolsonaro

30/08/2019
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Chamuscado, o país chega ao oitavo mês de um governo velho e envilecido e todos se perguntam se teremos condições de suportar o que aí está até o final do mandato do capitão, que atua sem peias, irresponsavelmente, destroçando os mecanismos de controle republicano.

 

Sem limites éticos, Bolsonaro ignora os freios políticos ou jurídicos dos demais Poderes, desprestigiados aos olhos do que se convencionou chamar de opinião pública. E, seguindo um cardápio de ações aparentemente incongruentes para um governante, vem criando, desde a posse, sucessivas crises políticas. Esta de nossos dias, pelas suas repercussões, inclusive internacionais, é seu primeiro grande desafio politico, e é ainda em seu pleno desenrolar que o bolsonarismo dá os primeiros sinais de exaustação.

 

As grandes massas – são conhecidos os números da recente pesquisa CNT/MDA – já transitam do apoio franco ao desencanto, percebendo que à frente de nossos destinos está um presidente inepto e irresponsável, irrecuperavelmente inadequado às funções, alguém que não respeita a liturgia do cargo, que ignora solenemente a Constituição (inclusive os princípios que regem a administração pública!), desorganiza o Estado, incita o dissídio e a desagregação em país já esgarçado socialmente e politicamente polarizado. Empreende a destruição do projeto desenvolvimentista herdado de gerações passadas; promove, na bacia das almas, a privatização e a desnacionalização de nossas empresas estratégicas e viabiliza a entrega de nossas riquezas, pondo sob ameaça, até, o pré-sal, no qual em anos recentes apostamos a redenção nacional. O quadro nefasto se completa com a contração da economia, a conservação do desemprego, a queda dos salários, a derruição dos direitos trabalhistas e previdenciários.

 

O projeto bolsonarista, como todos veem, consiste em governo autoritário, promotor de clivagem, desafeito ao consenso. Além de entreguista e bajulador de uma superpotência em relativo declínio – sem recompensas palpáveis.

 

Na divisão está sua estratégia de sobrevivência. Esquece o que se poderia chamar de “conjunto da sociedade” – a que no ritual da República se deve voltar o presidente – para cuidar tão só de sua grei, pois o objetivo é provar aos que o elegeram e ainda o sustentam que não há a possiblidade de um “bolsonarismo sem Bolsonaro”, com que sonha abertamente a direita dita civilizada.

 

É, pois, por lógica, e não desatino, que, dando as costas ao país e à nação, o capitão se volta, sempre, para o universo bolsonarista e desenvolve uma agenda de extrema-direita no campo institucional e dos costumes. Acirra as tensões, estimula o conflito e a cizânia com seus impropérios escatológicos, com suas provocações baixas, com seu personalismo. Fiel à sua natureza autoritária, que jamais escondeu, apega-se à vassalagem e repudia como inimiga qualquer opinião divergente. Porque foi eleito, nas circunstâncias consabidas, supõe haver recebido um mandato absolutista que faz com que sua vontade possa imperar sobre todas as demais e seus desejos estar acima de tudo e de todos, a começar da ordem constitucional, e para tanto pode desconsiderar a anistia, defender assassinatos e torturadores, negar a Ciência, opor-se à cultura e promover a censura em organismos públicos.

 

Concomitantemente, promove uma anti-federativa, perigosa e irresponsável guerra pessoal contra os Estados nordestinos, a pretexto de punir seus governantes, que trata como desafetos.

 

Submete as políticas de Estado aos seus preconceitos e idiossincrasias, bem como aos seus interesses e conveniências familiares, ultrapassando todos os limites éticos e republicanos, seja impondo a injustificável nomeação do filho 03 à embaixada do Brasil em Washington, seja intervindo em órgãos de controle – Receita Federal, COAF (transferido para o Banco Central) e Polícia Federal – com o fim de sustar a apuração de irregularidades praticadas pelo filho 01 e então deputado estadual, de cujo gabinete na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, aliás, desapareceu o miliciano Fabrício Queiroz.

 

Renuncia a qualquer projeto de política externa independente e adota como norma a subordinação incondicional à estratégia de Donald Trump, seu êmulo, seu guia, seu espelho, seu ícone. Age mesmo contra nossos interesses, como quando nos associa a uma suicida onda de hostilidades à China, aos países árabes, à Argentina, ao Mercosul (sob a presidência rotativa do Brasil) e à União Europeia, e nos põe em confronto com a França, a Alemanha e a Noruega. Para atender aos interesses da Casa Branca atrapalha as negociações do Mercosul com a União Europeia, que, visivelmente, aceitou a contra gosto, e praticamente cerrou as portas de nosso ingresso na OCDE. Antecipando imaginárias retaliações de Washington, sequestra um cargueiro iraniano que voltaria a Teerã carregado de milho brasileiro. Como diria o Conselheiro Acácio, as consequências vêm depois...

 

Em vez de reeditar o “pragmatismo responsável” do mandarinato militar, o capitão inova com seu “dogmatismo irresponsável”, arrasando a imagem do Brasil perante o mundo, outrora positiva.

 

Objeto ora de críticas, ora de chacotas, jamais tivemos um presidente tão hostilizado e ao mesmo tempo tão ridicularizado. Despreparado e caricato, nos envergonha. É o que temos depois do sucesso internacional de Lula.

 

No quesito ambiental perdemos o protagonismo conquistado após décadas de avanços, e nos tornamos os vilões da destruição da Amazônia, cuja devastação por queimadas, desenfreado desmatamento, garimpos predatórios (que o capitão quer expandir e legalizar) e assaltos a terras indígenas, tudo incentivado pela retórica presidencial e pelo enfraquecimento dos órgãos de controle, é hoje um fato inquestionável, nada obstante a persistência do governo em seu discurso contra a razão, os fatos e o bom senso. Na reunião com os governadores da região, quando destilou preconceitos, o presidente, na reiterada ladainha coxa das conspirações, apontou como causa das queimadas uma pretensa retaliação – de quem? não diz – à sua ordem, ilegal e inconstitucional, de suspender a demarcação de terras indígenas. Acusa ONGs de queimarem a Amazônia. Quais são essas ONGs, não diz, pois esse é seu vezo, acusar sem o compromisso da comprovação. No dia seguinte, nega ter dito o que publicamente disse.

 

Além de questão de justiça inegociável, a demarcação de terras indígenas é decisiva para a conservação ambiental e está assegurada de forma impositiva pela Constituição Federal (art. 231), que o capitão rasga diante do silêncio conivente do MPF: “São reconhecidas aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.

 

No já referido encontro com os governadores da Amazônia, o capitão, ainda contra a Constituição que jurou respeitar no compromisso de posse, contra as leis e o Estatuto do Índio, contra mesmo a memória do Marechal Rondon, volta a defender a exploração econômica de terras indígenas e de áreas de preservação ambiental, em benefício do agronegócio. Ou seja, defende a devastação para cujo combate, acossado pela grita internacional, convidara os governadores para um diálogo. Para o capitão as reservas resultam de uma conspiração internacional programada para inviabilizar o país, afirmação que lhe valeu pronta resposta do Conselho Indigenista Missionário, organismo vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, acusando-o de “insistir na mentira e na sorrateira tergiversação”.

 

E não venha agora, quando o mundo aponta o dedo contra a devastação amazônica, o bolsonarismo falar em “nacionalismo”, em nome de um governo que dilapida a Petrobrás, entrega a base de Alcântara e vende a Embraer para uma empresa em crise. A Amazônia é nossa, não como santuário ecológico, mas como fonte viva de riqueza, que está em sua extraordinária biodiversidade e nas culturas dos povos que a habitam, e não na devastação do garimpo ou da pecuária.

 

Símbolo do Brasil, da América do Sul, ela precisa ser protegida dos desmandos do capitão.

 

Perguntas que não podem calar:

 

- Quem mandou matar Marielle Franco?

 

- Onde está Fabrício Queiroz? Quem o esconde? Por quê?

 

-Roberto Amaral é escritor e ex-ministro de Ciência e Tecnologia

 

Leia mais em: www.ramaral.org

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/201885?language=en
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