Europa e Estados Unidos financiam o desmatamento no Brasil
- Análisis
Fundo Amazônia é troco de pinga perto do que corporações lucram com a devastação
O inferno, caso exista, está repleto de presidentes e primeiros-ministros bem-intencionados, mas que, em algum momento da vida, defenderam, com sincera emoção, a existência de unicórnios, fadas e duendes. É mais ou menos o que acontece atualmente quando o assunto é o comportamento de países europeus em relação ao desmatamento e as queimadas em território brasileiro.
Bolsonaro fez de tudo para que isso acontecesse. A nomeação de Ricardo Salles para o Meio Ambiente e o desmonte das estruturas de fiscalização já vinham sinalizando que os desmatamentos e as queimadas sairiam do controle.
Nos últimos dias, após atacar violentamente líderes europeus que reclamavam da política ambiental brasileira, Bolsonaro deixou a bola quicando para o presidente da França. Cheio de problemas internos, um enfraquecido Emmanuel Macron percebeu a oportunidade e bateu para o gol com precisão. Levantou arquibancadas nos quatro cantos do globo e se tornou, em 15 minutos, a mais nova celebridade ambiental do planeta. Bolsonaro está até agora zonzo pela rapidez dos acontecimentos.
Tudo seria lindo e maravilhoso se fosse assim tão simples: países estrangeiros nos ajudando a desmascarar Bolsonaro, o novo malvado favorito do planeta, com seu séquito de minions a destruir o “pulmão do mundo”. Mas essa história, infelizmente, é mais complexa. A Comunidade Europeia e os Estados Unidos também têm as mãos sujas de sangue e de fuligem.
Alimentos e siderurgia
Grandes empresas europeias e norte-americanas são financiadoras do desmatamento. O Fundo Amazônia é troco de pinga perto do que essas corporações lucram com a devastação das florestas brasileiras. E não apenas na Amazônia. Hoje, o cerrado é bioma que mais perde cobertura florestal. Dois setores estão à frente dessa tragédia: alimentos e siderurgia. As maiores empresas globais de alimentos financiam fazendeiros brasileiros que efetuam desmatamentos para criar gado e plantar soja.
Boa parte da madeira retirada vira carvão e vai parar em siderúrgicas no Centro-Oeste, Sudeste e Norte do país. Com esse carvão, as siderúrgicas fazem ferro gusa, usado na fabricação de aço mundo afora. Esse produto tem, em sua composição, carvão vegetal retirado ilegalmente de matas nativas.
Automóveis, aviões, computadores e celulares contém, em seus componentes, as marcas do desmatamento da Amazônia e do Cerrado. No setor de alimentos, a soja e a carne brasileira são vendidas em centenas de países, muitas vezes graças às operações de trades europeias e norte-americanas, que financiam os fazendeiros brasileiros que realizam o desmatamento.
Recentemente, uma dessas companhias, a Cargill, maior empresa do mundo de capital fechado, anunciou que não tem como cumprir a promessa de conter o desmatamento provocado pelos seus negócios no Brasil.
Outra gigante do setor de alimentos, a empresa suíça Nestlé, é bem conhecida pelos vínculos com atividades predatórias, inclusive a exploração de crianças e adolescentes na cadeia produtiva do chocolate.
Coca-Cola, Pepsico, Bunge e uma interminável lista de multinacionais com sedes no Hemisfério Norte já tiveram suas cadeias produtivas mapeadas. Foram estabelecidos elos concretos com práticas danosas ao meio ambiente.
A falácia da “soberania”
É ótimo que os países europeus ajudem o Brasil a desmascarar o protoditador Bolsonaro. Farão um imenso favor à democracia, aos direitos humanos e ao meio ambiente. Mas esses países também precisam parar de financiar o desmatamento da Amazônia e do Cerrado, que acontece, em grande medida, porque as multinacionais não monitoram com eficiência as suas cadeias produtivas.
Da parte do governo brasileiro, tudo está para ser feito ou refeito, dado o estrago que fizeram desde a posse do atual presidente da república. Não é o troco de pinga do Fundo Amazônia que vai resolver a questão. Assim como também não será o falacioso discurso da “soberania nacional”, que Bolsonaro desenterrou da ideologia militar dos anos 1970. O que Bolsonaro quer é entregar a Amazônia. Ele é o maior inimigo da soberania nacional.
Esse cenário de terra arrasada só mudará com processo de gestão participativa nas regiões amazônicas e no Cerrado, com o cumprimento da legislação ambiental, a participação das comunidades locais nos processos decisórios e sem a influência desmedida do agronegócio e dos seus financiadores, as multinacionais sediadas na Europa e nos Estados Unidos.
As queimadas e o desmatamento da Amazônia e no Cerrado têm, há décadas, as digitais de grandes corporações multinacionais com sede nos países que estão agora chocados com o avanço da depredação.
Nesse contexto, causa espanto o comportamento dos meios de comunicação de massa, que seguem a lógica do século passado: proteção total ao anunciante. Não fazem a principal pergunta: quem se beneficia com o desmatamento?
Não fazem porque sabem quem mexe as cordinhas no mercado publicitário. Multinacionais do setor de alimentos (anunciantes), siderúrgicas vinculadas a montadoras de veículos e equipamentos eletroeletrônicos (anunciantes) injetam bilhões nas contas correntes dos fazendeiros que derrubam a mata e tocam fogo no cerrado e na Amazônia.
Edição: Daniela Stefano
Del mismo autor
Clasificado en
Crisis Ambiental
- Paula Bianchi 07/04/2022
- Leonardo Boff 05/04/2022
- Gabriela Ramírez, OBELA 04/04/2022
- Gabriela Ramírez, OBELA 04/04/2022
- Aviva Chomsky 28/03/2022
Amazonía
- Fabiana Scoleso 30/07/2021
- Roberto Malvezzi (Gogó) 25/05/2021
- Paulo Milhomens 16/03/2021
- Brasil de Fato 04/03/2021
- Marie Madeleine Hutyra de Paula Lima 01/03/2021