Ex-banqueiro diz que Brasil precisa deixar de ser refém do 1% mais rico
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A crise econômica brasileira se arrasta com altos níveis de desemprego e um aprofundamento da crise de representação política. Em conversa com João Pedro Stedile, da direção nacional do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), para o Brasil de Fato, o ex-banqueiro Eduardo Moreira analisa os motivos e as saídas da crise para a retomada do desenvolvimento econômico e social do país.
Moreira fez carreira no mercado financeiro, tendo sido sócio do BTG Pactual, mas recentemente tem se destacado por denunciar desmandos da elite econômica brasileira. Sua participação na Comissão de Direitos Humanos, questionando os efeitos sociais da reforma da Previdência (PEC 06/2009), viralizou nas redes sociais. O ex-banqueiro também publicou um documento chamado "44 coisas que você precisa saber sobre a reforma da Previdência".
Para ele, o principal motivo da crise brasileira é a concentração de riquezas nas mãos de poucos.
Em sua análise, o Brasil "está refém" do 1% mais rico, que um ambiente de chantagens em que o crescimento econômico está condicionado as suas regras. Quando as demandas desse grupo privilegiado são acatadas, o resultado tem data de validade curta, produzindo o que chama de "voos de galinha".
Posta como uma solução para a crise, a reforma da Previdência de Bolsonaro, teria dois objetivos, de acordo com Moreira: liberar recursos para pagamento de juros da dívida pública e condicionar trabalhadores brasileiros a trabalhar sem parar até morrer.
Da “economia” de R$1 trilhão nos primeiros 10 anos prometida pelo governo, 84% viria do INSS, onde ninguém ganha mais que o teto de R$5,8 mil e 90% ganha até três salários mínimos.
Para Moreira, a única saída é distribuição de renda, o combate à desigualdade.
Confira a entrevista completa:
João Pedro Stedile: O Brasil vive uma grave crise econômica, e como resultante dela, uma crise social com os índices de desemprego, precarização do trabalho. Quem é o culpado por essa crise?
Eduardo Moreira: Culpado é o fato de estarmos sentados num baú de tesouros, com imensas riquezas. Poucos países têm tanta riqueza quanto o Brasil. Temos petróleo, água potável, vento, incidência de luz, costa pesqueira, minérios. Tudo o que você puder imaginar.
Mas a chave desse baú está na mão de pouquíssimas pessoas. Não existe nenhum país no mundo que tenha tanta concentração das terras, dos meios de produção, do capital tecnológico, como a gente tem aqui.
Essas pessoas, a iniciativa privada que concentra essa riqueza, usam esse poder para tornar a nação inteira refém dela e, de crise em crise, ir negociando condições cada vez mais favoráveis para ela, para poder continuar exercendo esse poder que ela tem e manter a desigualdade que só privilegia a ela.
A gente tem no Brasil uma crise enorme, onde a maior parte das pessoas sabe gerar riqueza, pode gerar riqueza – como a gente vê nos acampamentos e assentamentos do MST, por exemplo –, mas não têm como gerar essa riqueza, porque essas pessoas que são os donos dos meios simplesmente não deixam.
O que é o desemprego que temos? Colocam o país inteiro como refém e dizem: "Já que o Estado não têm capacidade de investir, e é preciso investir para gerar riqueza, eu só invisto se você cumprir minhas regras." Igual quando você tem um refém.
Começa a pedir benefício, quer pagar menos impostos, quer que a mão de obra, que trata como um tijolo, como se não houvesse uma vida, tenha menos direitos, custe mais barato. Quando tudo isso for cumprido, vai investir.
O Brasil vive esses vôos de galinha. Ele vive uma crise, vira refém, cria essas condições todas, essas poucas pessoas investem, crescemos um pouco, e o resultado desse crescimento vai para a mão deles. Aí, o pessoal que trabalhou não têm condições de gerar riqueza, e entramos em outra crise. No dado mundial, de toda a riqueza que foi gerada no mundo, 82% ficou com o 1% mais rico.
A metade mais pobre ficou com zero. E zero é nada!
Quem é esse 1%?
Esse 1% são os donos do capital financeiro, principalmente os bancos, corretoras, seguradoras; os donos do capital industrial, que cada vez perdem mais importância, porque estamos vivendo um mundo de serviços e tecnologia, mas ainda têm importância em vários lugares do mundo; os donos do capital fundiário, porque no Brasil se tem menos de 1% de donos das terras tendo mais de 50% das terras cultiváveis.
São esses donos dos meios que colocam o país inteiro de joelhos como refém.
Diante desse cenário da crise econômica que está aí, o governo Bolsonaro tem apresentado que a solução para a crise é privatizar, retirar direitos dos trabalhadores e privatizar a previdência. Você acha que esse plano do governo vai tirar a economia brasileira da crise?
Não tem a menor chance. Podemos viver um vôo de galinha, porque esses poucos que detém o capital no Brasil vão se aproveitar dessa condição para investir um pouco e dar essa falsa impressão, se tudo der certo, de que começou a crescer, mas já é um movimento natimorto.
No Brasil, as pessoas que detêm esses meios de produção não têm a menor ideia de como gerar riqueza. Não sabem colocar um tijolo em cima do outro, não sabem fazer uma camisa, não sabem plantar uma semente, nada.
Dependem 100% das pessoas que produzem a riqueza, que são os trabalhadores. Isso dá para ele uma força muito grande, de fazer essa chantagem, mas ao mesmo tempo os coloca em uma posição de fragilidade. Porque se esse trabalhador consegue se associar, se unir, e fala para ele: "da gente você não tira mais nada, agora se vira sozinho". Ele não é ninguém. Ele desmonta e um dia.
O que o governo está fazendo é simplesmente proteger essa classe, aprofundando essa dependência, e criando uma barreira entre os que não têm os meios de produção e os meios de produção.
E como você cria essa barreira? Primeiro, não deixando se associarem. Segundo, mantendo a taxa de juros alta na ponta, porque o trabalhador ou trabalhadora que sabe como fazer as coisas não têm a condição de pegar um dinheiro emprestado para comprar o meio de produção, gerar a riqueza, numa taxa de retorno maior do que ela tem que pagar de juros.
Se conseguisse fazer isso, inverteria a situação. Por isso os juros são tão altos no Brasil.
A reforma da Previdência, por exemplo, faz o seguinte: não deixa, em momento algum, as pessoas terem uma condição em possam parar de trabalhar. O trabalhador tem que ir até o último dia da vida só com uma condição para sobreviver: gerar riqueza para os donos dos meios de produção.
No final, estarão se matando no trabalho. Mas não tem problema porque ele é só um número de planilha. Esse governo mostra e trata as pessoas como um número de planilha. O governo quer fazer a reforma da Previdência dizendo que temos que economizar um trilhão. Então, admite que está lidando com vidas como se fosse uma planilha.
É um governo que aprofunda essa dependência, e nos trata como seres econômicos de planilhas de Excel. Não somos seres econômicos, somos seres humanos.
O governo têm dito que sem a reforma da Previdência não sai da crise. Explica por que isso é uma falácia.
Sem a reforma trabalhista não íamos criar emprego também, né. Tem muito emprego que foi perdido e criado de novo com um valor mais baixo. Além do desemprego ter aumentado, foi pior que isso, porque os empregos que substituíram os antigos foram em condições piores e em um valor de remuneração pior.
A reforma da Previdência, na PEC apresentada pelo governo, mostra de onde vem o um trilhão que promete economizar. Nos primeiros 10 anos, 84% vem das pessoas que fazem parte do regime geral de previdência social, que é o INSS, onde ninguém ganha mais que o teto de R$5,8 mil, e onde 90% ganham até dois ou três salários mínimos. Ou seja, não tem nenhum privilegiado. E das pessoas que ganham abono salarial, ou BPC, que são miseráveis, que tem invalidez, ou ganham até dois salários mínimos por ano. 84% da economia de um trilhão vem dessas pessoas. E aí piora, quando vemos a prvisão do 11º ao 20º ano, 94% vem dessas pessoas.
Os privilégios que o governo diz estar combatendo, que são os altos salários do funcionalismo público, com alíquotas maiores, corresponde a 0,4% da economia. Faz o seguinte: acima de R$39 mil, do servidor público, coloca uma alíquota de 100% e cumpre o teto constitucional (risos).
O governo diz estar acabando com a desigualdade, que tem pessoas ganhando muito com a aposentadoria e estão tirando dinheiro dos pobres. Mas não é tirando do rico e do pobre que se reduz desigualdade. Todo mundo está pior com a reforma do que antes.
Mas você chega para a grande parcela da população, para 30 milhões de pessoas, e corta o que essas pessoas tem hoje em dia para sobreviver, que é o que aquece as economias da maioria dos pequenos municípios do país. Corta isso. Como isso vai aquecer a economia?
Tem um estudo do IPEA que mostra que um real que cai na população via previdência tem um efeito multiplicador de 1,36 no PIB. O dinheiro que cai para o aposentado é gasto, e isso volta para o governo como imposto, volta para a economia.
O estudo também mostra que o dinheiro que cai para os ricos via pagamento de juros, o multiplicador dele é 0,7, o que significa que freia a economia, porque o dinheiro cai na mão dele e fica parado no banco, é um dinheiro que não volta para a economia.
É obvio que ao tirar renda da parcela mais pobre da população, em um país que já é desigual como o nosso, você está freando a economia.
Imagina que estamos no meio de várias árvores. Quando você rega uma planta, se você rega na folha não vai molhar a raiz. Se você rega na raiz, tudo é absorvido pela planta. E um pouco chega até na folha. O que eles não entendem é que se regar na raiz do Brasil, vai chegar até o empresário também, vai chegar no banco, vai chegar em todo mundo. Eles vão ter os lucros deles.
A solução para a crise seriam políticas de distribuição de renda?
Não tenho a menor dúvida. O Brasil só tem um problema, que é a desigualdade. O resto é consequência.
Se você pega países que eram extremamente desiguais, como a Noruega, a Suécia e vários outros, hoje, menos de 100 anos depois, são alguns dos países mais desenvolvidos do mundo. A Noruega era o país mais pobre do norte da Europa. Eu desafio qualquer pessoa a falar o contrário.
Como começaram a mudar a realidade? Foi falando sobre matar bandido e combater a corrupção? Ou foi garantindo a universalidade da saúde, da educação, uma distribuição de renda melhor e pleno emprego?
Eles falam sobre as músicas das favelas só falarem baixaria e palavrão. A música é um retrato do que é vivido, não adianta matar o mensageiro, a música, e o que inspira a música continuar igual. A gente tem que mudar o que inspira isso tudo. A cultura só representa o que acontece.
Qual o verdadeiro objetivo da reforma da Previdência?
Garantir o dinheiro que é necessário para continuar pagando os juros da dívida pública, que está 25% na mão dos bancos, 25% na mão dos fundos de pensão dos ricos, 25% na mão dos fundos de investimento dos ricos e 12% na mão dos investidores estrangeiros. Ou seja, quase 90% na mão das pessoas mais ricas da nossa elite.
Então, a reforma da Previdência arranja mais R$1 trilhão para garantir esse pagamento sem que fiquem preocupados e possam continuar acumulando riquezas em cima do trabalho dos outros.
Além disso, garantir a dependência do trabalhador. O trabalhador tem que, até o último dia da vida dele, doar a única coisa que tem, que é a capacidade de trabalho, para acumular riqueza. E a reforma da Previdência garante que até o último dia da vida o cara vai fazer isso.
Diante desse cenário econômico, qual a verdadeira saída popular que você defende?
A gente tem que gerar riqueza no Brasil. E a gente tem muita riqueza para ser gerada no Brasil.
Para gerar a riqueza que temos a capacidade, temos que redistribuir os meios de produção, as terras, o capital tecnológico.
Não existe como fazer o que precisa ser feito no Brasil para as pessoas poderem viver uma vida melhor sem passar pela redistribuição. Não tem solução matemática.
Se quisermos que as pessoas mais pobres ganhem R$1,5 mil a mais por mês, seguindo a mesma distribuição de renda que temos hoje, vamos passar 50 anos com taxa de crescimento alta e não vamos chegar lá. É matematicamente impossível.
Se redistribuir, há um efeito exponencial. Não só no primeiro ano as pessoas as condições dos pobres já melhoram muito, como ao melhor a capacidade produtiva delas, de gerar riqueza, aumenta também.
Eu aprendi no MST, quando fui na Copran [Cooperativa de Comercialização e Reforma Agrária União Camponesa], que tem a agroindústria do leite, que em 7 anos eles fizeram uma agroindústria que parece que você está na Europa. Chegam a processar quase 100 mil litros de leite por dia. Trabalham em três turnos. Conseguem servir ao município, ao estado, à vários em volta. O que motivou foi o lucro? Ou foi ter uma estrutura que permitisse que todos construíssem a comunidade que sempre sonharam em construir?
Isso mostra que a ideia que a academia neoliberal, que é a academia que reina nas universidades do país, que diz o lucro deve ser perseguido e isso faz com que o capital acabe se distribuindo da maneira mais justa. Então o que aconteceu na Copran? Se as outras agroindústrias do leite estão quebradas no Brasil inteiro, tivemos uma crise enorme por causa do preço do leite alguns anos atrás, e ela não parou de crescer.
Qual livro explica isso que eu não li?
Se a gente distribuir a riqueza e o acesso ao capital fundiário, tecnológico, intelectual, industrial, financeiro, a gente vira da água para o vinho em menos de 20 anos. Viramos uma potência que ninguém vai entender o que aconteceu.
O que você acha que está por trás das medidas do governo de querer cortar recursos da educação?
O problema é a balbúrdia. Qual balbúrdia? O grande problema [que o governo vê] na universidade é que eles tem tempo, disposição e conhecimento. É a única fase na vida que se tem os três ao mesmo tempo. Já que o mundo que o governo está querendo é um mundo tão esdrúxulo, visivelmente injusto, é necessário atacar os primeiros a levantar a bandeira e falar "olha esse absurdo, vamos lutar contra." Essa é a balbúrdia que eles tem medo.
*Colaborou Bruna Caetano.
Edição: Rodrigo Chagas
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