As Fintechs e o futuro dos bancos tradicionais no Brasil
- Opinión
O termo Fintech poderia ser tanto o mais celebrado como o mais subestimado que a indústria tem visto nas últimas décadas. Por um lado, do ponto de vista do investidor, o funding para a revolução Fintech por Venture Capital tem sido explosivo, resultando em bilhões de dólares em investimentos. Contudo, muito poucas startups têm mostrado habilidade e agilidade para inovar nos gaps de experiência que os consumidores têm enfrentado junto aos bancos tradicionais. [World Fintech Report 2017, Kapgemini/Linkedin].
Até agora a literatura sobre o tema Fintechs tem sido majoritariamente composta por relatórios de bancos e consultorias gerenciais, os quais possuem grande poder de influência sobre investidores e gestores de fundos de investimento. Agrupam-se ainda estudos produzidos por universidades sem tradição de independência de pensamento, as quais replicam a narrativa ao mesmo tempo em que a confirmam por meio de “casos” emblemáticos.
Tomando-se definição apresentada no estudo citado em epígrafe, as Fintechs são as novas firmas de serviços financeiros, que possuem menos de cinco anos e que têm uma base relativamente pequena, mas crescente, de clientes.
Foi, portanto, no ambiente dos venture capitalists que se desenvolveu o conceito Fintech. No “ecossistema” de startups, as Fintechs são predadoras canibais, que se alimentam e crescem nas vísceras dos oligopólios bancários.
No presente artigo procurou-se discutir o que se pode esperar de impacto sobre os bancos tradicionais no Brasil a partir do fenômeno das Fintechs.
As Fintechs e o Conto do Vigário
No último quartel do século 18, as paróquias de N. Sra do Pilar e de N. Sra da Conceição, em Ouro Preto, disputaram a imagem da Santa. Percebendo impasse, o Vigário de Pilar sugeriu que um burro, que pastava próximo, decidisse a peleja. Colocariam a imagem às costas do animal e o curso que este escolhesse decidiria para onde pendia N. Sra. Só que o animal era de estimação do proponente, informação omitida, porém, fundamental. Tornou-se o vigário em vigarista.
Em artigo anterior, procuramos mostrar como as instituições financeiras norte-americanas intencionaram criar, nos anos 1980 e 1990, ambientes alternativos aos laboratórios do complexo industrial-militar para o desenvolvimento tecnológico.
Nestes termos, a experiência do Vale do Silício desenvolveu-se nos anos 80 e 90 a partir de movimento coordenado, pela banca, de formação de carteiras de participações minoritárias em startups. O Nasdaq, mercado bursátil organizado pelos bancos de investimento, passou a abrigar conjunto crescente de firmas dedicadas a tecnologias digitais, biotecnologia e nanotecnologia, principalmente.
A estratégia adotada pelos bancos no Vale do Silício visou, em última instância, a conquistar o comando sobre o avanço tecnológico, até então detido pelos grupos da “velha indústria” norte-americanos. Contrapunha-se nos anos 80/90 a criação de nova burguesia tecnológica, diretamente subordinada aos “mercados”[1].
Em 2000, com o retorno do complexo industrial-militar ao topo da hierarquia nos EUA, escândalos financeiros interromperam o movimento de hostile take over tecnológico pelos bancos. Em 2000, duas empresas com atuação global do Nasdaq (Worldcom e Enron), dedicadas respectivamente a telecom e energia, colapsaram com escândalos bilionários. Com isso, as anteriores expectativas de crescimento acelerado foram desfeitas e as startups tiveram que se contentar com a luta pela sobrevivência.
Durante os anos 2000, os investment bankers concentraram esforços para estabelecimento de regras e mercados para títulos públicos portadores de “direitos de poluir”. Com isso, pretendeu-se impor aos Estados Nacionais limites para investimentos na “indústria velha”. No Brasil, nos anos Lula, estabeleceu-se a Lei 12.187/09. No entanto, a crise financeira de 2008 sepultou os tais créditos de carbono como possibilidade de ganhos rápidos e elevados.
As Fintechs passaram a alcançar notoriedade no segundo mandato de B. Obama. A partir de então, os bancos de investimento perceberam que a tecnologia bancária (redes, criptografia, robôs etc.) poderia evoluir ao ponto de permitir reduções de custo e prazos no acesso a crédito e investimentos. Com isso, os bancos de investimento se voltaram para os bancos comerciais, tratados na literatura como “tradicionais”, com a intenção de ocupar espaço e crescer.
Com isso, as expectativas de elevado crescimento para as Fintechs decorrem da velocidade, a ser imposta, de destruição dos modelos de negócio “tradicionais”. Para isso, contudo, as Fintechs necessitam ser “turbinadas”, ganharem tamanho, de maneira a se tornarem de factu instrumento para concentração de poder e riqueza no clube dos banqueiros internacionais.
Em síntese, os bancos “tradicionais” brasileiros, Itaú e Bradesco, encontram-se ameaçados frontalmente pelo aumento de importância dos investment bankers no negócio de varejo, mediante fortalecimento das Fintechs no Brasil. No entanto, como condição necessária, ainda que não suficiente, as Fintechs devem ser fortalecidas e “testadas” em mercado.
Em síntese, as Fintechs necessitam de “hospedeiros”, bancos “tradicionais” que estejam propensos a conferir credibilidade e tamanho às startups. Ou seja, que comprovem as teses de rápido crescimento no país.
Fintechs no Brasil
O Brasil tem despertado interesse internacional frente ao elevado grau de concentração bancária. Com isso, se tornou alvo prioritário para crescimento das Fintechs. Segundo Aranda (2018), o crescimento desta “nova indústria” no país se deve, em parte, às respostas estratégicas dadas pelos principais bancos tradicionais, que se anteciparam à ameaça concorrencial com investimentos em tecnologia. Conforme se pode constatar em pesquisa, Itaú e Bradesco procuram atualmente desenvolver instrumentos organizacionais para screening tecnológico, na tentativa de capturar o vírus, e dele produzirem-se vacinas, antes que se espalhe a infecção.
“A gente é parente, mas cada um segue sua carreira solo”
A frase-título é o que se encontra em FAQs no site da Fintech Next, em pergunta se o dono é o Bradesco.
Em outubro de 2017, o Bradesco lançou banco inteiramente digital, dirigido aos mais jovens, denominado Next, e operado via aparelhos móveis celulares. A meta inicial era de captar até 500 mil clientes em um ano (150 mil em junho de 2018).
A estratégia tecnológica do Bradesco compreende ainda prédio de 10 andares a ser preenchido por cerca de 100 empresas de tecnologia em regime de coworking, selecionadas por meio de concurso (InovaBra).
Com isso, o Bradesco parece se antecipar às oportunidades que serão abertas para startups, criando-se espaços para inovação que capturem potenciais ameaças como parcerias, de maneira a compartilhar ganhos futuros. No entanto, boa parte atua em setores não financeiros, tais como educacional, biomédico etc.
As pessoas querem reclamar para alguém de carne e osso[2]
O Itaú possui cerca de 27,4 milhões de clientes e quase 5 mil agências e quiosques. Para diminuir a importância da ameaça, o argumento apresentado pelo CEO na frase-título soma-se ao de que os bancos tradicionais lidam com complexidade de produtos, algo que escapará às Fintechs.
Não obstante, o Itaú lançou incubadora de empresas nos moldes da iniciativa apresentada pelo Bradesco. A Cubo, resultado da parceria com o Fundo Redpoint, abriga estrutura com cerca de 210 empresas startups em regime de coworking. O Redpoint Fund é um gigante internacional que atua no segmento de venture capital.
Com isso, nem Itaú nem Bradesco parecem perceber as Fintechs como ameaça frontal e de curto-prazo para a atividade bancária tradicional no país. Pelo contrário, os dois grandes bancos privados parecem bem posicionados, política e economicamente, para defender dezenas de bilhões de reais em tarifas bancárias.
O banqueiro que sonhou em ser presidente
Por outro lado, o dublê de político e banqueiro H. Meirelles associou-se aos irmãos Batista (JBS) na orientação estratégica do Banco Original como Fintech. Os planos do Original são ousados: tomar espaço dos bancos tradicionais no país.
Para isso, o Banco Original reuniu cerca de 700 desenvolvedores para atuação em soluções para serviços financeiros digitais. Atualmente, investe-se em procedimentos para sigilo bancário, marketing para criação de ecossistema de firmas, engajamento de parceiros e segurança da informação.
As atuações do Banco Central e do Ministério da Fazenda têm sido aceleradas na direção de facilitar o crescimento das Fintechs no país. Em abril de 2018 o Banco Central regulamentou a atuação das Fintechs em crédito, o que as eleva a categoria de bancos. Em julho, o Senado aprovou o PL 53, que regulamentou proteção aos dados pessoais, permitindo-se acesso e processamento de informações com a finalidade de proteção ao crédito.
“Se o trabalho é fácil, já estava feito e eu não preciso de você para fazê-lo”
O Nubank é o resultado de esforço de ex-executiva do Itaú, autora da frase-título, e sócios estrangeiros. Desde 2013, quando foi criado, o Nubank recebeu aportes de fundos, tais como Sequoia Capital, Tiger Global, Founders Fund, Kaszek Ventures, QED Investors e DST Global.
Desde 2016, o Nubank tem recebido quantias crescentes de recursos para repasse providos por Goldman Sachs e Morgan Stanley. Para 2017/18, superam os R$ 450 milhões, distribuídos para mais de 1,5 milhões de usuários finais.
A Goldman Sachs ocupa posição de destaque no mundo das Fintechs. Atualmente controla, nos EUA, Fintech para depósitos populares e gestão de crédito qualificado. Nesta, se propõe a abocanhar tarifas bancárias em instituições menos eficientes.
Em outras palavras, a Goldman Sachs percebeu como o esforço de startup poderia ser redirecionado para o próprio segmento financeiro, aproveitando-se do avanço tecnológico para ganhar espaço [Rudgeair&Hoffman (2018)]. A ideia de ser o sistema financeiro o próprio combustível para o crescimento das startups posicionou a Goldman Sachs na liderança de movimento estrutural importante nos EUA e no resto do mundo.
Em maio de 2017, a Goldman Sachs publicou relatório de pesquisa que elevou o patamar de informações sobre a atuação das Fintechs no país. Ao mesmo tempo em que identificou o Brasil como mercado oligopolizado, susceptível ao crescimento acelerado de Fintechs.
Seriam as Fintechs mais uma nuvem passageira?
Observando-se a penetração das Fintechs entre os países, percebe-se que na Ásia prospera acesso a aplicações financeiras internacionais para indivíduos que vivem em economias reguladas.
Desde o início de 2018, observa-se explosão de investimentos por parte de fundos em operações de aquisição de participações acionárias em Fintechs na China. No entanto, diversamente do ocorrido até aqui, a nova onda de aquisições se direciona para firmas consolidadas, ainda que com elevado potencial de crescimento (Figura 2).
No ocidente, mesmo para economias desreguladas e com mercados desenvolvidos, as Fintechs ocupam posições coadjuvantes, sem ameaçar frontalmente os bancos tradicionais no núcleo duro dos negócios de crédito.
Considerações finais
A partir de 2008, os bancos norte-americanos perceberam que, naqueles países onde o investimento é financiado majoritariamente por bancos (bank based), startups direcionadas a inovações financeiras poderiam promover transformações estruturais. Estas transformações apontam para estruturas onde os mercados de capitais passam a ocupar maior protagonismo e as elites financeiras nacionais menos influência nos fluxos de investimento-poupança.
No Brasil, a estrutura oligopolista dos bancos atraiu a atenção dos norte-americanos, liderados pela Goldman Sachs. O Nubank materializa, junto com o Banco Original, a ameaça de downgrade para o clube de banqueiros brasileiros na hierarquia internacional.
Na França e na Alemanha, países com bancos tradicionais fortes, a “ameaça” das Fintechs tem perdido vitalidade em 2018 e se coloca, mais uma vez, como “portadora de futuro”.
Os bancos públicos no Brasil, instrumentalizados pela política que favoreceu os novos entrantes, vêm sendo redirecionados progressivamente para o fortalecimento da ameaça que os corroerá. A pretexto de reestruturação organizacional e alinhamento com “estratégias inovadoras”, a ênfase posta nas Fintechs, no Banco do Brasil, Caixa e BNDES, parece apenas mais um capítulo na disputa política no andar de cima, da qual se encontram longe os anseios da sociedade difusa brasileira.
Notas
[1] As holdings permitem aos grupos da “velha indústria” financiamento cruzado entre projetos/ramos de negócios, tornando-os menos dependentes das concertações entre bancos, celebradas em mercados de capitais.
[2] Ver Freitas (2017)
Bibliografia
Aranda, F. Lessons to be learned from FinTech adoption in Brazil, Ernst Young Consulting, Jan. 2018. Retirado de https://www.ey.com/gl/en/industries/financial-services/fso-insights-lessons-to-be-learned-from-fintech-adoption-in-brazil em agosto de 2018.
Freitas, T. Presidente do Itaú diz que está pronto para enfrentar Fintechs, StartSe, outubro de 2017. Retirado de https://conteudo.startse.com.br/empreendedores/taina/presidente-do-itau-diz-que-esta-pronto-para-enfrentar-fintechs/ em agosto de 2018.
Macedo, C. G., Cintra, M. Goncalves, S. Catala, N. Fintech Brazil’s Moment, Goldman Sachs, may 2017, 45p.
Rudegeair, P., Hoffman, L. Goldman Sachs in Talks With Apple to Finance iPhone Sales, The Wall Street Journal, fevereiro 2018. Retirado de https://www.wsj.com/articles/goldman-sachs-in-talks-with-apple-to-finance-iphonesales-1517999521 em agosto de 2018.
Capgemini e Linkedin, World Fintech Report, 2017.
McKinsey & Company, Global Banking Practice, December 2015.
KPMG, The Pulse of Fintech 2018, july 2018.
- Marco Aurélio Cabral Pinto é professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, mestre em administração de empresas pelo COPPEAD/UFRJ, doutor em economia pelo IE/UFRJ. Engenheiro no BNDES e Conselheiro na central sindical CNTU. É colunista do Brasil Debate
08/08/2018
http://brasildebate.com.br/as-fintechs-e-o-futuro-dos-bancos-tradicionais-no-brasil/
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