A expansão chinesa: guerra fria e miscigenação no século 21

21/11/2017
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Em recente artigo publicado no Brasil Debate, intitulado O Admirável Mundo Novo, segundo a China, os professores da UERJ E. Jabbour e L. F. de Paula analisaram o longo discurso de Xi Jinping no 19º Congresso Nacional do Partido Comunista. Neste, classificaram o discurso proferido como marco histórico para o que denominaram como movimento de internacionalização do “modelo chinês” no século 21:

 

O país viu sua posição cambiar, de forma rápida, à “tripla condição” de potência comercial, industrial e financeira, combinando as seguintes iniciativas: 1) planificação do comércio exterior; 2) ampliação do escopo a um novo setor privado; 3) formação de um amplo e profundo sistema financeiro estatal (voltado ao financiamento de longo prazo); 4) instituição de mecanismos de controle sobre os fluxos externos de capitais 5) ciclos rápidos de substituição de importações 6) a formação, desde a segunda metade da década de 1990, de um poderoso capital produtivo estatal (crescentemente centralizado) sob a forma de 149 conglomerados empresariais estatais e 7) lançamento de grandes pacotes fiscais como reação à flutuação de demanda interna e/ou externa. [Jabbour&De Paula (2017)].

 

Talvez chame mais a atenção o silêncio da audiência presencial do que as mais de três horas e vinte minutos de discurso, em voz baixa e pausada, do líder chinês. Fosse qualquer cerimônia pública no tempo-espaço ocidental, dificilmente se encontraria tanto respeito e concentração. E há uma razão para isso. Não há no Ocidente nenhum líder político que retenha tanta legitimidade. O Ocidente está suficientemente polarizado entre os interesses de muito poucos e as necessidades básicas da imensa maioria.

 

O título do discurso revelou o espírito chinês para as próximas décadas – Assegurando-se vitória decisiva na construção de uma sociedade moderadamente próspera em todos os aspectos e empreendendo-se esforços para o grande sucesso do socialismo com características chinesas para uma nova era. Do ponto de vista de relações internacionais, a “nova era” surge como triunfo de políticas para “comunidade com destino comum”. Além de se contrapor ao isolacionismo de D. Trump, a China afirma o “socialismo chinês” como caminho para a construção desta “comunidade”.

 

As perspectivas mais razoáveis indicam que a elite judaico-cristã não deve, contudo, acomodar passivamente a expansão da experiência chinesa nos anos vindouros. A “guerra fria” entre a Ásia nuclearizada e o Ocidente deve se acentuar até que, eventualmente, alguma centelha espalhe a guerra, a fome e a doença pelo mundo.

 

A despeito de aumento provável da instabilidade mundial nos próximos anos, a China conta com uma “arma” que, frente ao Ocidente, a transforma em “novo Rei Davi” – a imensa população. Considerando-se que a guerra na atualidade compreenda emprego de armas biológicas com elevada seletividade, a concentração de chineses no território nacional representa fragilidade em contexto de elevação de rivalidades. Como contramedida, não se pode descartar que a estratégia de internacionalização chinesa leve a aceleração na inseminação da genética e da cultura chinesas no mundo ocidental.

 

O objetivo do presente artigo é estimar os efeitos sobre a Europa, África, Austrália e Américas do espalhamento populacional decorrente da internacionalização do “modelo chinês” no século 21.

 

Conforme se pode concluir, a expansão econômica chinesa deve levar o Ocidente a lentamente absorver o patrimônio e a cultura oriental, transformando-se profundamente. Com isso, a “guerra fria” que se anuncia para os próximos anos pode ser mantida em níveis toleráveis pelos chineses, situando-a como etapa “datada” no século XXI frente a longo caminho a ser ainda percorrido por uma das mais antigas civilizações humanas.

 

O mundo das organizações

 

A dinâmica histórica do sistema-mundo depende das acelerações relativas entre as diferentes sociedades territoriais, medidas no indissociável processo de acumulação de poder-dinheiro. Ainda que as altas finanças se desprendam dos territórios, constituindo-se em classe mundializada, envolvimento em conflitos militares globais parece inevitável, o que por si só justifica esforço para formação de “alianças internacionais”.

 

No caso ocidental, as altas finanças e os principais complexos industriais-militares nacionais celebraram “alianças” desde o pós-guerra sob a liderança incontestável dos EUA. Ou seja, o judaico-cristianismo encontrou no “novo mundo” território seguro e promissor para assentar as bases ordenadoras do sistema-mundo sob a égide ocidental. Examinada de perto, o microfundamento da hegemonia norte-americana tem sido o sucesso das firmas, das organizações, em ambientes competitivos “liberalizados”.

 

Desde o pós-guerra os então oligopólios norte-americanos induziram, através de movimentos de concentração do capital, a formação de megacorporações ocidentais com atuação internacional. O gigantismo dos complexos industriais e financeiros ocidentais no início do século 21 corresponde a posição ocupada pelas respectivas elites regionais na hierarquia internacional. Com isso, tornou-se possível ao judaico-cristianismo, apesar de população relativamente escassa, afirmar-se como cultura hegemônica, mesmo frente a outras bem mais antigas e populosas.

 

Investimento direto chinês no Ocidente

 

A despeito da significativa discrepância entre fontes de dados sobre China, é possível se perceber enorme crescimento no fluxo de saída de recursos na forma de investimento direto desde 2004 (Figura 1). Ou seja, dispêndios para aquisição de controle de outras empresas, concessões públicas ou expansão industrial. A atuação chinesa tem se dado nas três frentes, com especificidades por continente.

 

A expansão do capitalismo chinês tem sido acompanhada de oferta de financiamento a juros reduzidos e prazos ampliados. Com isso, tem se tornado viável aos governos locais implementação de projetos de infraestrutura com efeitos imediatos sobre emprego, renda e crescimento econômico.

 

Chineses no mundo ocidental

 

A partir dos anos oitenta, a China iniciou reaproximação com o Ocidente, rompida desde a revolução maoísta dos anos quarenta. O marco inicial foi a liberalização para que estudantes se deslocassem para centros de ensino e pesquisa ocidentais com objetivo de formar massa crítica de conhecimentos para incremento de pesquisa autônoma.

 

A partir de 2004, com a adesão da China às regras da Organização Mundial do Comércio, iniciou-se expansão econômica transnacional. Com a elevação dos investimentos no estrangeiro, observa-se migração de chineses para as diferentes regiões do globo, com consequente alteração das características populacionais locais.

 

Na Tabela 1 pode-se perceber que os EUA possuem maior contingente de chineses fora da Ásia. Excluindo-se os vazios populacionais (desertos, altos de montanhas, áreas geladas), a densidade populacional de chineses no Peru, Venezuela, Nova Zelândia, entre outros, já pode ser considerada o suficiente para alterar composição demográfica.

 

No Canadá e na Austrália a população chinesa representa cerca de 5% da população total. Note-se que a transnacionalização das firmas ocidentais no pós-guerra não foi acompanhada de migração, limitando-se a quadros executivos de alto escalão e gerência de linha. Mesmo assim, os “estrangeiros” permaneceram nos países receptores de investimentos usualmente de maneira transitória, após a qual retornaram para seus países de origem. Este não tem sido o caso dos chineses, que usualmente levam quadros numerosos que se estabelecem no estrangeiro por mais longo período, miscigenando-se.

 

Exercício de diáspora chinesa

 

Como exercício teórico propõe-se que os chineses tenham se distribuído de maneira uniforme por toda terra egressa passível de ocupação humana no planeta. Ali encontram-se com populações locais, igualmente distribuídas em seus respectivos territórios.

 

Com estes parâmetros, estima-se a densidade populacional resultante de chineses a serem distribuídos pelo mundo em cerca de 39 chineses por km2 efetivos. Na Tabela 2 pode-se perceber que, diante de populações relativamente escassas, a expansão econômica chinesa deve levar a transformações significativas na composição étnico-cultural das populações residentes.

 

Estes efeitos são esperados de ocorrer mais intensamente nas Américas, na Oceania, na Europa e na África. A transformação das culturas locais parece inevitável, conforme se pode perceber na Tabela 2. No Brasil, seria esperada composição de até ¼ da população composta de sino-brasileiros após longo termo. Nos EUA cerca de 1/3 da população seria ou chinesa ou descendente de chineses!

 

Em síntese, o movimento de internacionalização dos interesses chineses a partir de 2004 tem conduzido a migração de força de trabalho para países receptores de investimentos. Indiscriminadamente, países centrais e periféricos sob a área de influência do Ocidente têm assistido à chegada de imigrantes chineses e, ao longo do tempo, transformam-se internamente.

 

Com isso, a expansão econômica chinesa, apesar de encontrar crescente oposição dos interesses ocidentais militarizados, deve se “imunizar” contra ameaças a sua integridade, cumprindo-se a estratégia de ocupação prévia dos “territórios inimigos”.

 

- Marco Aurélio Cabral Pinto é professor da Escola de Engenharia da Universidade Federal Fluminense, mestre em administração de empresas pelo COPPEAD/UFRJ, doutor em economia pelo IE/UFRJ. Engenheiro no BNDES e Conselheiro na central sindical CNTU. É colunista do Brasil Debate

 

http://brasildebate.com.br/a-expansao-chinesa-guerra-fria-e-miscigenacao-no-seculo-21/

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/189362?language=en
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