Questionamentos ao alívio francês com a vitória de Macron
- Opinión
A Europa respira aliviada, dizem os comentaristas internacionais, sobre a vitória do centrista Macron e a derrota da ultra-direitista Marine Len Pen na França. A esquerda francesa também parece ter se livrado de um peso, do risco de que parte do eleitorado de Melenchon se deixasse seduzir pelo discurso nacionalista, anti-globalização, anti-Otan e a favor da multipolaridade apresentado por Le Pen, numa espécie de camuflagem com posições tradicionalmente assumidas pela esquerda. A margem de vitória de Macron diz que isso não aconteceu, pelo menos de forma determinante. Os tempos revoltos da atualidade exigem, entretanto, leituras não-lineares e interpretações mais livres do rigor ideológico. Será mesmo que o voto útil em Macron garantiu a salvação da Europa e da democracia?
Diante do alívio geral, na própria esquerda – na França e alhures – há quem contraponha outras leituras do resultado. Por isso compartilho as reflexões do jornalista Carlos Alberto Almeida, do Jornal Popular, impresso em Brasília e distribuído gratuitamente. Beto Almeida, como é conhecido, é um provado militante de esquerda, um intelectual aplicado mas livre de filiações partidárias e alinhamentos automáticos. Diz ele, nesta manhã em que a França respira aliviada:
“A TV Globo mostrou as bandeiras da oposição síria, vinculada ao terrorismo, tremulando em Paris nas comemorações da vitória de Macron, o candidato da Otan, que já anunciou que dará seguimento à guerra contra a Síria e ao curso de liberalização da economia e do mercado de trabalho francês. É bem provável - há que examinar os mapas eleitorais - que parte dos eleitores de Melenchon tenham votado no candidato do Banco Central Europeu, tal como aquele vasto seguimento da esquerda francesa que apoiou a ação da Otan contra a Líbia e também apoia ações contra a Síria. Voltando no tempo, o Partido Comunista Francês apoiou decididamente o massacre que o imperialismo francês realizou na Argélia, sendo no entanto derrotada pela legitimidade da Revolução Argelina, que aliás, contou com o apoio da Revolução Cubana, contra a linha do PCF.
O que se revela, uma vez mais, é a existência de uma esquerda europeia otanista que, tal como o conservador Fernando Gabeira comentou hoje na CBN, se sente aliviada com a vitória de Macron, identificando este resultado eleitoral como avanço civilizatório, embora signifique, na prática, que as terríveis medidas de Macron contra a Síria, o Iraque, a Líbia, o Mali, já praticadas no governo conservador de Hollande, vão continuar. Entre elas, o apoio à agressividade da Otan contra a Rússia e o terrorismo social que flexibiliza e destrói direitos trabalhistas e postos de trabalho, como recentemente ocorreu com a desnacionalização da Alston.
Macron apoia a Otan, enquanto a candidata derrotada queria tirar a França da Otan. A derrotada propunha realinhamento multipolar da França na política externa, o que significa diálogo e cooperação com a Rússia, de quem a França já tem forte dependência na área energética. O candidato vitorioso promete dar seguimento à “russofobia”, mas há quem os considere "farinha do mesmo saco".
Gabeira iniciou seu comentário de hoje dizendo: "a Europa respira aliviada com a vitória de Macron". Mas o que ele faz é identificar os interesses das altas finanças europeias como se representassem os povos europeus. É a mesma campanha midiática que criou uma barreira fascistóide para que a Grécia não rompesse com a União Europeia. É interessante mergulhar nas ideias que estão em jogo, confrontar os argumentos, indo muito mais além, do que dar razão à Globo e à grande mídia capitalista. Afinal, é esta mesma mídia que apoia as agressões da França e da Otan contra outros povos, fomentando a emigração desesperada e dela fazendo uso para rebaixar salários dos trabalhadores franceses. A mesma mídia que deseja a França longe da Rússia e dento do Tratado de Maastrich.
Por que seria justa, agora, a linha editorial da Globo e da mídia ocidental no apoio a Macron?.
Perguntas instigantes, respostas talvez desconcertantes. Na contramão, outros diriam que a vitória da direitista Le Pen traria o xenofobismo, o racismo, o risco do fascismo, que entretanto vai assumindo novas formas de ser e agir dentro das democracias ditas liberais. Mas como ela perdeu, não dá para saber o que seria seu governo. Já o de Macron é bem previsível. Será de mais do mesmo, como diz Almeida.
- Tereza Cruvinel, colunista do 247, é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País
8 de Maio de 2017
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