A reforma agrária às avessas do governo Temer
- Opinión
Dois motivos levaram Michel Temer à presidência da República. Primeiro, garantir imunidade e proteção para seus correligionários e sócios em diversos esquemas de enriquecimento ilícito, como tão francamente revelador o senador Romero Jucá. Segundo, realizar o mais rápido possível reformas que beneficiam única e exclusivamente os setores do capital que financiaram a campanha pelo impeachment. Com razão, chamam mais atenção a chamada PEC do Fim do Mundo, que congela todos os gastos – menos o pagamento aos banqueiros –, e a Reforma da Previdência. Porém, junto com elas, outras ações que retrocedem conquistas sociais. A reforma agrária é um destes alvos da ofensiva do Planalto.
Obviamente, não se deveria esperar nenhuma medida real de desconcentração de terras e assentamento de pequenos agricultores em um governo cujo próprio mandatário possui uma área correspondente a 1,5 mil campos de futebol, em nome de um “laranja”. Tampouco se considerarmos que o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) foi loteado para o partido Solidariedade, como agradecimento pelo apoio ao impeachment na Câmara dos Deputados. O presidente do partido de Paulinho da Força responde por irregularidades que somam R$ 3 milhões num projeto de assentamento do Banco da Terra. Além de ajeitar a vida de amigos e partidários, Paulinho pretende usar o órgão como instrumento para a criação do braço rural de sua central sindical.
Assim como todas as áreas sociais, a reforma agrária também sofreu cortes. O programa de assistência técnica abandonará 400 mil famílias, atendendo apenas outras 50 mil. O Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) sofreu uma redução de R$ 478 milhões para R$ 294 milhões, diminuindo de 91,7 mil para 41,3 mil no número de famílias atendidas. E a aquisição de terras para a reforma agrária perdeu 52% de seu orçamento, reduzindo a meta de 174 mil hectares para apenas 27 mil hectares.
Até aqui, o fisiologismo e os cortes sociais são a marca deste governo, juntamente com a repressão policial. Porém, a novidade em relação à reforma agrária é que o governo Temer pretende subverter completamente sua lógica e natureza: ao invés de democratizar o acesso à terra, o Incra fará uma “reforma agrária” às avessas, ampliando a concentração e a desnacionalização das terras.
Isto, graças a duas medidas. Primeiro, a titulação dos assentamentos de reforma agrária. Hoje os beneficiários dos projetos de assentamentos recebem uma concessão de uso da terra. Ou seja, têm a posse da terra e podem passá-la para os filhos. Mas não podem mercantilizar a terra, pois a propriedade é da União e o entendimento dos movimentos populares é de que ela, como bem da natureza e com a finalidade da produção de alimentos, não pode ser reduzida a mercadoria e submetida aos “humores do mercado”. Com a titulação, os assentamentos receberão a escrituras das terras, se tornarão proprietários. Porém, primeiro, terão de pagar o preço de mercado atualizado por terras que antes da reforma agrária valiam muito pouco e não possuíam infraestrutura. Segundo, deixarão de ser beneficiários dos programas específicos, antes de consolidarem estes projetos de assentamentos. Ou seja, ao ser titulado sem infraestrutura, como estradas para escoar a produção, o assentado fica apenas com a dívida e inviabilizado economicamente, em pouco tempo venderá as terras e irá engrossar os bolsões de miséria nas cidades.
A outra medida que subverte não apenas a reforma agrária, mas a soberania nacional, é o projeto que autoriza a compra de terras por estrangeiros. O projeto é de autoria da bancada ruralista e deverá ser aprovado com o apoio do Planalto, permitindo que empresas estrangeiras adquiram com facilidades e sem sócios brasileiros terras em qualquer parte do território, incluindo a faixa de fronteira que era considerada estratégica pelo exército.
Num primeiro momento, terras que não cumprem sua função social deixarão de ser aproveitadas para a reforma agrária, pois entre a venda para empresas e a desapropriação pelo Estado, a tendência é que os fazendeiros optem pela primeira à burocracia e lentidão proposital da segunda. Mas, pior, significará na prática que o país abrirá mão de sua soberania alimentar, ou seja, de decidir o que plantar, transferindo esta decisão para a lógica do lucro do mercado. Esta situação já foi vivida no estado de São Paulo, quando 50% das lavouras de feijão foram substituídas pelo plantio da cana-de-açúcar para etanol, desabastecendo os supermercados, mas enchendo os tanques de combustíveis.
Sem popularidade, ocupando um cargo de maneira ilegítima e sustentado apenas pelos acordos fisiológicos que o levaram ao Planalto, Temer tem pressa. Precisa acelerar todas as reformas e compromissos que assumiu, seja porque as bases do fisiologismo são voláteis e insaciáveis, seja porque a cada dia um integrante do seu governo é envolvido em novas denúncias. No caso da reforma agrária, além das 350 mil famílias já assentadas, as medidas de Temer inviabilizarão a democratização do acesso à terra para os 4,5 milhões de famílias de pequenos agricultores brasileiros.
- Miguel Enrique Stédile é da coordenação Nacional MST.
8/dez/2016
http://www.sul21.com.br/jornal/a-reforma-agraria-as-avessas-do-governo-temer/
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