Agora sim, EBC aparelhada e chapa-branca

Governos autoritários começam sua escalada pelas questões simbólicas, a comunicação e a cultura.

02/09/2016
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Surgiu hoje, por medida provisória, a TV do Temer, no lugar da TV Pública.

 

Governos autoritários começam sua escalada pelas questões simbólicas, a comunicação e a cultura. Quando virou presidente interino, em maio, os primeiros ataques de Temer foram à EBC e ao Ministério da Cultura. Efetivado, consuma o desmonte do projeto de comunicação pública com uma medida provisória que desfigura a EBC, tirando-lhe a natureza de empresa gestora de canais independentes do governo e controlados pela sociedade civil. Canais públicos, que agora não podem mais ser chamados por este nome. Canais da sociedade, como os que existem em democracias que respeitam a pluralidade e a diversidade de conteúdos como elementos formadores da cidadania. Esta medida obscurantista, autoritária e regressiva merece o repúdio da sociedade e exige uma mobilização para que o Congresso não perpetre mais este crime contra a democracia. Como primeira diretora-presidente da EBC, responsável por sua implantação e direção nos primeiros quatro anos, conclamo à resistência todos os que, desde 2006, empenharam-se na construção de uma empresa destinada a cumprir o preceito constitucional do artigo 223, que garante a coexistência complementar entre canais privados, estatais e públicos.

 

A medida provisória assinada pelo presidente em exercício Rodrigo Maia, que Temer já tinha pronta desde que foi obrigado a engolir a liminar do ministro Dias Toffoli, reconduzindo o diretor-presidente que demitira ilegalmente, porque tinha mandato, suprime os artigos que conferiam a essência da EBC como gestora de comunicação pública. Não haverá mais mandato fixo para o diretor-presidente; o Conselho Curador, composto majoritariamente por representantes da sociedade, deixa de existir; somem da lei as garantias de independência da programação em relação ao governo federal.

 

O mandato do diretor-presidente foi fixado na lei como garantia de sua independência, não de emprego. Existia para que o maior gestor, não temendo represálias do governo de plantão, garantisse a autonomia da TV e demais canais públicos, só perdendo o cargo caso recebesse dois votos seguidos de desconfiança do Conselho Curador. Ou seja, seu patrão, em matéria editorial, deve ser o Conselho, não o governo. A este cabe o controle de questões administrativas, como o orçamento, tendo a obrigação de financiar a comunicação pública porque ela é serviço à sociedade.

 

O Conselho Curador da EBC é composto majoritariamente por representantes livremente indicados por segmentos sociais. Existe em todas as instituições similares do mundo democrático. Existe para exercer a vigilância, em nome da sociedade, sobre os rumos da programação, sobre sua independência e o cumprimento de suas finalidades educativas, culturais e informativas. Sem Conselho, a EBC volta a ser a Radiobrás: uma agência governamental, destinada a produzir conteúdos oficialescos. Agora sim, a EBC estará aparelhada e sua linha editorial será chapa branca. A TV Brasil deixa de ser TV Publica e torna-se de TV do governo federal. Que, por sinal, já tem sua televisão, a NBR. Agora terá duas.

 

A MP alterou os artigos que falam da independência dos canais e estabeleceu que os diretores, reduzidos de seis para quatro, serão nomeados pelo próprio presidente da República. Eles, como o diretor-presidente, estarão lá para servir ao senhor do Planalto. Diante de qualquer contrariedade, exoneração neles, pois o que não falta é geste disposta a servir ao poder.

 

A segunda exoneração do diretor-presidente Ricardo Melo também configura um atentado jurídico e um desrespeito ao STF, que o reconduziu por medida liminar ao cargo depois da primeira demissão, em maio, quando Temer virou presidente interino. Ele foi reconduzido mas dezenas de gestores já haviam sido demitidos, e profissionais contratados, do jornalismo da TV e das rádios, tiveram seus contratos suspensos de forma ilegal, através de recados grosseiros e até mesmo, como no meu caso, de interdição do acesso aos estúdios. Por sinal, construídos em minha gestão, na sede inaugurada em 2010. A nomeação de Ricardo foi e continua sendo um ato jurídico perfeito, uma vez que, quando ocorreu, vigia plenamente a Lei 11.652/2008. A lei, nem medidas provisórias com força de lei, podem retroagir para suprimir direitos.

 

Durante oito anos, e especialmente durante os quatro em que fui presidente, liderando o esforço pioneiro de tantos outros que acreditaram no sonho da TV pública e da comunicação pública, a mídia privada e adversários do projeto mantiveram o fogo cerrado e alto. Tudo aquilo, diziam, estava sendo construído para servir ao terceiro mandato de Lula, que ele nunca tentou obter através de mudança constitucional. Depois, tudo se destinava a manter o PT no poder. Qualquer espirro dentro da EBC era divulgado como crise, como sinal de fracasso do projeto. Os conteúdos foram severamente vigiados, e isso foi bom. A TV Brasil e as rádios têm programação alternativa de boa qualidade, e isso não será jamais medido pela audiência, nem aqui nem em outro pais. Seria simples obter audiência faltando à natureza da programação. Bastaria torrar dinheiro do orçamento contratando grandes comunicadores, segundo o padrão da mídia privada. Não era esta a finalidade, e sim oferecer diversidade, seja nos conteúdos jornalísticos ou culturais. E isso foi feito.

 

Agora, quando a EBC é desfigurada, tornando-se aquilo que a mídia privada sempre a acusou de ser – um monstrengo a serviço da publicidade oficial – espero que a vigilância e a crítica se mantenham. Que observem o jornalismo da TV Brasil, das rádios e da agência Brasil. Que apontem os assuntos divulgados e omitidos. Que destaquem o tempo reservado ao governo e o tempo zero que será destinado para outras opiniões. Espero que identifiquem o viés ideológico de cada gestor, como sempre foi feito. E, por favor, não chamem mais a TV Brasil de TV Pública, nem designem como tais os outros canais. Eles agora são oficiais, governamentais, estatais. Qualquer coisa, mas não públicos. 

 

- Tereza Cruvinel, colunista do 247, é uma das mais respeitadas jornalistas políticas do País

 

2 de Setembro de 2016

http://www.brasil247.com/pt/blog/terezacruvinel/253156/Agora-sim-EBC-aparelhada-e-chapa-branca.htm

 

https://www.alainet.org/pt/articulo/179973?language=en

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