2016, uma nova síntese
- Opinión
Para quem já está há algum tempo na estrada e acompanhou/viveu as últimas décadas na militância política e partidária, viu muitos acontecimentos, sonhou/sonha com mudanças, sabe que é hora de uma nova síntese, sob pena de naufrágios e/ou retrocessos. (Acabei de ler/devorar Os Vencedores – A volta por cima da geração esmagada pela ditadura de 1964 -, de Ayrton Centeno, Geração Editorial, livro que nenhum militante ou dirigente pode deixar de ler. Uma nova síntese pareceu-me ainda mais urgente, necessária e possível.)
Nos anos 1960/1970, colocava-se no horizonte e no sonho (quase) imediato o socialismo. Depois, viu-se que não era tão simples: o socialismo não estava na porta nem era para a manhã seguinte. No processo de redemocratização, construiu-se, com muito debate político, o programa democrático-popular, à luz das experiências de organização e participação popular, das práticas de economia solidária, de muitas lutas, greves e ocupações, e o cimento da educação popular freireana. Começou-se sua implementação nos governos populares, através do Orçamento Participativo (OP), de políticas públicas voltadas para os pobres e trabalhadores e com protagonismo das classes populares.
A chegada no governo central em 2003 colocou novos desafios e, principalmente, colocou limites no programa democrático-popular. A necessidade de alianças à direita, o jogo no Congresso, as relações com o grande capital nacional e internacional, as mudanças no mundo, tudo levou à implementação de um programa sócio-(ou neo) desenvolvimentista: prioridade para o mercado interno, políticas públicas com participação social, soberania nas relações internacionais, com ênfase nas relações Sul-Sul. Era/é muito mais avançado que o neoliberalismo então reinante, mas não era/é o programa democrático-popular.
Avançou-se muito. Segundo estudo do IPEA, a situação de extrema pobreza teve redução de 63% nos últimos dez anos. Em 2014, apenas 2,48% dos brasileiros estavam na extrema pobreza. O índice de Gini, que mede a desigualdade, caiu anualmente, e de forma inédita nos quinhentos anos da história brasileira, de 0,54 em 2004 para 0,49 em 2014. O salário mínimo teve valorização real de mais de 70%. O desemprego caiu a índices de quase pleno emprego. O filme Que Horas ela volta, de Anna Muylaert, retrata com perfeição as mudanças em curso e o conservadorismo da elite e da classe média brasileiras.
Os limites do sócio-(neo)desenvolvimentismo tornaram-se evidentes a partir de 2011, quando as forças conservadoras e midiáticas travaram avanços e reformas necessárias, desembocando na crise de 2014/2015, somado a desvios éticos e processos de institucionalização de partidos, políticas, governos e até de movimentos sociais.
O capital financeiro tomou conta do Brasil e do mundo a partir da crise de 2008. A crise está na Europa, atravessou os EUA e o Japão e agora está batendo no BRICS – Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul. A crise econômica, social e política também está chegando na América do Sul, onde, ineditamente, governos populares e progressistas avançaram em soberania, conquistas sociais e participação popular, com democratização do Estado e da sociedade. O capital não perdoa.
2016 e os próximos anos exigem uma nova síntese, antes que volte o neoliberalismo predador e suas variantes. Mas, vamos deixar claro, a nova síntese não está nem sairá dos governos progressistas e populares, embora estes possam/devam dar sua contribuição, seja por seus acertos, seja pelos equívocos. A nova síntese está/sairá nas/das ruas, como demonstraram os jovens nas manifestações por reformas em 2013, do exemplo de luta dos estudantes que ocuparam escolas em São Paulo, dos trabalhadores que fazem greves e lutam por mais direitos, dos partidos que pensam um projeto de sociedade e de desenvolvimento, dos sem-terras ocupando latifúndios, dos agricultores familiares que propõem/experimentam formas de produção cooperativas e agroecológicas, das práticas de economia solidária, das formas inovadoras de participação social na construção de políticas públicas, dos espaços acadêmicos que pensam o Brasil e o futuro, dos educadores populares e suas práticas de liberdade e conscientização. Está/sairá onde sempre estiveram/saíram os projetos de transformação, e por onde e como construiu-se o projeto e o programa democrático-popular nos anos 1980/1990: com luta, organização na base, estudo, debate político e formação.
2016 pode ser uma luz no fim do túnel, um passo adiante. A crise gera/cria oportunidades. Ou não. O Fórum Social Temático, que começará um balanço de 15 anos do Fórum Social Mundial, e acontecerá em Porto Alegre de 19 a 23 de janeiro, junto com o Fórum Social de Educação Popular, o Fórum Mundial de Educação, entre outros Fóruns e eventos, e antecedendo o Fórum Social Mundial em agosto no Canadá, é um bom espaço e antessala para fazer este debate e juntar forças.
Estudo, formação, diálogo, partir da realidade das práticas, experiências e avanços, Frentes como a Brasil Popular ou Povo Sem Medo são fundamentais para a construção e formulação histórica de uma nova síntese. Uma nova síntese que exige reformas estruturantes, prometidas desde as Reformas de Base de 1964.
Um outro mundo possível está-se apresentando e pedindo passagem.
- Selvino Heck é Assessor Especial da Secretaria de Governo da Presidência da República.
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