Crise política brasileira: o novo não surgirá imediatamente
- Opinión
“Estamos numa crise de hegemonia e ela se aprofundou, no sentido de que ninguém está se apresentando com condições visíveis de dar uma direção para o país”, afirma o diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas - Ibase.
“Podemos estar mergulhando em uma crise longa, e aí que está o perigo, porque não tem alternativa, não é uma crise gerada pela disputa de hegemonia, é uma crise gerada pela falta total de hegemonia. Ninguém tem direção para oferecer algo melhor”, diz Cândido Grzybowski à IHU On-Line, ao avaliar a atual conjuntura política do país.
Descrente de alternativas que possam surgir imediatamente, inclusive das Frentes de Esquerda, Grzybowski é enfático: “certamente a construção de uma nova onda democrática é tarefa para 20 a 30 anos”, porque “não há nenhum grupo, nenhuma força política com condições de, no momento e com legitimidade adquirida, tomar a frente”, dada a “perda de rumo” e o “vazio de propostas consistentes de qualquer lado que se olhe”.
Na entrevista a seguir, concedida por telefone, Cândido Grzybowski também comenta as investigações da Operação Lava Jato e questiona quais seriam as bases para fundamentar o impeachment da presidente Dilma. “Será que o Congresso arriscará votar o impeachment? (...) Não sei se isso é evidente, porque levaria o PMDB, por exemplo, a se autocondenar”, pontua. Na avaliação dele, “há uma dificuldade política para decidir acerca do impeachment, no sentido da legitimidade institucional de não atropelar as instituições. Se chegarmos a essa situação, nada impede que surjam outras coisas. Não sei até que ponto os atores políticos, desgastados como estão, querem enfrentar uma situação que foge do controle deles e que os envolve, inclusive”.
Cândido Grzybowski (foto abaixo) é graduado em Filosofia, na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ijuí, Rio Grande do Sul, mestre em Educação pela PUC-Rio e doutor em Sociologia pela Sorbone, Paris. É diretor do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas – Ibase.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - Como o senhor analisa o atual cenário da política brasileira? O que está acontecendo?
Cândido Grzybowski – A conjuntura está cheia de fumaça, então, vemos pouco. Há muita confusão, uma espécie de “tiroteio para todos os lados”, e ninguém sabe muito bem como se posicionar, porque há uma perda de rumo, um vazio de propostas consistentes de qualquer lado que se olhe, basta ver as propostas do PSDB na sua Convenção, as ações de Eduardo Cunha e Renan Calheiros. Então, como primeiro item do cenário político, vejo que há confusão. Como segundo item, diria que os atores políticos não estão conseguindo defender uma agenda mínima articulada; cada um tem a sua agenda. Nesse sentido, a confusão pode ser explicada também pelo fato de que os eleitos estão perdendo a capacidade de ver o que a sociedade quer — estou falando do conjunto de forças da situação e oposição.
Estamos numa crise de hegemonia e ela se aprofundou, no sentido de que ninguém está se apresentando com condições visíveis de dar uma direção para o país. É claro que Dilma foi legitimamente eleita e a oposição tem um papel a exercer, mas todos estão sem ideia do que fazer, o que leva a parecer que a iniciativa de fazer algo está com o Judiciário ou com a Operação Lava Jato. A investigação está seguindo sua lógica processual e pode resultar em bem para o país, e é uma conquista democrática tornar claro o que está acontecendo, mas a corrupção já acontecia antes. Pode ser que a proporção agora seja maior porque o país cresceu, as empresas cresceram, mas o financiamento empresarial corrupto e corruptor não é novidade.
Não há nenhum grupo, nenhuma força política com condições de, no momento e com legitimidade adquirida, tomar a frente. Diria que, se fosse há quatro anos, isso já se anunciava, quando Marina aparecia como uma alternativa, mas ela também foi consumida pelo próprio fogo.
IHU On-Line – Em que sentido há dificuldades de se posicionar?
Cândido Grzybowski – Em geral. Não estamos gostando do ajuste fiscal, mas o que fazer no lugar? Escrevi uma crônica sobre o desmanche de direitos, porque esse é um sentido claro do ajuste. Os ajustes no capitalismo são contra direitos conquistados, mas quem promove o ajuste pode fazer diferente. O governo eleito, por exemplo, está promovendo esse ajuste, e talvez fosse dez vezes pior com Aécio. Agora a oposição diz que foi feita uma usurpação da agenda, ou seja, eles não têm outra coisa a fazer a não ser aprofundar essa situação. Mas o fato é que esse ajuste não vai resolver a situação econômica, a não ser gerar uma recessão no país.
Do ponto de vista institucional, ninguém legitimamente eleito está reivindicando a volta da ditadura, porque há um consenso mínimo de se preservar a institucionalidade, que foi dura para conquistar. Mas, por outro lado, como não há um pacto de governabilidade mínima, cada um tenta defender o seu. Cunha está evitando que a Operação Lava Jato chegue a ele, porque na verdade já chegou, mas na condição de presidente da Câmara dos Deputados ele pode impedir que isso apareça, já que para condená-lo a decisão tem de passar pelo Congresso, que não vai deixar isso acontecer porque Cunha conseguiu criar uma série de articulações.
Em outros momentos já tivemos o “salvador da pátria”. Collor, que hoje é uma figura insignificante na política, à época ganhou a eleição nesse sentido. Naquela época se resolveu o problema pelo impeachment. Hoje, qual é a base para o impeachment?
IHU On-Line - Há possibilidade de impeachment, dadas as investigações da Operação Lava Jato?
Cândido Grzybowski – Vários políticos receberam dinheiro para financiamento de campanhas. Agora, qual é o dinheiro de propina e qual não é? O que fica claro com a Operação Lava Jato é que o financiamento de campanha era uma lavadora de dinheiro. O fato é que a empresa lavou dinheiro, mas doou legalmente para candidaturas individuais e para partidos. Então, a base para o impeachment seria a Justiça Eleitoral, mas neste caso basta um juiz fazer o que se fez quando a OAB entrou com um pedido para decidir se é ou não legítimo que as empresas financiem as campanhas — porque pela Constituição isso não está claro —, ou seja, pedir vista do processo e a decisão nunca sair. Estou falando de situações legais, mas não legítimas.
Estou dizendo que a institucionalidade que temos, para poder funcionar, tem de respeitar regras e a regra de impeachment é difícil de quebrar. Pode quebrar a regra pelo TCU, se ele não aceitar as contas do governo, mas aí passa pelo Congresso, porque o TCU é um órgão auxiliar do Congresso, que o subsidia. Mas será que o Congresso arriscará votar o impeachment? A via do TCU é possível, mas para isso precisa se criar uma maioria para aprovar a decisão e não sei se isso é evidente, porque levaria o PMDB, por exemplo, a se autocondenar.
De outro lado, a situação mudaria muito se houvesse um grande movimento pelo impeachment, porque um movimento tem mais legitimidade no sentido de criar um impasse político maior, de pressão, e isso o Congresso entende. Se houvesse um grande movimento para o impeachment, o Congresso entenderia. Mas por que o Congresso não “colou” nas manifestações de rua, mesmo aquelas que foram contra a Dilma? Essa é uma questão que temos de nos perguntar. Não “colou” porque as manifestações não tiveram consistência, não foram feitas por militantes, foram feitas por cidadãos que não sabiam o que estavam fazendo direito. Há um mal-estar, sem dúvida, mas mal-estar não cria hegemonia, como se criou contra Collor.
Portanto, há uma dificuldade política para decidir acerca do impeachment, no sentido da legitimidade institucional de não atropelar as instituições. Se chegarmos a essa situação, nada impede que surjam outras coisas. Não sei até que ponto os atores políticos, desgastados como estão, querem enfrentar uma situação que foge do controle deles e que os envolve, inclusive.
IHU On-Line - Nesta crise política, fala-se na possibilidade de adotar um sistema parlamentarista. Essa lhe parece uma solução adequada ou não? Por quê?
Cândido Grzybowski – Não acho que seja com esse Congresso, tal como foi eleito. Falando politicamente do que é legítimo e ilegítimo, houve uma decisão num contexto particular em que a cidadania se manifestou claramente contra o parlamentarismo. Então, para instalar o parlamentarismo, tem de atropelar uma vontade popular expressa naquela época. Será que a população hoje aceitaria que o Congresso fizesse uma emenda constitucional estabelecendo o parlamentarismo? Isso não está na demanda da rua. Isso pode significar um aprofundamento da crise, com Cunha e seus 400 acólitos.
A decisão da redução da maioridade penal foi atropelada. Mas uma coisa é atropelar algo como essa lei, outra é atropelar o centro da institucionalidade. Acho que Cunha não tem condições de fazer isso, embora ele seja o único que possa fazer. Apesar disso, tem a questão da legitimidade. Não sei se a sociedade quer o parlamentarismo, ou seja, não existe debate sobre isso.
Existe mais um debate sobre impeachment do que sobre parlamentarismo. Esse tema é levantado por alguns especialistas e, talvez, se adotássemos o parlamentarismo, o governo mudaria sem crise. De fato, no parlamentarismo esse tipo de crise que estamos vivendo já teria sido resolvido: se não tem maioria no Congresso, muda o governo, porque ele é derivado do Congresso, enquanto no sistema presidencialista há o Congresso e o presidente.
Novidade
O que temos de novidade é o Congresso agindo com mais autonomia — agindo da forma mais esdrúxula, mas o fato é que está tendo mais autonomia. Os dois presidentes, da Câmara e do Senado, estão ocupando um vazio para se defender, porque os dois estão envolvidos na Operação Lava Jato, e eles fazem isso porque têm mais poder que a presidente, porque para processá-los é preciso passar pelo Congresso. Cunha atropela o próprio partido; Renan talvez atropele menos, mas está querendo sua autonomia. Eles têm interesses pessoais e não interesses públicos. Eles não querem ir para o ostracismo se forem condenados. Mas se chegar a pauta de condená-los, o Congresso fará isso?
Crise de hegemonia
A grande questão é a crise de hegemonia. O que Lula disse recentemente sobre o PT é algo que já estamos dizendo há muito tempo. Esse projeto que num certo sentido ganhou a eleição, não consegue ter ânimo, porque está esgotado enquanto projeto. É isso que eu chamo de crise de hegemonia. São situações extremamente perigosas na política, basta ver exemplos dos últimos séculos: é assim que se criou Hitler, Mussolini, Vargas — mas Vargas com mais legitimidade, porque ele surgiu no vazio que a hegemonia do café com leite deixou, e rapidamente formulou um projeto industrial e criou a lei trabalhista, ou seja, criou legitimidade, embora tenha se inspirado no fascismo, porque a lei trabalhista brasileira é inspirada na lei do lavoro italiana. Mas, numa sociedade em que não se tinha direitos, Vargas garantiu direitos e criou um populismo com grande impacto político, que alavancou a industrialização brasileira.
IHU On-Line – O senhor vislumbra o risco de surgir um governo autoritário, dada essa falta de hegemonia?
Cândido Grzybowski – Não há nada claro agora, mas o fato é que sempre que há um vazio, aparece um salvador da pátria. Mussolini veio do nada.
IHU On-Line – E quais as razões do cenário de fumaça?
Cândido Grzybowski – A razão é não terem sido feitas as mudanças que a sociedade requeria. Certas bonanças do crescimento adiaram isso, mas, à medida que a bonança passa, volta essa discussão. Não diria que Lula enganou a sociedade ao ter sido eleito, porque ele divulgou a Carta aos Brasileiros, mas ele foi eleito para além da agenda de Fernando Henrique, que foi uma agenda de estabilização do país. Eu diria que aquele período foi importante, porque o país vivia num caos de falta de hegemonia. A democratização, com as Diretas Já, criou hegemonia, foi o grande momento de se definir a democracia. Claro que se queria uma Constituinte exclusiva, a qual não conseguimos, mas, bem ou mal, saiu uma Constituição interessante. Depois da eleição, o governo Sarney foi um pouco espúrio em relação à dívida, mas ele se legitimou porque havia uma institucionalidade mantida da democracia conquistada, porque haveria uma crise se ele não assumisse. Mas ele se mostrou pequeno.
A Constituição deu uma base, mas ela não deu a solução política, e a eleição elegeu um salvador da pátria, que foi um desastre. Apesar disso, o governo Sarney foi um governo de unidade, porque o PMDB ganhou em praticamente todos os estados, tinha maioria total no Congresso, mas havia também as forças que vinham da luta contra a ditadura, dentro do PMDB, que eram profundamente comprometidas com a radicalidade democrática, e isso permitiu a elaboração da Constituição.
Em seguida, o governo Collor foi um susto. Porém mais tarde, com Fernando Henrique, que é mais ligado com a tradição democrática, criou-se um plano de estabilidade que deu certo e trouxe certa tranquilidade ao país, e a transição foi feita democraticamente.
Agenda dos anos 80
Só que Lula foi eleito para uma agenda que vem dos anos 1980, de um país includente, que enfrenta as injustiças, para fazer a reforma agrária que não estava sendo feita. Quanto disso foi feito? A opção por manter a mesma estrutura e a mesma lógica, com condicionalidades sociais, funcionou enquanto o mercado externo estava favorável, mas se renunciou a fazer reformas no sentido de radicalizar a universalização do acesso à saúde e à educação, por exemplo. Claro, foram criadas as cotas, ampliou-se o ensino universitário, mas uma grande parte disso se deu através do financiamento do ensino privado, ao invés de financiar o ensino público. A demanda era educação de qualidade pública. A expressão de 2013 não foi “padrão Fifa”? Não disseram nas ruas que não queriam carros, queriam mobilidade pública? Esse é o latente e essa é uma geração que nasceu depois da democratização, mas era isso que estava na agenda dos anos 1980.
O problema é que o PT frustra esse ideal, renuncia a ele, mas o PT foi construído para atender a esse ideal. O PT se propõe a fazer um país mais justo, mais democrático, mas não fez um país mais justo. Melhorou a vida das pessoas porque a economia cresceu, mas não mudou a lógica. O patamar da pobreza mudou, mas a pobreza é uma relação, não é uma cesta básica. A cesta básica poderia ser dada ao meu avô, ao meu pai, porque naquela época não se tinha alimento suficiente, mas hoje nós estamos falando de um dos maiores produtores de alimentos do mundo que apenas chegou à cesta básica. É isso que queremos, ou queremos outro tipo de agricultura?
O que aconteceu com saúde? Não foi o governo do PT que elogiou o fato de as pessoas poderem ter acesso a planos de saúde ao invés de universalizar a saúde? O que é melhor: poder pagar um plano de saúde ou ter hospital público e posto de saúde da família que atenda todo mundo? A saúde foi transformada em negócio, assim como o transporte. Nesse sentido de reformas, não avançamos nenhum palmo, ao contrário, passamos a produzir quatro milhões de carros, engarrafamos as cidades.
IHU On-Line - Hoje se tem clareza do que significou a “Carta ao povo brasileiro” de 2001?
Cândido Grzybowski - Lula não mentiu porque assinou aquela carta, mas nós votamos nele naquele momento porque pensávamos que a carta era uma tática eleitoral.
IHU On-Line - Numa entrevista que nos concedeu no ano passado, o senhor comentou que a questão era saber se o PT iria conseguir se renovar. Considerando o 5º Congresso do PT e as propostas de Frente de Esquerda que surgem a partir do partido, já é possível vislumbrar algo sobre essa renovação?
Cândido Grzybowski – Eu não acredito mais nisso. Estou vendo e acompanho o movimento de Tarso Genro, mas não acredito que o PT tenha condições de se renovar e o pior é que não vejo o PSOL sendo alternativa. Marina talvez fosse a pessoa que melhor poderia renovar o projeto do PT; ela vinha do lado popular-democrático, que tinha dificuldade de conviver com o lado mais sindical ligado ao grande negócio, porque o PT é dessa composição.
Não sei se você conhece um texto meu, escrito em 2004, durante o segundo ano do governo Lula, intitulado “Cidadania encurralada”, o qual afirmava que os democratas e os movimentos sociais estavam no poder sem ter o poder. Por causa disso, o governo foi dividido em duas partes: uma de negócio e outra social. Então, o Ministério do Desenvolvimento Social - MDS e o Ministério do Meio Ambiente foram dados para os democratas, os que vêm do setor popular, do setor social, das pastorais da Igreja. Marina, por exemplo, foi para o Ministério Meio Ambiente; já o Ministério da Agricultura, no governo Lula, foi coordenado por Roberto Rodrigues, que se intitulava Presidente da Associação do Agronegócio Brasileiro; e, em relação à reforma agrária, se fez reforma agrária para se dar para a esquerda do PT.
Governo partido
O PT foi um governo partido entre o social e o sindicalismo, quer dizer, os operadores sindicalistas. Até hoje, quem está à frente do Ministério de Indústria e Comércio? O chefe da Confederação Nacional da Indústria - CNI. Quem está à frente do Agronegócio? A nossa grande “amiguinha” Kátia Abreu, com muito dinheiro, dez vezes mais do que na agricultura familiar.
IHU On-Line – Já que não vê perspectiva de renovação no PT, o que vislumbra? Alguns falam da possibilidade de surgirem novos partidos, outros sugerem algo novo, sem vínculo partidário, como os círculos de cidadania, por exemplo. Como o senhor vê essas propostas neste momento?
Cândido Grzybowski – Talvez seja bom fazer essas imagens de comunidades de base, de grupinho de esquerda aqui e acolá, porque na minha visão o novo se cria em quase uma geração; não é de imediato. Então, nós podemos estar mergulhando em uma crise longa e aí que está o perigo, porque não tem alternativa, não é uma crise gerada pela disputa de hegemonia, é uma crise gerada pela falta total de hegemonia. Ninguém tem hegemonia e direção para oferecer algo melhor.
O PT perdeu porque renunciou em ser essa força hegemônica e hoje reivindica espaço, mas ele perdeu muito, perdeu base e espaço, e relutamos em apoiá-lo. Só apoiamos para não sermos golpistas, porque pode ser pior e vir um golpe. Assim, não creio que haja forças de renovação interna que sejam capazes de se renovar, mas posso estar errado. De todo modo, certamente a construção de uma nova onda democrática é tarefa para 20 a 30 anos.
IHU On-Line - Vamos aguardar mais 30 anos para ter acesso à universalização dos serviços básicos?
Cândido Grzybowski – Estamos completando 30 anos das Diretas Já, mas elas só surgiram da resistência dos anos 1970. Então, no mínimo, para surgir força com legitimidade de disputa com algum significado, vai levar de cinco a dez anos. Agora, para essa futura força ganhar hegemonia na sociedade, não sei quanto tempo vai levar. Claro que as coisas podem se apressar, claro que várias coisas podem acontecer porque história nós fazemos nas condições que temos e não nas ideais. Assim, os outros (oposição) podem mudar e errar muito, a conjuntura internacional ou global também pode mudar, há “n” variáveis aí.
IHU On-Line - Não vê perspectiva nem na Frente de Esquerda proposta por Tarso Genro?
Cândido Grzybowski – De imediato, não. Por que essa proposta só apareceu agora?
IHU On-Line - Por que não houve a possibilidade de surgir algo novo na última década?
Cândido Grzybowski – Porque os que surgiram, tipo Marina, acabaram expulsos, se sentiram sem condições de ir adiante. Provavelmente também houve os erros dela. Eu fui a uma reunião em São Paulo em que ela fazia uma espécie de consulta a esses setores de movimentos da sociedade civil, e eu fazia parte de um pequeno grupo que era contra a saída dela do PT. A proposta à época era de constituir isso que o Tarso propõe hoje, mas estamos falando de 2009, quando ela saiu do partido. Mas havia pessoas que defendiam a ida dela para disputa eleitoral e ela foi com o PV e aí mostrou oportunismo. Depois disso, mostrou oportunismo ainda pior ao se aliar com Eduardo Campos, mas quando ele morreu, ela virou candidata e se atrapalhou toda.
IHU On-Line - Existe alguma alternativa para essa falta de hegemonia?
Cândido Grzybowski – A sociedade pode surpreender sempre. Não creio que estamos na mesma situação que a dos anos 1970 e início dos anos 1980. O Brasil mudou bastante, e as forças instituídas, inclusive da sociedade civil - não estou falando só de forças políticas, mas a mídia dominante, os partidos, grandes movimentos, como o movimento sindical, o próprio MST -, mudaram. O MST ainda mantém muito da sua capacidade, mas tem mais capacidade do que direção, é como uma força que também está perdida, não sabe o que fazer e não consegue se desligar do PT. Esse é o drama: nós estamos numa sociedade diferente e não naquela em que estava quase tudo por ser construído em termos mais políticos, institucionais e democráticos.
Há uma cultura mais democrática hoje, no sentido de que tem essa agenda socioambiental que não estava tão clara anteriormente, a qual traz debates diferentes, mesmo um debate sobre a relação que existe entre enfrentar o ambiental e enfrentar o social ao mesmo tempo, porque não tem enfrentar o social sem enfrentar o ambiental. Há problemas de saneamento básico referente à água e esgoto, que não foram enfrentados. Essas foram questões relegadas e que agora ficam mais claras na agenda.
Mas, bem ou mal, hoje as cotas nas universidades públicas fazem diferença, porque já temos ativistas negros formados e isso dá uma qualidade diferente para o debate. A universidade virou mais popular, deixou de ser de elite, mesmo que não tenha sido feita uma reforma universitária de fundo, mas essas pequenas mudanças do Enem e das cotas trouxeram um público diferente para a universidade pública, embora para a privada nem tanto. O problema é que a universidade privada ainda é hegemônica. Algumas universidades privadas viraram um negócio inclusive para grupos estrangeiros, que hoje vêm para o Brasil vendo uma frente de negócios no país. A Fundação Getulio Vargas – FGV, por exemplo, tem cursos no Rio de Janeiro que são ministrados somente em inglês e sem alunos estrangeiros, simplesmente porque o padrão é americano, e isso é ruim.
Experiência de exclusão
As novas gerações têm uma experiência de exclusão de diferente ordem do que teve a minha geração. Na minha geração, menos de 1% das pessoas pobres estavam na universidade e hoje são cerca de 10%, e isso sem dúvida faz diferença. Tem ainda muita gente fora da universidade, sem chance de concluir o ensino médio ou mesmo o ensino primário, mal sabendo ler, mas o analfabetismo absoluto diminuiu muito.
Há mudanças, mas não dá para falar do futuro baseado no passado, embora eu esteja falando com base no passado, dizendo que conjunturas como essa que nós vivemos são oportunidades de golpismo – no sentido literal do termo “salvador da pátria”. Isso não quer dizer que acontecerá golpismo, esse é o risco que corremos, mas não quer dizer que seja fácil dar um golpe como foi no passado. São situações difíceis e temos que agir responsavelmente.
Assim, eu saúdo esses fóruns de discussões que aparecem, porque ao menos se instaura um debate que deveria ter ocorrido antes, porque meses atrás não havia espaço para esse debate e se era visto como inimigo se questionasse algo. Ao menos, agora, existe espaço para discutir porque ninguém está sabendo como fazer.
IHU On-Line - A Câmara dos Deputados aprovou o texto principal da reforma política, segundo o qual sugere que o mandato passa a ser de cinco anos para todos os cargos, fim de reeleição para presidente, governadores e prefeitos, perda de mandato para quem sair do partido pelo qual foi eleito e o financiamento de campanha deve ser feito aos partidos e não aos candidatos. Como avalia essas sugestões iniciais de mudanças?
Cândido Grzybowski – Essa reforma é insuficiente. Agora, isso mostra que o tema da reforma política, que estava ausente, chegou ao centro. Não creio que essa proposta resolva a questão, mas legitima. Há quase um consenso de que aí tem um grande problema. Concordo com alguns pontos: a reeleição foi ruim para o país, para a democracia brasileira, foi muito ruim como experiência. Mas não considero que passar os mandatos de quatro para cinco anos e impedir a reeleição resolva o problema. Os regimes mais progressistas do mundo são parlamentaristas, onde se teve, permanentemente, que criar políticas, inovar alianças para manter a legitimidade e não perder a maioria no parlamento. A Grécia conseguiu até enfrentar um referendo porque tem um sistema parlamentarista, enquanto nós não conseguimos nem colocar um referendo na rua.
Não sou contra a representação porque penso que, em um país grande e complexo como o nosso, não temos como não ter representação. Mas a representação não pode ser sobre tudo, como os parlamentares defendem; há coisas que eles não poderiam decidir, que teriam de consultar a população.
O financiamento é um problema, mas ele é caro pelo modo como é a nossa estrutura política. Além disso, nós também não temos uma cultura cidadã de financiar o candidato. Enquanto a disputa for somente de marketing político, e não uma disputa de ideias, não terá jeito, o financiamento continuará sendo caro, porque se tivesse uma disputa de ideias, não precisava disso tudo.
Descentralizar o poder
Hoje, talvez, tenhamos condições de mobilizar a sociedade para a reforma política se conseguirmos identificar o nó da questão, mas até cerca de um ano atrás esse era um tema de algumas organizações. Então, supondo que hoje as condições sejam melhores, qual é a proposta para colocar na mesa? Ela tende a ser técnica, mas a discussão não trata de uma questão técnica, é uma discussão do sentido da política como bem público, por exemplo, mas isso não está no debate.
Como inverter essa equação do poder, com menos poder em Brasília e mais poder local? Eu gostaria de opinar sobre se é melhor fazer o “Porto Maravilha”, ou colocar o metrô nos bairros ou na zona Norte do Rio de Janeiro. Não fui consultado e nem a Assembleia Legislativa disse algo sobre isso. Esses são os dramas da nossa reforma política: como trazer a cidadania e se sentir com poder? Em última análise, quem pode desempatar uma situação como a brasileira, é a cidadania, mas não temos a cultura de fazer isso, não se implementou regulamentação para dar legitimidade a isso e não há propostas.
Segunda, 13 de julho de 2015
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