O Decênio dos Afrodescendentes e a integração dos povos

15/04/2015
  • Español
  • English
  • Français
  • Deutsch
  • Português
  • Opinión
-A +A
Artigo publicado em espanhol na Revista América Latina en Movimiento No. 501: El Decenio Afrodescendiente 10/02/2015

A declaração do Decênio dos Afrodescendentes (2015-2024) pelas Nações Unidas é conseqüência de um longo processo de luta dos movimentos e organizações sociais.  A Conferência de Durban foi o cenário que iniciou uma etapa histórica importante da integração dos povos afrodescendentes por seus direitos. Contudo, a agenda levantada, construída coletivamente, foi distorcida pela intervenção da direita internacional, pelos mecanismos institucionais das grandes corporações, pelas formalidades dos órgãos multinacionais, pela burocracia incrustada, e fundamentalmente pela mentalidade neoliberal de certas lideranças que perceberam nos financiamentos uma oportunidade de beneficiar seus interesses particulares.

 

Afirmamos que da Casa Branca e de seus sócios internacionais se propôs penetrar os movimentos sociais dos afrodescendentes com o objetivo político de minar as lutas que se levantaram para um futuro imediato; reiteramos que nossas comunidades afrodescendentes, em sua maioria, cumprem um padrão de assentamento em territórios de imensa riqueza natural; reservas hídricas, jazidas de hidrocarbonetos ou minerais; ou em alguns casos, espaços suscetíveis de planos urbanísticos ou turísticos com mentalidade desenvolvimentista e modelos neoliberais.  A aparição da afro direita surgiu com o propósito de criar uma elite que expropriaria a voz de nossas comunidades para negociar com os governos subservientes das grandes multinacionais.

 

A fragmentação das organizações, a dispersão das alternativas e a própria incoerência das lutas é hoje o indicativo que esses planos nos debilitaram.  No cenário do Ano do Afrodescendentes (2011), o debate político mais importante foi delimitar com essa afro direita, com a conformação da Aliança Regional de Afrodescendentes para América e o Caribe – ARAAC - no espaço do IV Encontro Internacional de Movimentos Sociais Afrodescendentes e Transformações Sociais na América Latina e no Caribe, em junho de 2011, em Caracas.  Considerou-se, no sexto ponto de sua declaração final, “exigir das Nações Unidas a execução do Fórum Permanente das e dos Afrodescendentes e o Decênio dos povos Afrodescendentes da ONU”. Nós podemos apontar que o reinício da integração dos povos afrodescendentes ocorre sobre a base de uma agenda internacional com uma perspectiva progressista, revolucionária e participativa, incorporando-se aos novos cenários de cooperação e integração no continente.

 

Nós dos movimentos sociais afrodescendentes devemos exigir dos governos da ALBA-TCP o cumprimento da agenda definida na Conferência de Otavalo de junho de 2010.  Esta conferência estabelece o compromisso dos nossos governos em dar prioridade às comunidades indígenas e afrodescendentes.  Há um imperativo ético que os governos participantes devem cumprir: existem comunidades afrodescendentes que esperam que suas ações concretas sobre o tema distanciem-se de governos de direita.  Levantamos a questão de que nos espaços formais como o Conselho de Movimentos Sociais discutam-se propostas como o fundo dos Afrodescendentes da ALBA, como opção para enfrentar a pobreza e as desigualdades sociais com intervenção política, falta de discussão que não permite aos nossos povos que avancem.  A integração das populações de afrodescendentes da ALBA é o modelo esperado por nossos irmãos e irmãs do continente.  O pouco avanço é contraditório.

 

Hoje existem condições favoráveis para a criação do MERCOSUL Afrodescendentes.  Apesar de na última década termos três governos com lideranças progressistas, cada cual gerando ações afirmativas em seus respectivos países (Argentina, Brasil, Uruguai), isso não gerou nenhum tipo de coordenação nos espaços de cooperação.  Superar o esquema comercial e neoliberal que deu nascimento ao Mercosul é um desafio.  As lutas que os movimentos sociais afrodescendentes estabelecerem nesta década, são os desafios que concernem a sua capacidade de mobilização e de negociação com esses governos.  Relembremos que, apenas no Brasil, se encontra mais da metade dos afrodescendentes que vivem na marginalidade e na pobreza do continente.  É urgente gerar um diálogo dos nossos movimentos sociais para que obtenhamos das mentalidades tecnocráticas nossas reivindicações históricas e dívidas sociais pendentes.  O Mercosul Afrodescendentes para este 2015 deve ser uma tarefa no processo da integração de nossas cidades.  Clamo por uma mudança que transforme o lento trabalho Afrodescendentes no MERCOSUL Afrodescendentes.

 

Avanços na CELAC

 

A experiência progressiva dos movimentos sociais afrodescendentes na CELAC exige uma dedicação maior.  Em primeiro lugar, para evitar distorções históricas, nos remetemos outra vez à declaração do Encontro Internacional de Caracas de 2011, onde se propôs reconhecer as contribuições dos afrodescendentes na construção do continente.  A relação solidária e o debate fraterno entre o movimento social dos afrodescendentes e a Embaixada da Venezuela permitiu introduzir esse ponto na carta fundacional da CELAC e continuar propondo outros argumentos para construir uma visão e linhas de ação sobre o assunto.  O compromisso assumido pelos embaixadores da CELAC em sua declaração de 27 de setembro do 2013 nós resumimos em duas obrigações a serem cumpridas concretamente: a declaração desde 1° de janeiro do 2014 do Decênio das e dos afrodescendentes latino-americanos e caribenhos e a criação de um grupo de trabalho que desenvolva um plano de trabalho para o esse Decênio.  Especificamente são esses os elementos de peso da declaração mencionada.

 

As resoluções dos embaixadores sobre os afrodescendentes foram ratificadas na II Conferência da CELAC em Havana, em janeiro do 2014, e incluídas em sua declaração final.  Há uma decisão importante no plano de ação da Conferência de Havana, que copiamos textualmente: “Impulsionar a participação ativa da cidadania, incluindo, em particular, as organizações e os movimentos sociais, já que são agentes essenciais do processo de integração regional, e fomentar por sua vez, o compromisso dos atores sociais neste processo como sujeitos de direito e obrigações, no contexto das respectivas legislações.”.

 

O reconhecimento dos movimentos sociais não é uma esmola, é um espaço conquistado na história recente.  Nós os afrodescendentes devemos exigir a participação ativa no recente grupo de trabalho afrodescendentes da CELAC criado em dezembro de 2014 em Brasília.  A recente III Conferência da CELAC, em linhas breves, comemora a declaração do Decênio pelas Nações Unidas e contém uma declaração especial para as vítimas da escravidão.

 

A burocracia diplomática não defende os interesses dos afrodescendentes; quem deve defender o decênio somos nós dos movimentos sociais, compreendidos como uma conjuntura para transformar o lema do decênio "Afrodescendentes: Reconhecimento, Justiça e Desenvolvimento" em bandeiras de nossas lutas históricas.  Além disso, devemos combater a miséria e a pobreza, a defesa de nosso patrimônio cultural material e imaterial, para impedir a expropriação dos nossos territórios, combater a violação de nossos direitos humanos, a construção de uma educação intercultural onde a variante afrodescendente tenha protagonismo, e a proteção de nossas mulheres e crianças.  Por fim, assumir a luta  e a mobilização por nossos direitos.

 

Diógenes Díaz é porta voz internacional do Movimento Social Afrodescendentes de Venezuela.

 

Artigo publicado na América Latina en Movimiento , No. 501: http://alainet.org/publica/501.phtml

https://www.alainet.org/pt/articulo/168971?language=en
Subscrever America Latina en Movimiento - RSS