A última cartada dos palestinos

09/01/2015
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A rejeição do pedido palestino ao Conselho de Segurança da ONU de marcar prazos para a independência e retirada das forças israelenses de ocupação foi comemorada por Netanyahu.
 
Achei um tanto apressado.
 
O resultado em si foi uma vitória amarga. Afinal os palestinos conseguiram 8 votos, inclusive da França, um dos pilares do Ocidente, contra apenas dois, dos EUA e a Austrália, sua cheerlander.
 
Entre os cinco que se abstiveram, estava o Reino Unido, cujo representante praticamente pediu desculpas aos palestinos.
 
O voto que faltou para completar os nove necessários à aprovação seria da Nigéria, que virou bandeira no último minuto.
 
Sabe-se que Goodluck, seu presidente, cedeu às pressões de John Kerry, secretário de Estado dos EUA.
 
Saeb Erekat, negociador-chefe palestino, afirmou ao Times of Israel (2 de janeiro): “Foi dito à Nigéria, se vocês não se abstiverem ou votarem contra, nós retiraremos a ajuda militar na sua guerra contra o Boko Haram (movimento terrorista, que tomou parte do país).”
 
Conforme o site israelense YNET (1 de janeiro), na véspera da reunião decisiva, Kerry procurou convencer Abbas a desistir, lembrando que, caso a resolução fosse aprovada, os EUA teriam de vetar, o que os levaria a romper com a Autoridade Palestina, além de lhe aplicar sanções econômicas.
 
Para os EUA, o veto seria absolutamente inconveniente pelos estragos que causaria no seu relacionamento com os países árabes seus aliados.
 
Abbas não poderia falhar com seus deveres de liderança. Mas também não queria entrar na lista negra do governo Obama, com quem sempre manteve boas relações.
 
Ficou com os dois. Foi em frente com a proposta de resolução no fim do ano, em vez de esperar alguns dias quando suas chances seriam maioreeis. Em janeiro, cinco países entravam no Conselho de Segurança, sendo três deles votos certos: Angola, Malásia e Venezuela. Eles substituíam outros cinco, dos quais apenas dois favoreciam a Palestina.
 
Os palestinos não precisariam da volúvel Nigéria para vencer.
 
E os EUA ficariam com o ônus de vetar uma resolução com que todo o mundo árabe está comprometido.
 
De qualquer modo, os palestinos apelariam para o Tribunal Criminal Internacional (ICC), denunciando Israel por crimes de guerra.
 
Como Abbas explicou: ”Eles nos atacam e atacam nossa terra diariamente, a quem iremos apelar? O Conselho de Segurança nos abandonou – a quem iríamos recorrer?”
 
E Saeb Erekart: “Nós apresentamos uma resolução que está totalmente de acordo com a lei internacional, que se apóia em resoluções previamente aprovadas pela ONU.”
 
De fato, a ONU já condenou Israel por crimes de guerra em Gaza, violações de direitos humanos na criação de assentamentos ilegais, demolições de casas de famílias de terroristas, entre outros.
 
E os EUA e os países europeus já condenaram os assentamentos, o bloqueio de Gaza, as violências do exército israelense, a ocupação militar infindável.
 
Todos repetem exaustivamente que são favoráveis à independência palestina.
 
Mas, o que fizeram?
 
Words, words, words…
 
Em 1993, o Ocidente, Israel e os palestinos definiram um processo de negociações que levaria gradualmente à criação do Estado da Palestina.
 
Nestes 21 anos, o que aconteceu foi a fulminante expansão de assentamentos judaicos.
 
Hoje, esses assentamentos contam com mais de 500 mil habitantes, em territórios tomados aos  palestinos.
 
Os  dirigentes de Telaviv tem exigido em várias ocasiões que a grande maioria desses assentamentos continuem integrando o Estado de Israel.
 
Para deixar as coisas bem claras,  Netanyahu, em 7 de janeiro, declarou ao Canal 2 que, se reeleito em 17 março, não evacuará um único assentamento: “Enquanto eu estiver no poder, isso jamais acontecerá.”
 
A reação do líder israelense ao apelo palestino ao ICC foi a esperada.
 
Prometeu pesadas punições contra os palestinos.
 
E está cumprindo.
 
Inicialmente, com a criação de novos assentamentos.
 
Em seguida, o mais grave: Israel reteve 120 milhões de dólares em taxas devidas à Autoridade Palestina, que Telaviv recolhe. E poucos dias depois, a empresa estatal de eletricidade anunciou que cortará a eletricidade fornecida aos palestinos por contas não-pagas no valor de 160 milhões de dólares.
 
Fechando o cerco, por solicitação do governo Netanyahu, o Congresso americano prepara-se para cortar subsídios de  400 milhões de dólares anuais à Autoridade Palestina.
 
O governo Obama reagiu debilmente diante destas ações agressivas.
 
Jan Psaki, porta-voz do Departamento de Estado, aconselhou Netanyahu a não prosseguir com a retenção de fundos neste momento já que isto apenas “elevaria as tensões.”
 
Quanto ao corte de subsídios, declarou que esse assunto estava dentro dos poderes do Congresso.
 
Partiu do próprio Reuven Rivni, presidente de Israel, o pronunciamento mais firme: ”Congelar a transferência dos fundos das taxas dos palestinos não nos beneficia e não beneficia a eles. Usando esses fundos, os palestinos se sustentam e mantêm a Autoridade Palestina funcionando. O funcionamento da Autoridade Palestina é do interesse de Israel.”
 
Tendo seus recursos cortados, a Autoridade Palestina teria de fechar suas portas.
 
Aí, Israel terá de se encarregar da segurança e dos serviços públicos da região, atualmente sob a responsabilidade palestina, além de pagar os salários dos funcionários: policiais, professores, médicos, enfermeiros, funcionários administrativos, etc.
 
O que representaria um peso intolerável nas finanças israelenses, que, aliás, andam um tanto cambaleantes.
 
Sem contar que a entrada de forças israelenses para substituir a polícia da Autoridade Palestina seria recebida com ardentes protestos. Seguindo o padrão normal, a repressão do governo Netanyahu seria brutal, com efeitos danosos à imagem internacional de Israel.
 
Mais conflitos armados, mais atentados, mais destruição pintando.
 
Nada disso pode acontecer caso os ricos países árabes do Golfo, especialmente a Arábia Saudita, assumam o fornecimento dos subsídios que os EUAS tendem a retirar.
 
O que é provável.
 
Mas Netanyahu não vai deixar a bola cair.
 
Aposto que ele vai vir com novas medidas duras para castigar e provocar os palestinos.
 
Politicamente, o premier precisa de conflitos armados, atentados de preferência, para se exibir diante do público israelense como o defensor de sua segurança.
 
Talvez não lhe adiante muito.
 
Há uma inesperada possibilidade dele cair do cavalo.
 
As últimas pesquisas mostram um crescimento da oposição de centro-esquerda, que pode derrotar o grupo direitista dominante e eleger o próximo governo, nas eleições de março.
 
Acredita-se que, com um governo de centro-esquerda em Israel, a paz com os palestinos torne-se possível.
 
Poucas semanas depois das eleições israelenses, conclui-se o prazo para a entrada da Palestina no ICC.
 
No passo seguinte, a promotoria do tribunal deverá decidir o início da investigação das acusações feitas pela Palestina, que deve levar ao indiciamento dos  políticos e militares responsáveis pelos crimes de guerra em Gaza e pela expansão dos assentamentos.
 
Tudo isso leva muito tempo.
 
Abbas não vai ficar parado esperando a banda passar. Prometeu apresentar nova proposta de resolução da questão palestina semelhante à que acabou de ser derrotada. Desta vez, os ventos sopram a seu favor, pois com os novos membros do Conselho de Segurança, a independência tem maioria.
 
O ideal seria que Abbas esperasse pelos resultados das eleições em Israel, torcendo pela vitória do centro-esquerda.
 
Seja qual for o resultado, os palestinos tem  nas mãos uma carta muito forte. O recurso ao ICC é agora muito mais do que uma simples ameaça.
 
Ninguém duvida de que os líderes civis e militares israelenses, se julgados com isenção, serão condenados.
 
Para se livrar, é possível que eles fiquem realmente acessíveis à idéia de uma Palestina livre.
 
- Luiz Eça formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo.
 
09 / 01 / 15
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/166697?language=es
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