G20, símbolo do falhanço de um sistema

10/11/2011
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O G20 é tão legítimo como o seu progenitor G7 (EUA, Canadá, Alemanha, Reino Unido, França, Itália, Japão), que o lançou há três anos, quando se fez sentir a severidade da crise económica mais grave desde os anos 1930. O G20 foi posto em xeque do início ao fim da sua reunião de 3 e 4 de Novembro de 2011, em Cannes. A crise da União Europeia e da zona euro é patente e está no centro de todas as preocupações. A pirueta do primeiro-ministro grego Papandreou, ao anunciar três dias antes da cimeira a convocação de um referendo na Grécia, voltou a pôr em causa os mais recentes planos para evitar a falência em cadeia dos grandes bancos privados europeus e o seu efeito de boomerang sobre as instituições financeiras norte-americanas[1].

A agenda do G20, preparada minuciosamente com um mês de antecedência, descambou completamente. Todos os chefes de Estado e dirigentes das grandes companhias se tornaram súbita e pateticamente dependentes da capacidade da dupla Sarkozy-Merkel para obter das autoridades gregas o abandono de um referendo antes do fim da cimeira do G20. Se a expectativa do referendo viesse a confirmar-se e se o referendo consistisse em pedir ao povo grego o assentimento quanto à aplicação dos acordos da cimeira europeia de 26 e 27 de Outubro de 2011, seguir-se-ia uma derrocada bancária e financeira. Porquê? Porque tudo indicava que o plano seria rejeitado: segundo uma sondagem realizada depois de 27 de Outubro, apenas 12% dos Gregos aprovavam o acordo. A perspectiva de rejeição do plano iria provocar, durante o mês de Novembro de 2011, o afundamento do valor dos títulos gregos, obrigando os maiores bancos europeus a aplicar um corte de 80 a 90% nos activos gregos. Os accionistas iriam exorbitar as vendas de acções desses bancos, provocando o desmoronamento bolsista. Desencadear-se-iam ataques bolsistas contra os títulos italianos e espanhóis e a zona euro mostrar-se-ia incapaz de lhes fazer frente, já que o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira (FEEF) não está dotado de meios suficientes. Os bancos credores da Itália e de Espanha não resistiriam.
 
É evidente que Georges Papandreou, flagelado pelas duras reacções populares durante as festas nacionais de 28 de Outubro e posto perante as críticas das suas próprias hostes, procurou desajeitadamente ganhar tempo e assegurar um voto de confiança no Parlamento. A sua viragem não foi  motivada por umasúbita vontade de dar a palavra ao seu povo, depois de durante 18 meses a fio ter violado as regras mais elementares da democracia e renegado os compromissos eleitorais. A 1 de Novembro, a sua promessa de referendo, depois de conhecida, foi largamente rejeitada pela população grega, bem como pelos partidos e organizações sociais de esquerda. Por razões completamente opostas, também os dirigentes europeus rejeitaram unanimente qualquer consulta popular respeitante ao novo plano de austeridade imposto à Grécia em Outubro.
 
A crise da União Europeia (UE) é evidente e não foram os dirigentes das instituições europeias quem desempenhou os papéis principais no G20. José Manuel Barroso e Herman van Rompuy, respectivamente presidente da Comissão e do Conselho europeus, fizeram papel de simples figurantes, enquanto os presidentes dos dois países mais fortes da zona euro puseram em marcha o fim de todos os tratados importantes.

Mesmo que o recuo de Georges Papandreou e a perspectiva dum governo de união nacional empenhado em aplicar as medidas de austeridade recusadas pela maioria do povo grego salvem provisoriamente o plano de ajuda a Atenas (melhor dizendo: o plano de salvamento do euro e dos grandes bancos privados), o descontentamento é tal na Grécia que nada pode ser dado como certo.
 
A Itália, com uma dívida soberana 6 vezes maior que a da Grécia, está na calha para ser o próximo elo fraco da zona euro. O G20 foi um revés tremendo para o governo italiano. Silvio Berlusconi teve de aceitar que o seu país seja submetido ao escrutínio permanente do FMI. À saída da cimeira, Christine Lagarde, directora-geral do FMI, declarou a propósito do chefe do Governo italiano: «Vamos submetê-lo ao teste da realidade»[2]. O facto de um país membro e fundador do G7 ser sujeito a um tratamento tão humilhante mostra a amplitude do falhanço da zona euro e da UE. Recordemos que Mario Draghi, novo presidente do BCE (Banco Central Europeu), foi antes disso director do Banco Central italiano, após ter sido ministro de Berlusconi e alto dirigente do banco Goldman Sachs. O BCE, que se encontra em plena crise, não tem à cabeça o presidente sólido de que necessitaria para fazer face à situação. A redução de 25 pontos de base da taxa directriz do BCE, anunciada por Mario Draghi, constitui uma nova concessão aos banqueiros em busca de financiamento barato.
 
O FEEF, outro falhanço da UE e da zona euro, continua a não ter provisão para as novas competências, nem os meios alargados previstos pela cimeira europeia de 21 de Julho de 2011. Os BRIC (Brasil, Rússia, Índia e China) afirmaram claramente a recusa de meter dinheiro no FEEF.
 
O FMI não está a sair-se tão bem como a sua directora pretende fazer crer: os 500.000 milhões de dólares prometidos ao Fundo pela cimeira do G20 que teve lugar em Londres em 2009 não se confirmaram. Resulta isto da recusa dos países do G7 em aceitar uma exigência dos BRIC, que pretendiam que a sua ajuda ao FMI, à UE e aos EUA fosse compensada com um aumento do seu peso nas instituições internacionais (FMI, Banco Mundial, etc.). Pretendiam uma nova repartição dos direitos de voto e cargos de responsabilidade que lhes fossem mais favoráveis. Ambas a partes perderam: o G7 não conseguiu convencer os países emergentes a alargar os cordões à bolsa e estes não obtiveram um peso estrutural condizente com a sua importância económica e política.
 
Embora tenham pela frente o aprofundamento da crise económica e as mais sombrias perspectivas para 2012, os governos dos países mais industrializados recusam tomar medidas elementares para porem ordem no sistema financeiro privado e relançar a economia: separação entre bancos de depósitos e bancos de negócio financeiro, interdição de um certo número de actividades especulativas, taxação das transacções financeiras, limitação dos rendimentos dos administradores das sociedades e enquadramento estrito dos bónus, represálias contra os paraísos fiscais, aumento das despesas públicas para relançar o emprego, protecção do poder de compra dos salários e das prestações sociais, etc. De todas as medidas que a dado passo da crise foram invocadas por responsáveis políticos como Sarkozy, anfitrião da cimeira do G20, nenhuma foi posta em prática. No entanto estas medidasconstituem o programa mínimo do tipo daquele que F. Roosevelt adoptou nos EUA para fazer frente à grande depressão.
 
Barack Obama e todos os dirigentes europeus optaram por outra via: um apoio estrutural massivo aos bancos e a outras instituições financeiras, para tentarem evitar a falência em cadeia, combinado com o reforço das políticas neoliberais (compressão da despesa pública e do poder de compra da maioria da população, reforço das políticas de precariedade do trabalho assalariado, nova vaga de privatizações, aumento dos impostos indirectos...). Os resultados desta opção não deixam margem para dúvidas: degradação das condições de vida da maioria da população dos países em causa, continuação do aumento das desigualdades, possibilidade de novas falências bancárias, já que nenhuma limitação foi adoptada contra as suas políticas especulativas, crescimento débil da economia pontuado por recessões durante uma dezena, senão mesmo uma quinzena de anos, manutenção do endividamento estrutural dos poderes públicos em consequência da insuficiência das receitas fiscais, continuação da crise do euro...

O abismo que separa a real politik e o discurso feito de bravatas contra o abuso dos mercados é patente nesta passagem da declaração final da cimeira: «Não toleraremos o retorno dos comportamentos observados no sector financeiro antes da crise, e controlaremos estreitamente a implementação dos nossos compromissos em relação aos bancos, aos mercados derivados ao portador e às práticas de remuneração.» Por outro lado, particularmente mortal nos países do Sul, em especial na África, a crise alimentar provocada principalmente pela especulação sobre os produtos agrícolas figurava também na agenda do G20; o seu exame não deu origem a nenhuma medida. A declaração limita-se a afirmar a necessidade de «atenuar os efeitos da volatilidade dos preços».

Concluída a cimeira do G20, os Indignados da Europa e de Wall Street vêem reforçada a sua convicção. Aqueles que pretendem governar o planeta são incapazes de encontrar soluções adequadas e utilizam todo o seu peso para impedir que um povo possa pronunciar-se acerca das receitas neoliberais que eles impõem. A lição não cairá em saco roto. Não restam dúvidas sobre a necessidade de adoptar outra arquitectura internacional, uma arquitectura finalmente democrática. Convém também fazer opções anticapitalistas: recusar a ditadura dos credores, expropriar os bancos sem indemnizações e sob controle dos cidadãos, recusar o pagamento duma dívida que é ilegítima, redistribuir radicalmente a riqueza.
 
[1] Ver Eric Toussaint, «Les banques sont le maillon faible en Europe», www.cadtm.org/Eric-Toussaint-Les-banques-sont-le
 
[2] Entrevista de Christine Lagarde publicada em Le Monde, 6-7 Novembro 2011, p. 12.

 
https://www.alainet.org/pt/articulo/153953?language=en
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