Mulher: mistério e carinho

08/03/2010
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O Dia Internacional da Mulher é tempo adequado para se voltar a pensar, refletir e – por que não? –escrever sobre esta metade da humanidade da qual faço parte e que parece ter-se decidido a “sair do armário” e mostrar a que veio em nossos conturbados tempos cambiantes, líquidos e movediços.

Na verdade, devo confessar que nos tempos em que vivemos, enquanto todo mundo olha para a mulher com esperança ou desprezo, curiosidade ou temor, eu olho para mim mesma, para a mulher que sou, com sentimento de tremenda responsabilidade.  E com o mesmo sentimento olho nos olhos de minhas irmãs de gênero e fardo. Companheiras que somos de destino e vocação, no mínimo temos que ser verdadeiras entre nós, não acham?

Nasce esse sentimento que ora me habita de algo que me diz que se o mundo tal como está não parece satisfazer nem o desejo original e amante do Criador nem as expectativas nossas, pobres criaturas golpeadas de todo lado, acossadas por uma mortalidade inevitável e um desejo de perenidade alucinantemente verdadeiro, há que fazer dele algo um pouco melhor.  

Mais: se afirmamos e proclamamos em alto e bom som, sobre os telhados, em prosa e verso, que os homens fizeram esse mundo de guerra e violência, agrediram essa pobre terra que agora se volta contra eles com terremoto e tsunami enraivecidos, construíram esse sistema econômico iníquo e excludente; nós, mulheres, saindo do armário, somos instadas, senão obrigadas a tentar humildemente fazer algo um pouquinho melhor.  

Por isso escolho hoje duas palavras: mistério e cuidado, para refletir sobre esse ser que somos, que Deus teve a graciosa inventividade de fazer capaz de gerar outro ser em suas entranhas e que desde aí povoa o mundo brincando de ser frágil mas, na verdade, sendo a única força verdadeira de toda a vida humana.  Somos aquelas sem as quais, aí sim, certamente, mais que qualquer bomba nuclear, mais que qualquer desastre ecológico, a humanidade acaba e o mundo se extingue e o planeta passa a ser mais uma claridade morta nos céus de outros universos que desconhecemos.

O que aconteceria se a mulher fechasse seu ventre com o cadeado da esterilidade?  Trememos com o simples fato de pensar nessa hipótese.  E, no entanto, não sei se ela está tão distante assim dessa terrível decisão , com perdão de minhas irmãs e companheiras.  Tanto quisemos sacudir dos ombros a opressão milenar que sobre nós pesava como chumbo, que corremos o risco de sacudir juntamente com ela o mistério que somos e que carregamos em nossos corpos: um ventre que carrega a matriz do sonho divino da criação. E, mais ainda, o infinito potencial de cuidado com o qual Deus sustenta em suas mãos paterno-maternais a vida que vivemos, sobre a qual o salmista diz com razão que se trata de um sopro frágil.

Temo um pouco que nosso afã de libertar-nos muito legitimamente da canga patriarcal nos leve a uma mimetização da mesma opressão que condenamos.  E que ergamos, ao lado dos escombros do machismo que rejeitamos e que tanto mal fez a nós e a toda a humanidade, um feminismo que já não será tal pois mulheres já não seremos e sim híbridos de macho e fêmea terceirizadas em “outra” síntese já desprovida de nosso mistério feito de cuidado e carinho, e vida que gera vida, que nutre vida, que pare vida, que cuida de vida e ama vida fiel até o fim à vida que a criou e que por ela foi criada e gerada, vida que foi e vida que é e vida que será.  Amém!

Que ninguém pense que depus o desejo de que a mulher se liberte e ocupe plenamente seu lugar de igual dignidade com o homem em uma sociedade justa e amorosa. Para isso muito lutei e seguirei lutando.  Sofri e estou disposta a mais. Disputei, ganhei, perdi, ri e chorei. Como todo ser humano, minha história foi traçada com risos e lágrimas, com positividades e negatividades, vitórias e derrotas.  

Mas para ser fiel à paternidade maternal do Deus que me criou, ao desvelo libertador do Filho que instituiu as mulheres como discípulas queridas de sua Palavra e apóstolas amadas de seu Reino e do Espírito Santo que sopra onde quer e não faz acepção de pessoas, desempenhando funções mais que femininas, tais como enxugar lágrimas, assoar narizes órfãos, alimentar bocas famintas de pão e de transcendência, tenho que confessar no Dia Internacional da Mulher: amo ser mulher, quero ser mais e mais a cada dia.  Isso ensinei a minhas filhas e pretendo transmitir a minhas netas.

Neste Dia Internacional da Mulher, agradeço a graça de ser do gênero feminino, proclamo a beleza de viver como tal e desejo que juntas entre nós e com os homens que desejamos irmãos e companheiros, não rivais nem inimigos, possamos construir uma terra mais habitável, com uma ética de cuidado e uma espiritualidade de beleza, ternura e compaixão.

Feliz Dia Internacional da Mulher!

- Maria Clara Bingemer é professora do Departamento de Teologia da PUC-Rio, decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio, e autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)

Copyright 2010 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
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