Deus ou Mamon = eterno dilema
02/03/2010
- Opinión
Uma vez mais a CNBB lança a Campanha da Fraternidade com a finalidade de promover uma conscientização por ocasião do tempo litúrgico forte da Quaresma. Não apenas os católicos, mas cristãos de outras denominações, adeptos de outras tradições religiosas e pessoas de boa vontade, sem adesão explícita a nenhum credo, são convocadas a dirigir sua atenção para um tema candente.
Este ano trata-se da economia, ou seja, da relação com o dinheiro. Educar para uma economia de justiça e solidariedade é um dos objetivos da nossa campanha. Além de denunciar que a competição e o lucro não resolvem os problemas da qualidade de vida e da conservação do meio ambiente, a Campanha pretende questionar os fiéis sobre como anda sua relação com o dinheiro , que não por nada é chamado “vil metal”.
Ao propor esse tema, a Campanha não se afasta um milímetro do Evangelho de Jesus Cristo. Um versículo do evangelho de Mateus serve de lema para o texto-base e os materiais veiculados: “Não se pode servir a Deus e ao dinheiro”. Na verdade, o texto começa mais forte: “Ninguém pode servir a dois senhores”. Chamando o dinheiro de senhor, o Evangelho reconhece o poder que este tem sobre a vida e o imaginário do ser humano.
Ao longo de toda a tradição cristã, o apego à riqueza, o acúmulo de bens, foi visto como perigo e maldição, devendo ser cuspido da boca dos discípulos de Jesus sem complacência. Seu risco para o ser humano é tal que foi identificado como ídolo e chamado com nome próprio: Mamon. E o significado é claro: o dinheiro pode converter-se em divindade, em senhor de nossas vidas. E se pretende assenhorear-se de nós, rivalizando com o Deus verdadeiro, é um ídolo e como todos os ídolos, conduz à morte.
Na recente crise que sacudiu o Ocidente, atingindo inclusive os Estados Unidos, que pareciam imunes a tudo que abalasse seu poderio econômico, vimos o poder do dinheiro sobre as pessoas. Todos os dias a mídia nos trazia notícias de falcatruas milionárias, suicídios, crises de depressão. Por meios lícitos ou ilícitos haviam acumulado riqueza. E agora que ela se havia ido, a vida perdia o sentido.
O Evangelho não é ingênuo. Sabe que o dinheiro é um meio necessário para a sobrevivência. Mas insiste em que é meio e não fim. Deixar-se dominar pelo dinheiro é perder o rumo da vida, da relação com os outros e do culto apropriado ao Deus verdadeiro. O dinheiro não pode ser valor absoluto governando a vida.
A medida fundamental para qualquer economia é um sistema que deveria criar reais condições de segurança e oportunidades de desenvolvimento da vida de todas as pessoas, desde os mais pobres e vulneráveis. Os sistemas com os quais convivemos trabalham no sentido oposto.
Toda sociedade que exclui pessoas porque não possuem riqueza e enlouquece outras porque a possuem em demasia e não a repartem repugna ao coração de Deus. A CF convida a denunciar a perversidade de qualquer modelo econômico que vise em primeiro lugar ao lucro, sem se importar com desigualdade, miséria, fome e morte. E a lutar para incluir os pobres que, à margem da vida , não têm recursos para viver e cujo clamor chega até os ouvidos de Deus, único Senhor.
- Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio e autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
Copyright 2010 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
Este ano trata-se da economia, ou seja, da relação com o dinheiro. Educar para uma economia de justiça e solidariedade é um dos objetivos da nossa campanha. Além de denunciar que a competição e o lucro não resolvem os problemas da qualidade de vida e da conservação do meio ambiente, a Campanha pretende questionar os fiéis sobre como anda sua relação com o dinheiro , que não por nada é chamado “vil metal”.
Ao propor esse tema, a Campanha não se afasta um milímetro do Evangelho de Jesus Cristo. Um versículo do evangelho de Mateus serve de lema para o texto-base e os materiais veiculados: “Não se pode servir a Deus e ao dinheiro”. Na verdade, o texto começa mais forte: “Ninguém pode servir a dois senhores”. Chamando o dinheiro de senhor, o Evangelho reconhece o poder que este tem sobre a vida e o imaginário do ser humano.
Ao longo de toda a tradição cristã, o apego à riqueza, o acúmulo de bens, foi visto como perigo e maldição, devendo ser cuspido da boca dos discípulos de Jesus sem complacência. Seu risco para o ser humano é tal que foi identificado como ídolo e chamado com nome próprio: Mamon. E o significado é claro: o dinheiro pode converter-se em divindade, em senhor de nossas vidas. E se pretende assenhorear-se de nós, rivalizando com o Deus verdadeiro, é um ídolo e como todos os ídolos, conduz à morte.
Na recente crise que sacudiu o Ocidente, atingindo inclusive os Estados Unidos, que pareciam imunes a tudo que abalasse seu poderio econômico, vimos o poder do dinheiro sobre as pessoas. Todos os dias a mídia nos trazia notícias de falcatruas milionárias, suicídios, crises de depressão. Por meios lícitos ou ilícitos haviam acumulado riqueza. E agora que ela se havia ido, a vida perdia o sentido.
O Evangelho não é ingênuo. Sabe que o dinheiro é um meio necessário para a sobrevivência. Mas insiste em que é meio e não fim. Deixar-se dominar pelo dinheiro é perder o rumo da vida, da relação com os outros e do culto apropriado ao Deus verdadeiro. O dinheiro não pode ser valor absoluto governando a vida.
A medida fundamental para qualquer economia é um sistema que deveria criar reais condições de segurança e oportunidades de desenvolvimento da vida de todas as pessoas, desde os mais pobres e vulneráveis. Os sistemas com os quais convivemos trabalham no sentido oposto.
Toda sociedade que exclui pessoas porque não possuem riqueza e enlouquece outras porque a possuem em demasia e não a repartem repugna ao coração de Deus. A CF convida a denunciar a perversidade de qualquer modelo econômico que vise em primeiro lugar ao lucro, sem se importar com desigualdade, miséria, fome e morte. E a lutar para incluir os pobres que, à margem da vida , não têm recursos para viver e cujo clamor chega até os ouvidos de Deus, único Senhor.
- Maria Clara Bingemer é teóloga, professora e decana do Centro de Teologia e Ciências Humanas da PUC-Rio e autora de "A Argila e o espírito - ensaios sobre ética, mística e poética" (Ed. Garamond), entre outros livros. (wwwusers.rdc.puc-rio.br/agape)
Copyright 2010 – MARIA CLARA LUCCHETTI BINGEMER - É proibida a reprodução deste artigo em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização. Contato – MHPAL – Agência Literária (mhpal@terra.com.br)
https://www.alainet.org/pt/articulo/139754?language=es
Del mismo autor
- Neto 114 14/08/2014
- Igreja profética em memória sombria 27/03/2014
- Sem sepultura 16/10/2013
- Papa Francisco: um pecador perdoado 26/09/2013
- Francisco e Gustavo: nova aurora para a teologia 22/09/2013
- La Moneda e as Torres Gêmeas: aniversário re-cordado 12/09/2013
- Gato e rato 08/09/2013
- Médicos cubanos: por que tanta gritaria? 29/08/2013
- A homilia do Papa em Aparecida e as três virtudes teologais 25/07/2013
- Realidade das ruas e euforia enganosa 26/06/2013