Publicidade oficial alimenta cobras

25/04/2007
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Sem disfarçar seu partidarismo, o jornal Folha de S.Paulo desta terça-feira, 24, fez alarde com a manchete “Lula é recordista em publicidade”. O artigo, da suspeita lavra de Fernando Rodrigues, visou nitidamente envenenar o leitor incauto. Afirma que “o presidente Luiz Inácio Lula da Silva bateu seu próprio recorde e os gastos com a propaganda federal passaram de R$ 1 bilhão pela primeira vez na história do Brasil em 2006. O valor consumido pelos órgãos da administração direta e indireta sob comando do PT chegou a R$ 1.015.773,838”. Mas a manchete e o texto, bem ao gosto da oposição de direita, têm um mérito: mostram que o governo Lula continua alimentando cobras ao repassar fartos recursos publicitários à mídia privada.

Manipulação ardilosa

A manipulação é evidente ao se embaralhar verbas do governo com os recursos das empresas estatais. Em tese, as primeiras servem para divulgar as ações governamentais; já as verbas das estatais fazem parte da acirrada disputa de mercado. Como explicou o ministro Franklin Martins, elas “refletem a presença forte das estatais, que estão entre as maiores do Brasil e precisam competir no mercado”. A intenção marota de confundir o leitor fica visível na forma como o mesmo jornalão aborda a publicidade das estatais de São Paulo, como Metrô e Sabesp, que nunca é tratada pejorativamente como “verba sob comando do PSDB”.

A reportagem também ofusca que o governo FHC, protegido da Folha, gastou quase o mesmo montante – R$ 953,7 milhões – em 2001. Durante o seu reinado, os gastos publicitários das estatais corresponderam a 65,4% do total da publicidade oficial. Mas o autor, num evidente ardil jornalístico, faz questão de afirmar que, em 2006, “as empresas do governo que disputam o mercado com a iniciativa privada consumiram 76,3% da verba lulista total em propaganda”. Por que antes ele nunca falou da verba tucana? O badalado repórter tem todo o direito de questionar o montante de recursos públicos investidos em publicidade, só não vale aproveitar a oportunidade para fazer descarada propaganda anti-Lula e a favor dos tucanos.

Financiando o “partido da direita”

A gritaria da Folha e de outros veículos da mídia hegemônica, porém, contribui para o atual debate sobre a democratização dos meios de comunicação. Em recente editorial, a mesma Folha de S.Paulo protestou raivosamente contra a proposta de governo Lula de criação de uma rede pública de televisão. Com o título sarcástico de “aparelho na TV”, a famiglia Frias acusou a idéia de ser autoritária e estatizante. “O PT e o governo Lula optaram pela marcha a ré. Sequiosos por deixar gravada a sua marca no telecoronelismo, desejam abrir uma nova sucursal de autopromoção para acomodar apaniguados à custa do erário público”.   

Já que está preocupada com o erário público, a mídia venal deveria reconhecer que a quase totalidade dos milhões de reais investidos em publicidade pelo governo “autoritário e estatizante” de Lula foi destinada a ela própria – que insiste em fazer um anti-jornalismo e a se comportar como o “partido da direita” no país. Somente no ano passado, 62% das verbas publicitárias do governo e das estatais foram para as emissoras de televisão, 12% para as rádios, 9% para os jornais, 8% para as revistas, 1,5% para a internet, 1,5% para outdoors e 6% para as outras mídias. Só a TV Globo ficou com quase 60% dos recursos da televisão. Os três principais jornalões do país (Folha, Estadão e O Globo) abocanharam o grosso dos recursos do setor.

“Abram mão do dinheiro público”

O próprio Fernando Rodrigues, num artigo escrito há algum tempo atrás, confessou que a mídia privada iria à falência da noite para o dia se não contasse com as verbas publicitárias dos governos. Para ser mais coerente, a mídia venal deveria acatar a recente sugestão do jornalista Alon Feuerwerker em seu blog. Ele propõe, em tom provocativo, que as empresas privadas abram mão de todas as isenções e renúncias fiscais e também da publicidade oficial. “Para introduzir consistência granítica e coerência indestrutível ao argumento dos que se levantam contra a comunicação estatal, os veículos privados deveriam abrir mão, até o último centavo, do dinheiro público que recebem para exibir propaganda do governo”.

A proposta é interessante, mas é evidente que a mídia hegemônica, que prega o “estado mínimo” para os trabalhadores, mas gosta de mamar nas tetas deste mesmo erário público, não irá topá-la. Caberia, então, ao governo Lula, que atualmente é o alvo predileto deste autêntico “partido da direita”, abrir os olhos e alterar radicalmente sua política de comunicação. Além de não se acovardar diante das críticas da mídia privada à proposta da rede pública de televisão, o governo bem que poderia incentivar a multiplicação das rádios comunitárias – e não criminalizá-las, como fez até agora – e utilizar as verbas publicitárias para viabilizar outros meios alternativos de comunicação. Ele prestaria um inestimável serviço á democracia!

Enfrentar a mídia hegemônica

Enquanto alimenta as cobras, despejando a maior parte dos recursos publicitários em veículos autoritários e manipuladores, o governo Lula até hoje não deu a devida atenção às mídias alternativas. Alega motivos técnicos, de mercado, para destinar a publicidade oficial. No fundo, teme a reação histérica e hipócrita dos latifundiários da mídia. Em alguns países da Europa, como forma de estimular a pluralidade e zelar pela democracia, existem leis contrárias ao acelerado processo de monopolização dos meios de comunicação. Os recursos são carimbados para apoiar financeiramente os veículos alternativos e independentes.

Seria interessante que a Secretaria de Comunicação Social, agora sob o comando do jornalista Franklin Martins, estudasse as melhores formas para estimular jornais populares, como o Brasil de Fato, revistas progressistas, com a Fórum, Caros Amigos e Princípios, e portais da internet, como o Vermelho, Carta Maior, Adital, Alainet, Nova-e e Espaço Acadêmico, que vivem a mingua e penam para realizar a heróica batalha contra-hegêmonica ao pensamento único neoliberal que impera na mídia privada brasileira.     


- Altamiro Borges é jornalista, membro do Comitê Central do PCdoB, editor da revista Debate Sindical e autor do livro “As encruzilhadas do sindicalismo” (Editora Anita Garibaldi, 2ª edição).

https://www.alainet.org/pt/articulo/120781?language=es
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