Por que Porto Alegre e Davos são incompatíveis
24/01/2005
- Opinión
Quem tiver a ilusão de estabelecer uma ponte entre Porto
Alegre e Davvos, está condenado a cair em um abismo, porque
os dois Foros são contraditórios e incompatíveis.
Davos nasceu para ser o cenário da euforia do neoliberalismo,
assentada na hegemonia do capital especulativo, na promoção
desenfreadas das marcas das grandes corporações – de que
MacDonalds e Microsoft eram os melhores exemplos, no
exibicionismo da riqueza e do luxo obtidos – como saberíamos
depois – em grande parte por mecanismos fraudulentos por
parte de grandes executivos de corporações. Assentava-se no
“Consenso de Washington”, que pretendia ditar regras únicas
para todas as economias do mundo, emanadas do FMI, do Banco
Mundial e da OMC. Pretendia fazer do mundo inteiro um grande
mercado, fazer de todas as coisas, os bens, os direitos, as
pessoas, simples mercadorias, em que tudo teria preço, tudo
se venderia e se compraria. Seria o capitalismo mais pleno em
escala mundial. Os Estados seriam reduzidos a meros
executivos do grande capital - das grandes corporações, dos
bancos e dos organismos econômico financeiros internacionais
-, a educação e a saúde convertidas em bens compráveis para
os detentores de dinheiro.
O resto seria o resto. Paises e continentes inteiros
entregues à miséria e ao abandono, porque fora do interesse
das grandes corporações e dos mercados especulativos. Bilhões
de pessoas do Sul do mundo privadas dos direitos elementares
à vida, a começar pelos medicamentos básicos para combater a
malária, o tifo, a febre amarela, a aids e outras doenças dos
quais os ricos estão livres ou dispõe dos recursos para
combatê-las.
Davos foi a estação de esqui da Suíça – conspurcando o
cenário de A montanha mágica, de Thomas Mann, um dos mais
agudos críticos da decadência burguesa, para fazer sem pudor
seu convescote anual os mais ricos do mundo – antes que
vários deles caíssem em desgraça, nos escândalos de corrupção
das empresas que dirigiam.
Davos morreu com o esgotamento da expansão neoliberal dos
anos 90, com os grandes escândalos das corporações, com o
clima de guerra instaurado pela fúria imperial estadunidense.
Tornou-se uma vitrine vazia. Nenhum mandatário importante do
mundo se dá o trabalho de pegar seu aviãozinho presidencial
para passar sequer uma tarde por lá. Grandes magnatas
decadentes, junto a magos da auto-ajuda – como Paulo Coelho –
passeiam como em um cenário de circo que já teve seus dias de
glória, mas que hoje só abriga palhaços sem graça,
equilibristas desconfiados, leões sem dentes, em público –
muito menos “ respeitável”.
Desde a primeira que se enfrentaram, no debate que foi ao ar,
transmitido para todo o mundo, no I. Fórum Social Mundial,
Davos perdeu para Porto Alegre. Perdeu, em primeiro lugar,
pelo tipo de gente que vem a
Porto Alegre e pelo que vai a Davos: ricaços petulantes de
gravata e limusine
por um lado, que se acreditam os donos do mundo a gente com
cara de gente por outro, que luta não por seus interesses
imediatos, mas por um mundo melhor para todos. Alguns poucos
por um lado, representando as minorias que possuem
concentradamente as riquezas do mundo, tantos por outro,
lutando para a socialização dos bens materiais e culturais do
mundo.
São incompatíveis, porque Porto Alegre surgiu lutando e luta
sempre pela regulamentação do capital financeiro, pela
cobrança de taxas sobre a movimentação desse capital, que
reverta para atender as necessidades cidadãs da grande
maioria da humanidade, sem acesso aos bens elementares. Porto
Alegre nasceu para lutar e luta sempre pelo fim do pagamento
das dívidas – injustas, já pagas, impagáveis – dos países do
Sul do mundo, para que deixem de trabalhar e produzir para
enriquecer os países credores e suas instituições
financeiras. Porto Alegre nasceu para lutar e continuará
sempre a lutar pelo respeito a meio ambiente, por modelos de
desenvolvimento autosustentáveis, pelo controle e proibição
dos transgênicos, pela segurança alimentar, pela reforma
agrária. Porto Alegre lutou desde o seu começo e sempre
lutará pela democratização da mídia, sem a qual nunca haverá
democracia no mundo.
Porto Alegre luta sempre para que os programas de governo se
orientem por metas sociais e não financeiras, para que o
acesso aos bens materiais e culturais sejam direito de toda a
humanidade e não apropriação de alguns ou objeto de políticas
focalizadas e emergenciais, como prega o Banco Mundial e
obedecem tantos governos.
Porto Alegre luta contra o neoliberalismo, para que outro
mundo seja possível, um mundo que não seja comandado pelo
dinheiro e transformado em mercadoria. Porto Alegre luta por
um mundo sem guerras, em que os conflitos sejam decididos de
forma democrática, negociadas, atendendo o direito de todas
as partes envolvidas, pacificamente.
Pode-se ir a Porto Alegre e a Davos, mas não se pode
construir pontes entre esses dois mundos incompatíveis entre
si, entre os quais se situa um abismo infinito. Pode-se ir a
Porto Alegre e a Davos, mas para constatar que são duas caras
totalmente distintas da humanidade que estão em cada uma das
duas cidades. E para que se possa optar entre a cara alegre,
feliz, combativa, esperançosa, de Porto Alegre e os
colarinhos, as maletas 007 e os sorrisos posados para as
câmaras de tv dos executivos e seus escribas de Davos.
Visitar as duas cidades, os dois Foros é um teste para os
dois lados da alma que todos têm. Mas só se pode ficar com um
deles: vender a alma ao diabo ou aderir entusiasticamente à
luta contra todas as formas de exploração, de dominação, de
discriminação, de alienação. Que venham todos lutar juntos
pela emancipação humana em Porto Alegre!
https://www.alainet.org/pt/articulo/111218?language=es
Del mismo autor
- Hay que derrotar políticamente a los militares brasileños 07/04/2022
- China y Trump se fortalecen 04/03/2022
- Pandemia e Ucrânia aceleram decadência da hegemonia norte-americana no mundo 28/02/2022
- Pandemia y Ucrania aceleran la decadencia de la hegemonía norteamericana en el mundo 28/02/2022
- La anti-política generó la fuerza de extrema derecha 22/02/2022
- Las responsabilidades del PT 10/02/2022
- Estados Unidos, más aislado que nunca en América Latina 03/02/2022
- Memoria y olvido en Brasil 27/01/2022
- 2022: tiempos decisivos para Brasil y Colombia 05/01/2022
- Brasil: una historia hecha de pactos de élite 18/12/2021
FSM
- Sergio Ferrari 10/02/2021
- Sergio Ferrari 10/02/2021
- Sergio Ferrari 08/02/2021
- Celeste Serra 02/02/2021
- Sergio Ferrari 01/02/2021