Movimentos sociais brasileiros apresentam plataforma comum
Coordenação dos Movimentos Sociais lança documento-base
18/08/2003
- Opinión
Durante o mês de agosto estão sendo realizados cinco encontros
regionais em todo o país para lançar a Coordenação dos Movimentos
Sociais (CMS). Este espaço surge para dar resposta à necessidade
de unificar as ações dos movimentos sociais no novo cenário
político que vive o país após a vitória de Lula, buscando definir
uma plataforma comum de propostas e organizar ações conjuntas,
como objetivo de fortalecer o campo das mudanças, do
desenvolvimento e da valorização do trabalho.
Participam da Coordenação as mais diversas entidades do movimento
social brasileiro, com destaque para o MST, a CUT, a UNE, a Ubes,
a Conam e a Pastoral Operária. O documento-base estará sendo
discutido em encontros que percorrerão as cinco regiões do país,
sendo que neste sábado, dia 23, realiza-se o de São Paulo. Os
encontros devem também preparar uma jornada nacional de
mobilizações em setembro, em defesa do desnvolvimento, do
trabalho e da soberania. Veja abaixo a íntegra do documento-base
que orienta este esforço unificador:
Soberania nacional, desenvolvimento, trabalho, distribuição de
renda com inclusão social
Este documento tem por finalidade municiar os militantes com um
elenco de propostas que compõem um projeto alternativo de
desenvolvimento econômico e social. Essas propostas podem
alimentar o debate público; conscientizar a população;
influenciar a discussão sobre o conteúdo das reformas no Conselho
para o Desenvolvimento Econômico e Social e no Fórum Nacional do
Trabalho. Visa também municiar o conjunto dos movimentos
populares e a classe trabalhadora para que haja unidade de ação e
mobilização popular, exigindo, conforme disse Lula em seu
discurso de posse: "o resgate das centenárias dívidas sociais
deste país".
Introdução
A política neoliberal aplicada no Brasil ao longo dos últimos
anos, foi marcada por uma ofensiva brutal contra as forças de
trabalho. O pensamento dominante dizia que a depreciação do valor
da mão de obra brasileira e a derrubada de direitos e conquistas
da classe trabalhadora levariam a um aumento dos lucros extraídos
pelas empresas e criariam melhores condições para o
desenvolvimento nacional. Assim como a precarização das relações
trabalhistas tem o pretexto de favorecer o crescimento e ampliar
a oferta de emprego. O arrocho salarial é apresentado como
condição para combater a inflação, e a redução dos direitos
previdenciários, como indispensável para conter o déficit público
e elevar a poupança interna.
Esse discurso neoliberal, feito anos a fio, acaba por demonstrar
que é falso em todos os seus aspectos, pois, o desenvolvimento
econômico desabou, o desemprego cresceu ultrapassando os 20%,
enquanto 50% dos que trabalham estão sem carteira assinada, sem
nenhuma segurança social, e os salários perderam parte
significativa de seu poder aquisitivo. Enquanto isso, a
dependência externa estrangula nosso desenvolvimento e, ao mesmo
tempo, os grandes bancos têm lucros extraordinários, com juros de
pura agiotagem.
O governo Lula desperta esperanças e possibilidades de mudanças
desejadas pelos trabalhadores. Entretanto, não reuniu forças de
sustentação política e econômica para implementar a agenda de
mudanças que a situação do país exige. Ainda persiste a agenda
anterior, com propostas que não garantem o fomento de uma
política de desenvolvimento econômico e social.
Somente a mobilização social garantirá a manutenção da agenda dos
movimentos sociais e a sustentação para as mudanças que respondam
aos interesses populares e às reivindicações históricas do povo
brasileiro.
Retomada do desenvolvimento
A retomada do desenvolvimento econômico brasileiro sustentado
pressupõe uma nova política que, em oposição ao neoliberalismo,
veja na valorização do trabalho uma fonte de desenvolvimento, o
caminho para o fortalecimento do mercado interno e a
possibilidade de aumento da capacidade de consumo e da inclusão
social das amplas massas marginalizadas.
Para tanto, se faz necessário a superação da atual política,
ainda dependente aos acordos que aprisionam as política
econômicas de nosso país aos interesses do capital. Assim como é
preciso pôr fim à política que gera "superávit primário", também
se faz necessário a redução dos juros e a ruptura com os
"compromissos" da dívida.
Uma nova fase de crescimento econômico interno e independente
deve promover um aumento da oferta de empregos e conseqüente
fortalecimento da economia brasileira. Nessa perspectiva, cabe ao
governo estabelecer uma política de valorização do salário
mínimo, que o eleve, progressivamente, para patamares indicados
pelo Dieese.
O governo brasileiro reúne, hoje, condições para desenvolver uma
política internacional que garanta novas condições de resgate do
Mercosul, respeitando os direitos dos(as) trabalhadores(as),
criando, ainda, uma política de integração latino-americana em
oposição ao projeto estadunidense da Alca.
Plataforma política, econômica e social
Áreas carentes fundamentais, não apenas para o crescimento
econômico, mas, sobretudo, para a elevação da qualidade de vida
de todo o povo são prioritariamente:
a) Reforma Agrária. Desenvolvida no bojo de uma política agrícola
que, além de garantir acesso à terra, de preferência em pequenos
coletivos, proporcione apoio técnico; assistência financeira
subsidiada, nova forma de distribuição da produção rural, e
garantia de preços contra a especulação de intermediários. O
Brasil tem enorme extensão de terras cultiváveis, de fácil
acesso, que estão improdutivas. Temos, portanto, um potencial
inicial para assentar alguns milhões de trabalhadores com a
média, já praticada nos atuais assentamentos, de 18 hectares por
família. A reforma agrária inclui ainda o fortalecimento da
pequena agroindústria familiar, através de programas: a) de
agroindustrialização em pequena escala em âmbito local; b) apoio
às cooperativas de produção, agroindustrialização e
comercialização. c) apoio ao crédito solidário e
desburocratizado; d) programas de moradia para o campo; e)
criação de programa de agroecologia; f) formação de bancos de
sementes crioulas, visando mudar o modelo convencional de b)
Política industrial, política de rendas e política de emprego.
Estas três políticas estão voltadas para dois objetivos
simultâneos: garantir o pleno emprego de toda a força de trabalho
da economia e proporcionar a todos os brasileiros um nível de
renda compatível com uma existência digna, nos termos da nossa
cultura.
A política industrial deverá voltar-se para o aumento da produção
de bens-salário, a fim de atender à imensa demanda reprimida
constituída pelos milhões de brasileiros e brasileiras
praticamente excluídos do mercado de bens de consumo. Para
atingir esse objetivo, se estimulará o pleno uso do parque
industrial já instalado no país, a expansão dessas indústrias e
sua dispersão por todo o território nacional.
A política de rendas visará fixar salários que possibilitem
assegurar uma demanda dinâmica para o setor industrial.
A política de emprego estará atenta para ajustar a modernização
tecnológica, preferentemente via inovação gerada no país, ao
objetivo de pleno emprego: os atuais empregados precisam manter
seus postos de trabalho; os desempregados precisam ser re-
empregados; e atenção especial deve ser dada à integração da
juventude no mercado de trabalho. O incentivo ao 1º emprego deve
estar associado a uma política educacional que promova a
reformulação e a ampliação do ensino técnico, assim como promova
a qualificação profissional dos jovens.
Da mesma forma, deve-se dar atenção e combater a desigualdade
étnico-racial, e entre homens e mulheres, no que diz respeito ao
acesso ao emprego, aos salários e às condições de trabalho.
A era FHC foi marcada por forte investida contra os direitos
trabalhistas, tornando o trabalho, para milhões de brasileiros e
brasileiras, precário, sem amparo previdenciário e com drástica
redução salarial. A reforma das leis trabalhistas deve assegurar
os direitos conquistados e ampliá-los ainda mais, proporcionando
a justa distribuição dos benefícios de todos os bens materiais e
culturais socialmente produzidos.
Dentre essas reformas, ressalta a que promove a redução da
jornada de trabalho, sem redução de salários. A redução da
jornada, além de gerar mais postos de trabalho, reduz o desgaste
físico e mental do trabalhador, deixando-lhe mais tempo para o
estudo, para o lazer e para o convívio social e familiar. Uma
primeira medida neste sentido, que além de necessária e viável,
seria a redução para uma semana máxima de 36 horas, com redução
proporcional das jornadas que hoje já são inferiores à essa. Da
mesma forma, seria importante a proibição das horas extras e da
flexibilização da jornada como ocorre hoje com os famigerados
"bancos de horas".
Considerando a necessidade imediata de trabalho para mais de 20
milhões de trabalhadores, os governos das três esferas (federal,
estadual e municipal) devem desenvolver programas emergenciais
para gerar trabalho através das "frentes de trabalho" em que
privilegie, sempre que possível, o trabalho manual ao das
máquinas.
c) Programa de construção de Moradias Populares. Destinado a
satisfazer uma demanda de cerca de 10 milhões de moradias, a fim
de acabar com as palafitas, mocambos, casebres, cortiços e
favelas. A adoção de um sistema autogestionário para a construção
dessas casas dará trabalho a centenas de milhares de
trabalhadores. O programa de construção de moradias populares é
parte de uma Reforma Urbana que permita acabar com a especulação,
garantindo assentamentos nas terras estocadas, com programas de
construção de moradias para os sem teto, a baixo custo e
subsidiadas. Tal reforma deve garantir a elaboração do
planejamento em longo prazo, eliminar causas da poluição
ambiental e universalizar os serviços sociais. Tudo isso
contribuirá para melhorar o atendimento das necessidades do povo
e para humanizar a cidade. Neste sentido, é fundamental que as
municipalidades garantam atendimento decente aos migrantes, sejam
brasileiros ou estrangeiros, dentro do sagrado direito de "ir e
vir".
d) Projeto de reformulação do sistema nacional de saúde pública.
Torná-lo preventivo das doenças, principalmente as endêmicas. O
serviço de saúde pública deve proporcionar atendimento condizente
com a dignidade das pessoas. Investimentos precisam ser feitos na
pesquisa científica, tanto na área da saúde em si, quanto na
produção e descoberta de novos medicamentos. O sistema de saúde
deve estar associado a um projeto nacional de Saneamento
Ambiental que venha dotar, em curto prazo, todos os municípios e
localidades, com redes de abastecimento regular de água e
esgotamento sanitário; macro e micro drenagem, controle de
vetores, recuperação ambiental, e preservação dos recursos
naturais. Os programas de saúde e de saneamento, além de elevar a
qualidade de vida da população, contribuirão significativamente
para o objetivo de pleno emprego.
e) Projeto de reformulação do sistema de educação pública. Com o
objetivo de universalizar o aceso à escola, em todos os níveis,
reformulando também seu conteúdo. Educação que prepare cidadãos -
e não meros reprodutores do sistema capitalista - capazes de
assumir o desafio da construção da Nação brasileira. Há
necessidade de grandes investimentos para alfabetizar a população
adulta e para o acesso de crianças de "0" a "6" anos em creches e
ensino infantil. São necessárias novas escolas, bem equipadas,
com limite de alunos por sala de aula, a fim de humanizar e
potencializar o trabalho do professor e melhorar o aproveitamento
dos alunos.
Necessitamos também de um sistema de ensino com a perspectiva de
construção de uma nova universidade, que invista em docência, em
pesquisa e em extensão universitária. Além disso, é necessário
ampliar o número de vagas nas universidades públicas, a fim de
democratizar o acesso e a permanência, garantindo a todos o
direito à educação e pondo fim à mercantilização do ensino. A
elevação do grau de escolaridade e de preparação técnica dos
trabalhadores é fundamental para assegurar o desenvolvimento
econômico nacional com a devida independência, assim como,
assegurar um grau mais elevado da realização humana de cada
trabalhador. Desenvolvimento econômico e elevação do padrão
técnico-intelectual dos trabalhadores são fatores que contribuem
para a elevação do nível salarial e do padrão de vida geral do
povo brasileiro.
f) Sistema de transporte. O Brasil tem extensão territorial
continental, o que, desde logo, sugere que o modo de transporte
principal deveria ser o transporte sobre trilhos. No entanto, seu
sistema de transporte se desenvolveu sobre pneus; um sistema de
construção e manutenção caro, altamente poluidor, além de
infinitamente menos seguro que o transporte sobre trilhos. A
construção de extensa rede de estradas de ferro, além de reduzir
a agressão ao meio ambiente, significará para o Brasil, um
desenvolvimento que encurtará distâncias, tornando mais rápido o
transporte de cargas, com o conseqüente barateamento dos
produtos, sobretudo agrícolas. Nas grandes e médias cidades, o
transporte de massas ajudará a encurtar o tempo de locomoção,
barateará e humanizará o transporte de passageiros, fará diminuir
sensivelmente a emissão de gazes poluentes. Um sistema coerente
de transportes deve combinar o transporte terrestre (ferroviário
e rodoviário) com o desenvolvimento equilibrado da navegação
fluvial, da navegação c g) Apoio às lutas dos povos indígenas.
Implementar a demarcação e garantias suas terras e suas culturas.
A Constituição de 1988 estabelece o reconhecimento aos direitos
originários às terras que os índios ocupam tradicionalmente,
fixando a responsabilidade da União em demarcá-las. Reconhece,
ainda, o direito à diferença cultural, fundamento de um Estatuto
pluriétnico e o caráter multicultural da nação brasileira. Com o
não cumprimento do que estabelece a Constituição Brasileira,
cresce o quadro de violência que tem vitimado várias lideranças
indígenas e membros de suas comunidades. Faz-se necessário ativar
a proteção aos povos indígenas e ao seu patrimônio, nas bases
constitucionais de 1988.
h) Atendimento social. Temos carência também de um sistema de
atendimento social para recuperação de drogados, apoio à terceira
idade, orientação para o planejamento familiar, amparo e
orientação à infância e à adolescência desamparadas. Entre as
ações de atendimento social deve-se incluir um sistema prisional
que, mais do que punir criminosos, vise recuperá-los para o
convívio social. Todos esses projetos geram postos de trabalho
especializados e de apoio - trabalhos que constroem vidas.
i) O incentivo às micros e pequenas empresas produtivas, assim
como, às cooperativas de trabalho. Será fundamental para atender
as grandes demandas originadas do novo surto de desenvolvimento.
Cada nova empresa estará gerando novas vagas de trabalho,
regionalizando o desenvolvimento e elevando o padrão de vida
local. Linha de crédito para pequenas e médias empresas, visando
estimular a produção, mas sem qualquer flexibilização das
relações de trabalho, para iniciativas dos desempregados que têm
chances de trabalhar em sistema de cooperativas ou
autogestionário será fundamental para estimular novas formas de
relações de trabalho, estimulando surgimento de trabalho
alternativo.
j) Esporte amador, lazer e vida. O esporte no Brasil caminha aos
trancos e barrancos, sendo privilegiados os esportes
profissionais voltados para o consumismo dos produtos do sistema.
Investir num sistema de esportes amadores resultará em melhorar
as condições de saúde e de vida de nosso povo, contribuirá para
desenvolver sua cultura, além de propiciar lazer e principalmente
inclusão social. Aqui, também há necessidade de profissionais
especializados em ampla escala.
Um outro Brasil é possível!
Para que todas essas mudanças possam ocorrer no país, é preciso
fortalecer a Soberania Nacional, ampliar a democracia, mobilizar
os trabalhadores e a população em geral, reunindo força
suficiente para enfrentar os interesses dos banqueiros, das
transnacionais, dos latifundiários, bem como dos organismos
internacionais, abrindo perspectivas para a construção de um novo
país.
Coordenação dos Movimentos Sociais "Organizar a Esperança!"
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