Sars e malária: duas humanidades
12/05/2003
- Opinión
Algumas centenas de pessoas morreram, nestes últimos
meses, vítimas da SARS, causando pânico e alerta mundial.
Afinal, qualquer um de nós podemos ser vítimas, ao
circular pelos aeroportos de Toronto ou de Hong Kong. A
medicina prioriza as pesquisas e os laboratórios já
salivam com a disposição de colocar no mercado remédios
caros de prevenção, diante do pânico provocado e
multiplicado todos os dias pela mídia.
No entanto, quase 3 mil pessoas (isso mesmo, três mil
pessoas) morrem todos os dias (isso mesmo, dias) de
malária na África, a grande maioria crianças. No total, um
milhão de mortos por ano. Além de matar, deixa um número
muito maior de pessoas afetadas por problemas causados
pela doença. A malária mata dez vezes mais num dia do a
SARS no seu total até hoje.
Nenhum alarme ou pânico mundial é causado por esse
massacre, nenhum laboratório se apresta a fabricar
remédios – até porque eles já existem – ou baixar os
preços dos já existentes para enfrentar a doença. Afinal,
são pobres, sem poder de compra, sem influência na mídia
mundial, sem poder algum para gritar por suas necessidades
elementares de sobrevivência.
Os remédios existem, até mesmo o DDT, que ajudou a
erradicar a doença em vastas zonas da Ásia e da América
Latina nas últimas décadas. Mas o tratamento custa caro
para os níveis de renda da África. Um kit de remédio custa
5 dólares, mais ou menos o que um país africano médio
gasta por pessoa, cada ano, em saúde. A água mal tratada é
um dos fatores essencial de propagação da doença, mas os
gastos públicos tem diminuído sistematicamente, por
acordos com o FMI assinados pelos governos da região,
piorando as condições de saúde da população.
Ainda não existe uma vacina que previna a malária, mas ela
seria facilmente produzida a partir dos conhecimentos que
a medicina possui. A dificuldade vem da falta de
incentivos do "mercado" para que os laboratórios privados
se dediquem a isso. Nem se imagina que algum pesquisador
chegue a ganhar o Prêmio Nobel de Medicina por uma
invenção dessas, quando estão dedicados a temas como a
SARS, que afeta a clientes dos laboratórios, a personagens
da mídia e a passageiros dos aeroportos dos VIPS do mundo.
Há carnes e carnes, vidas e vidas, de primeira e de
segunda na economia mercantilizada. O conhecimento humano,
produzido pela pesquisa na área pública, é privatizado
para atender a busca de lucros dos laboratórios privados.
O mundo está à venda, na lógica capitalista, quem tiver
dinheiro, que compre.
https://www.alainet.org/pt/articulo/107524?language=es
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