Os por ques da vitoria de Lula
20/10/2002
- Opinión
Uma vitória presidencial não se improvisa. Ainda mais se ela se dá contra
as elites tradicionais brasileiras, interrompendo sua centenária
trajetória de utilização do Estado para reprodução do seu poder e da sua
riqueza. Por que Lula conseguiu obter dois terços do eleitorado,
conquistar a opinião pública e isolar um governo que havia conseguido
representar praticamente a totalidade das elites tradicionais
brasileiras?
A vitória de Lula significa, em primeiro lugar, o fracasso e a derrota do
governo de Fernando Henrique Cardoso. Tivesse seu governo dado certo e
seu candidato não apenas reivindicaria abertamente seu legado, como seria
favorito para sucede-lo na presidência da república. Tivesse sido obtida
a estabilidade monetária – à qual subordinou tudo o resto, reduzido
exatamente a isto, a resto -, não estaria o país vivendo uma crise
financeira, com a moeda fragilizada, sofrendo ataques diante dos quais
tem demonstrado pouca capacidade de defesa. O real não estaria valendo
cinco vezes menos do que no início do Plano Real, o endividamento público
seria menor e não dez vezes maior do que no seu início. Os juros seriam
baixos para a retomada do desenvolvimento – para o qual a estabilidade
monetária seria um instrumento – e não os juros reais mais altos do
mundo.
Significa, em segundo lugar, que o povo se manifestou em torno da grande
polarização que se instalou no país desde 1989 – com o segundo turno
entre Lula e Collor – e o fez majoritariamente a favor de uma delas. O
segundo turno deste ano fez justiça à grande divisão que o Brasil viveu,
entre a prioridade da estabilidade monetária e aquela das políticas
sociais. Embora durante os primeiros anos do Plano Real a decisão
majoritária do povo tivesse se inclinado para a primeira - a reeleição
de FHC foi feita de forma fraudulenta, escondendo que o país tinha
quebrado, o Plano Real fracassado e que Pedro Malan já negociava com o
FMI um gigantesco empréstimo, ao mesmo tempo que a desvalorização negada
da moeda já tinha sido decidida -, ao longo dos anos a prioridade das
políticas sociais foi se impondo como preocupação fundamental para a
maioria, a começar pelo direito ao emprego formal.
A vitória de Lula significa também que o modelo neoliberal se esgotou,
não apenas no Brasil, mas em escala internacional. O abandono da
Argentina, as mudanças na política econômica dos próprios EUA, a crise
uruguaia, peruana, equatoriana, entre outras, demonstram que estamos
vivendo realmente o fim de uma era e se abrem perspectivas reais para um
novo período histórico – o posneoliberal. A candidatura Lula soube captar
isso, organizou uma aliança ampla do capital produtivo contra o
especulativo, conseguiu isolar o bloco político governamental e
constituiu assim os embriões de um novo bloco histórico no poder.
O triunfo de Lula representa também o potencial democrático e popular da
esquerda, renovada em sua linguagem e sua capacidade de alianças,
portanto seu potencial hegemônico, de se tornar o eixo das forças que
desejam romper com o neoliberalismo. Seu sucesso abrirá um novo capítulo
na história da esquerda e na luta pela construção de um projeto
hegemônico alternativo ao neoliberalismo.
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