A cultura política e a “ficha” de candidatos
22/09/2014
- Opinión
Três candidatos a governador – Distrito Federal, Mato Grosso e Roraima – renunciaram, na última semana, por causa de sua “ficha suja”. É algo a festejar, mas nem tanto assim. Eles renunciaram diante da evidência de que seus últimos recursos nos tribunais superiores não funcionariam e, caso eleitos, perderiam legalmente os mandatos conferidos pelo voto. Além disto, os três puseram suas esposas na chapa, como titular (MT e RR) ou como vice (DF).
Com a lei da Ficha Limpa barrou-se a possível representação de três candidatos que não têm condições de legitimidade para exercê-la – só três de um universo de mais de 10%, segundo minhas estimativas, de todos os candidatos com “ficha suja” disputando eleições este ano no país. Não dá para dizer que com a esperta e oportuna renúncia nesses três casos, em favor de suas esposas, a cultura político-eleitoral entre nós, que permite a eleição de representantes “fora da lei”, está mudando. Ainda não é a democracia, a cidadania e a política que saem enaltecidas diante de tais fatos.
Duvido que haja alguém neste país que não conheça político corrupto ou criminoso mesmo, até com processo e tudo. A questão é por que tais pessoas recebem o voto cidadão e acabam eleitas? O antídoto legal da Ficha Limpa ajuda, e muito, mas não consegue mudar uma cultura política corroída, encrustada nos usos e costumes. Afinal, não são tribunais que votam, somos nós mesmos, cidadãs e cidadãos. Por que ainda há espaço para gente sem “ficha limpa” que consegue se eleger facilmente? O candidato Arruda estava à frente na disputa eleitoral em Brasília, apesar de todas as falcatruas e condenações. Não é a cidadania que lhe estava negando a representação, ele foi derrubado por expectativa de ser condenado em último recurso pelo STF.
Fala-se muito, hoje, de reforma política. Mas parece assunto de especialistas, pois não é um tema claro na agenda política de candidatos. Todos eles e elas, sem exceção, tem alianças e apoios de “fichas sujas”. As lealdades e amizades estão acima da legalidade. E existe o tal mantra da “governabilidade”, de alianças espúrias para governar, que tudo justifica.
Parece que política é um espaço público disto mesmo, de “fichas sujas”. Como mudanças constitucionais dependem de um Congresso com presença de “fichas sujas” e de corporativismos acima de interesse público, passa ano e vai ano, tudo fica na mesma. Só um poderoso movimento cidadão poderia configurar uma outra situação. Mas como, se a cultura do favor e do “rouba mas faz” está impregnado na cultura política e contamina, paralisa até, a cidadania?
Bem, a minha questão nesta crônica do momento eleitoral do Brasil é esta mesma: para o povão, política sempre foi e continua sendo coisa de gente “esperta”. Já que é assim, vamos tirar vantagem disto. A minha “pesquisa de urna” e observação pessoal, sobretudo em caminhadas matinais pelo Aterro do Flamengo ou nas idas a mercados, é que a política para o cidadão comum não é definida pelo nosso voto programático, mas por a gente ser esperta o suficiente para conseguir estar do lado daquele conhecido que pode dar alguma vantagem.
Sim, estamos ainda diante de uma cultura de favor, de voto em troca de favor, não importa muito como. Isto vale sobretudo para deputados estaduais e federais. Muda um pouco, mas continua contaminado, na eleição de senadores (que ninguém sabe para que servem!), de governadores e de presidente. Só que estes não existem sem a institucionalidade do Poder Legislativo.
Assim, o que nos falta, mais do que reforma política, é a reforma da política enquanto tal. A Política (com P maiúsculo) entre nós ainda não é plenamente um bem comum, público, uma arena simbólica de disputa de projetos de sociedade entre todas e todos, sem exclusões ou discriminações. O privado prevalece sobre o público, o interesse menor sobre o interesse comum, a competição por vantagens corporativas sobre o bem de todas e todos.
A “ágora” – a praça da democracia para os gregos – como símbolo de conquista democrática de convivência e debate de iguais na diferença e diversidade, ainda precisa ser inventada entre nós. Continuamos uma sociedade de “casa grande” e “senzala”, com donos e não donos, com verdadeiros proprietários de representação política (o tal “direito adquirido”) e eleitores submissos que a eles servem. Ainda temos clãs na política, como se política fosse questão de herdeiros, com direito a continuar vivendo das benesses do poder.
A tarefa de mudança vai muito além da cosmética proposta por Marina, nesta eleição. Na sua “nova política” há muito lugar para “fichas sujas” e o financiamento interesseiro de grandes corporações econômicas e financeiras. Aliás, ela até buscou apoio explícito da elite do agronegócio, uma pequena fração da classe dominante, mas muito esperta em financiar e comprar lealdade de deputados, a tal “bancada ruralista”, eleita por nós, com o nosso voto, vale lembrar. O tamanho de transformação da política pela cidadania ativa é gigantesca, coisa para mais de uma geração. Mas temos que começar agora para acontecer um dia!
- Cândido Grzybowski é diretor do Ibase.
23/09/2014
https://www.alainet.org/pt/articulo/103612?language=es
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