Uma figura emblemática do FMI e do Banco Mundial perante a justiça suíça

16/06/2013
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Jacques de Groote, ex-diretor executivo do FMI (1973-1994) e do Banco Mundial (1975-1991), representante da Bélgica, está sob a mira da justiça suíça. De acordo com o jornal Le Temps, de Genebra, Jacques de Groote está a ser investigado pelos tribunais suíços por «branqueamento de capitais», «fraude», «falsificação de títulos»[1]. Seis cidadãos checos (um dos quais morreu em março de 2013) estão também  a ser investigados pelas mesmas razões.
 
O caso diz respeito à privatização fraudulenta da MUS (Mostecká Uhelná spolecnost), uma das principais minas de carvão da República Checa, em finais dos anos noventa. «Os sete acusados beneficiaram da privatização desta mina do norte do país – cujo carvão servia para produzir 40% da eletricidade checa – para enriquecerem ilegalmente, graças a uma arquitetura complexa de empresas de fachada internacionais»[2].
 
Na sequência deste caso, a justiça suíça bloqueou, desde 2008, 660 milhões de francos suíços (540 milhões de euros ou 705 milhões de dólares) em centenas de contas bancárias. O processo, que teve início a 13 de maio de 2013, em Bellinzona, no Ticino suíço, surge na sequência de seis anos de investigação levada a cabo por três procuradores federais, que identificaram cerca de sessenta empresas de fachada, algumas localizadas em Friburgo, no Liechtenstein e em Chipre.
 
Jacques de Groote afirma: «Não há nenhuma razão para me considerarem culpado, nem ontem nem hoje»[3]. Sem prejuízo da sentença que será proferida pela justiça suíça, durante o verão de 2013, é interessante observar a trajetória de Jacques de Groote, agora com 86 anos, que foi uma figura emblemática do FMI e do Banco Mundial. Existe uma relação entre as funções que desempenhou nessas instituições e o caso que está a ser tratado pela justiça suíça.
 
De facto, como diretor executivo do FMI e do Banco Mundial, Jacques de Groote presidiu, em representação da Bélgica, a um grupo de países, que possuía cerca de 5% dos votos do conselho de administração de ambas as instituições, ou seja, na época, tinha mais poder de voto do que a França, a Grã-Bretanha, a China e a Índia. No final do seu mandato, o grupo a que presidia era composto pela Bélgica, a República Checa, a Eslováquia, a Eslovénia, a Áustria, o Luxemburgo, a Turquia, a Bielorrússia, a Hungria e o Cazaquistão.
 
O Banco Mundial e o FMI lideraram um processo de privatizações na República Checa, como na maior parte dos países do ex-bloco soviético, na época em que Jacques de Groote era diretor executivo. Alguns anos após o final do seu mandato, em 1998-1999, tornou-se presidente do Appian Group, uma empresa suíça com sede em Friburgo especializada em investimentos em empresas privatizadas da Europa Central e de Leste, em particular na República Checa[4].
 
Em 2004, de acordo com o Financial Times, «O Appian Group surgiu do nada e tornou-se num dos principais e num dos mais poderosos grupos financeiros da cena negocial da República Checa»[5]. Empregava cerca de 15.000 funcionários e possuía ainda a mina MUS (adquirida em 1998), o grupo Skoda Engineering (também privatizado) e outras empresas. Obtinha favores do governo checo.
 
Em relação à privatização da mina MUS, o Financial Times pôs a hipótese de a gestão da mina e o Appian (presidido por Jacques de Groote) terem utilizado o dinheiro da MUS para pagarem o empréstimo usado na sua compra[6]. Além disso, grandes somas foram transferidas para o estrangeiro. Percebe-se mais tarde que a MUS tinha sido esvaziada de conteúdo. Os 660 milhões de francos suíços apreendidos pela justiça suíça são provavelmente constituídos por  boa parte desse dinheiro. Segundo o Le Temps: «Em finais dos anos noventa, seis checos e um belga terão enriquecido ilegitimamente devido a esta privatização, utilizando uma engenharia financeira complexa. O Ministério Público da Confederação (MPC) interessou-se pelo caso, porque o dinheiro para a transação terá passado pela Suíça». Deve-se também acrescentar que a atual empresa MUS constituiu-se como assistente no processo que começou na Suíça, em maio de 2013. A polícia checa também acusou os seis cidadãos checos e Jacques de Groote no caso MUS[7].
 
Quem está na origem do processo aberto pela justiça suíça?
 
Alain Aboudaram, o diretor de uma empresa suíça, que se considerou enganado por Jacques de Groote, está na origem da denúncia contra este e contra os outros arguidos. Foi ele que, em 2004, forneceu à justiça suíça uma série de informações precisas sobre uma operação de branqueamento de capitais de larga escala. O que é muito interessante, neste caso, é o conteúdo revelado por várias sentenças emitidas pela justiça dos Estados Unidos, num litígio que opôs Alain Aboudaram e Jacques de Groote[8]. Ficámos a saber que Jacques de Groote foi pago pela empresa de Alain Aboudaram por ajudar na redução dos montantes fiscais que a empresa Skodaexport teria de suportar. A empresa, na qual Alain Aboudaram tinha interesse direto, tinha conseguido junto do Banco Mundial, com a ajuda de Jacques de Groote, a celebração de um contrato para a construção de um gasoduto na Índia[9].
 
A sentença norte-americana indica claramente que Jacques de Groote recebeu da empresa de Alain Aboudaram uma significativa contrapartida, o que Jacques de Groote já reconheceu. Segundo uma notícia da agência Belga, de 13 de maio de 2013: «Os montantes pagos ao Sr. De Groote são consideráveis. O Sr. De Groote fez saber durante o processo ter direito a quase 3 milhões de dólares por serviços prestados. Terá recebido apenas um milhão de dólares». A justiça dos Estados Unidos rejeitou os argumentos de Alain Aboudaram contra Jacques de Groote que escapou assim a uma condenação.
 
Cheira-vos a tráfico de influências? É natural. Mas a justiça dos Estados Unidos considerou que as ações de De Groote eram irrepreensíveis. O Banco Mundial também não se queixou de nada. O discurso sobre as boas práticas destina-se aos dirigentes do Sul e não aos (antigos) dirigentes do Banco Mundial e do FMI.
 
As acusações relacionadas com conflito de interesses no passado «africano» de Jacques de Groote
 
Em dezembro de 1990, o Wall Street Journal publica os resultados de uma longa investigação levada a cabo pela sua redação sobre Jacques de Groote, então diretor executivo do FMI e do Banco Mundial[10]. O jornal considera que De Groote utilizou sistematicamente a sua influência no seio do FMI e do Banco Mundial para servir os interesses do ditador Mobutu. A redação afirma que há conflito de interesses: De Groote terá tirado benefícios financeiros da sua posição. O diário financeiro refere também que De Groote obteve vantagens devido à sua ação no BM e no FMI em relação ao Ruanda. As direções do Banco Mundial e do FMI, mais uma vez, não se pronunciam sobre o assunto. O caso fez correr muita tinta na altura. O Le Soir, o jornal francófono belga de referência, consagrou alguns artigos ao caso e Jacques de Groote acabou por se sair muito bem do assunto. O Le Soir foi muito complacente, para já não mencionar o diário La Libre Belgique, que pertencia à sua família política (o Partido Católico, que se transformou no Partido Social Cristão).
 
Convém lembrar que De Groote coleciona apoios no establishment, na Bélgica e no exterior. Isso permitiu-lhe escapar sempre às malhas da justiça.
 
Jacques de Groote coleciona também condecorações oficiais: é Grande Oficial da Ordem de Leopoldo I (Bélgica), Grande Oficial da Ordem de Orange-Nassau (Holanda), Comendador da Ordem do Mérito da Áustria, Comendador da Ordem do Luxemburgo, Estrela Vermelha da Hungria popular com a Palma de Ouro e, last but not least, Oficial da Ordem do Zaire, concedida pelo ditador Mobutu[11]. De 1980 a 1989, foi membro do júri da Fundação do Rei Balduíno que «luta contra a pobreza e o subdesenvolvimento». De 1963 a 1992, De Groote foi professor no departamento de economia da Universidade de Namur (Bélgica). De 1963 a 1973, foi professor extraordinário na Universidade Católica de Lovaina. Entre 1957 e 1960 e entre 1963 e 1965, foi professor na Universidade Católica de Lille (França).
 
De que o acusava o Wall Street Journal (WSJ)?
 
O jornal afirmava que De Groote tinha um nível de vida muito elevado e que acumulava dívidas (um milhão de dólares em 1990, de acordo com o jornal), o que o levou a pedir empréstimos a industriais belgas no Congo e no Ruanda, onde o Banco Mundial e o FMI eram muito ativos. Questionado pelo WSJ, De Groote negou qualquer conflito de interesses e afirmou nunca ter usado as suas funções para obter benefícios pessoais. O WSJ dizia que o regime corrupto do general Mobutu e outros regimes ditatoriais beneficiaram da generosidade do BM e do FMI. O jornal revelava que o Zaire de Mobutu tinha uma dívida de 1,6 mil milhões de dólares ao FMI e ao BM, numa altura em que o presidente Mobutu se tinha tornado um dos homens mais ricos do planeta[12]. De seguida, o WSJ explicava que De Groote tinha sido, desde 1967, um conselheiro oficial e oficioso do regime de Mobutu. O WSJ contava que quando as relações ficaram tensas entre o FMI, o Banco Mundial e Mobutu, em 1982, De Groote interveio para informar as autoridades de Kinshasa sobre o que esperava delas a missão do FMI, que se preparava para visitar o país. O desafio: a concessão, por parte do FMI, de um empréstimo de 246 milhões de dólares. O WSJ mencionava a existência de rumores sobre o facto de Groote ter recebido de oficiais do regime dinheiro dado por Mobutu. Também aqui, De Groote negou. O WSJ continuava, afirmando que De Groote teria recebido um empréstimo concedido pelo barão Jean-Louis van den Brande, que tinha interesses na Geomines, uma empresa mineira belga, ativa no Ruanda, que tinha beneficiado da política recomendada pelo Banco Mundial e pelo FMI em matéria de desvalorização do franco ruandês (o que favoreceu as vendas da mina em mercados externos). De acordo com o WSJ, o empréstimo, que foi inicialmente de 50 mil dólares (1990), atingia então os 150 mil dólares, porque De Groote não manteve a sua promessa de reembolso. O diretor do banco terá declarado ao WSJ que tinha medo de apresentar queixa contra De Groote devido aos apoios que este tinha. O mesmo Barão terá dado também uma mãozinha a De Groote em relação a um negócio imobiliário nos Estados Unidos.
 
Alguns dias após a publicação do artigo do WSJ, o Le Soir interrogou De Groote sobre o caso:
 
« – De acordo com o WSJ, a empresa belga dirigida por um dos seus amigos, o Sr. Van den Branden – do qual obteve um empréstimo – terá beneficiado dessa desvalorização?
 
– Qualquer ajuste nas taxas de câmbio tem impacto nas empresas. E eu não tenho culpa de ter um amigo que tem uma mina no Ruanda. E se eu solicitei um empréstimo através dele, é porque queria evitar pedi-lo aos bancos com os quais eu tinha ligações familiares»[13].
 
«Eu não tenho culpa de...». A resposta diz tudo.
 
Regressemos ao artigo do Wall Street Journal, que sublinhava que De Groote, na qualidade de diretor executivo do BM e do FMI para a Bélgica, não tinha responsabilidade pelo Zaire nem pelo Ruanda, porque esses países não faziam parte do grupo presidido pelo Reino da Bélgica. No entanto, de acordo com o WSJ, de Groote usava da sua influência e ia aconselhando os governos desses dois países, o general Mobutu e o general Habyarimana. De acordo com o WSJ, De Groote terá visitado Mobutu na sua casa no sul de França, em agosto de 1986, e terá ido vê-lo, em março de 1987, com o objetivo de melhorar as relações entre o FMI e o ditador.
 
Claro que, à imprensa belga, De Groote negou qualquer conflito de interesses e declarou não ter recebido qualquer compensação de Mobutu.
 
Algumas reflexões sobre a sua ação no Congo e no Ruanda
 
A investigação do Wall Street Journal levantou algumas questões interessantes, mas é importante ir mais fundo na análise. É preciso ir além da questão do conflito de interesses. As vicissitudes da vida de Jacques de Groote não são anódinas, mas porque razão o FMI e o Banco Mundial nunca mantiveram a devida distância em relação às suas ações? Não seria porque De Groote agia em conformidade com as orientações de ambas as instituições? O CADTM entrevistou, por duas vezes, o atual representante da Bélgica no Banco Mundial, Gino Alzetta, a propósito do comportamento de J. de Groote. A primeira vez foi em 2006, quando o CADTM tomou conhecimento das razões pelas quais De Groote foi objecto de uma queixa nos Estados Unidos, interposta por Alain Aboudaram. A segunda foi em maio de 2013, na sequência do processo levado a cabo pela justiça suíça contra De Groote e seis cidadãos checos. Em ambos os casos, Gino Alzetta disse que não via nada de irrepreensível no comportamento de J. de Groote. Além disso, a Bélgica também nunca manteve a devida distância em relação a De Groote. Não será porque este tem fundamentalmente defendido alguns interesses da Bélgica na cena internacional?
 
Passemos em revista a biografia de J. de Groote e relacionemo-la com os acontecimentos que abalaram a vida política e social no Congo e no Ruanda.
 
De acordo com a bibliografia não oficial, mais favorável a De Groote, presente na internet[14], ele participou, nos primeiros meses de 1960, na mesa redonda belga congolesa que preparou a independência do Congo Belga, que se dá a 30 de junho de 1960. Mobutu participa também na abertura da Conferência da Mesa Redonda, em Bruxelas. Entre abril de 1960 e maio de 1963, De Groote é assistente do diretor-executivo da Bélgica no FMI e no Banco Mundial, em Washington. Entre maio de 1963 e julho 1965, desempenha funções no âmbito das relações internacionais no Banco Nacional da Bélgica. Entre junho de 1960 e 1965, a vida política do Congo vive grande agitação. A 30 de junho de 1960, perante o Rei Balduíno e o governo belga, Patrice Lumumba, primeiro-ministro do Congo independente, faz um discurso, em Leopoldville (Kinshasa desde então), que enfurece o establishment da Bélgica colonial[15]. Alguns meses mais tarde, Mobutu torna-se chefe do Estado-Maior e prende Patrice Lumumba, que será assassinado em Katanga, em janeiro de 1961. Mobutu age em conformidade com os interesses da Bélgica e dos Estados Unidos. Em 24 de novembro de 1965, Mobutu toma definitivamente o poder através de um golpe militar, destituindo o presidente Kasavubu. De março de 1966 a maio de 1969, De Groote é conselheiro económico do governo de facto de Mobutu; é também conselheiro do Banco Nacional do Congo. Tem um papel ativo na implementação da política económica do país assim como nas negociações entre Mobutu, o FMI, o Banco Mundial e o Governo dos Estados Unidos[16].
 
No livro Banco Mundial: o golpe de Estado permanente, publicado em 2006[17], é analisado o facto de a Bélgica se ter organizado com o Banco Mundial e o regime de Mobutu no sentido de colocar a cargo do Congo uma dívida contraída pela Bélgica junto do BM durante os anos cinquenta.
 
De que se tratava? Violando o direito dos povos à autodeterminação, o Banco Mundial concedeu empréstimos à Bélgica, França, Grã-Bretanha, para financiarem projetos nas suas colónias[18]. Como reconhecem os historiadores do Banco: «Esses empréstimos, que serviam para aliviar a escassez de dólares das potências coloniais europeias, destinavam-se, na sua maioria, à satisfação dos interesses coloniais, sobretudo no setor mineiro, quer fosse através de investimento direto ou de ajuda indireta, quer no desenvolvimento dos transportes e das minas»[19]. Esses empréstimos permitem aos poderes coloniais reforçarem o jugo que exercem sobre os povos colonizados. Contribuem para abastecer as metrópoles coloniais de minerais, de produtos agrícolas e de combustíveis. No caso do Congo belga, os milhões de dólares que lhe foram emprestados para projetos decididos pelo poder colonial foram quase na totalidade gastos, pela administração colonial do Congo, na compra de produtos exportados pela Bélgica. O Congo belga «recebeu», ao todo, 120 milhões em empréstimos (em três vezes), dos quais 105,4 milhões foram gastos na Bélgica[20]. Para o governo de Patrice Lumumba, era inconcebível pagar essa dívida ao Banco Mundial, quando tinha sido contraída pela Bélgica para explorar o Congo belga.
 
A situação muda em 1965: após o golpe militar de Mobutu, o Congo reconhece que possui uma dívida ao Banco Mundial. Essa dívida, na realidade, foi contraída pela Bélgica junto do Banco Mundial.
 
O direito internacional é claro. Um caso semelhante tinha ocorrido no passado e foi resolvido pelo Tratado de Versalhes. Aquando da reconstituição da Polónia como Estado independente, após a Primeira Guerra Mundial, foi decidido que as dívidas contraídas pela Alemanha para colonizar parte da Polónia não ficariam a cargo do novo Estado independente. O Tratado de Versalhes de 28 de junho de 1919 estipulava: «A parte da dívida que, de acordo com a Comissão de Reparação, se refere a medidas tomadas pelos governos alemão e prussiano, na sequência da colonização alemã da Polónia, será excluída do valor cobrado a esta última...»[21]. O Tratado previa que os credores que emprestaram à Alemanha para projetos em território polaco apenas podiam reclamar à Alemanha o montante devido e não à Polónia. Alexander Nahum Sack, o teórico da dívida odiosa, precisa no seu tratado jurídico de 1927: «Quando o governo contrai dívidas para escravizar a população de uma parte do seu território ou para a colonizar por cidadãos da nacionalidade dominante, etc., essas dívidas são odiosas para a população indígena dessa parte do território do Estado devedor»[22]. Isto aplica-se integralmente aos empréstimos que o Banco concedeu à Bélgica, à França e à Grã-Bretanha para o desenvolvimento das suas colónias. Por essa razão, o Banco Mundial e a Bélgica violaram o direito internacional, ao fazerem com que o Congo independente suportasse o fardo do pagamento das dívidas contraídas para o colonizar.
 
Como vimos, De Groote participou ativamente nas negociações que decorreram aquando da independência do Congo e depois aconselhou o governo do ditador Mobutu. Nós não conhecemos em detalhe a sua atividade, mas, dadas as responsabilidades que assumiu, terá com certeza alguma responsabilidade neste caso.
 
Passemos agora ao período 1973-1994, durante o qual J. de Groote é diretor executivo para a Bélgica no FMI.
 
No final dos anos setenta, um representante legal do FMI, Erwin Blumenthal, banqueiro alemão, antigo responsável do departamento de relações exteriores do Bundesbank, faz um relatório condenatório sobre a gestão do Zaire de Mobutu. E advertiu os credores estrangeiros de que não devem esperar ser reembolsados enquanto Mobutu estiver no poder.
 
Entre 1965 e 1981, o governo do Zaire emprestou cerca de 5 mil milhões de dólares ao estrangeiro e, entre 1976 e 1981, a dívida externa é objeto de quatro reestruturações do Clube de Paris, num total de 2,25 mil milhões dólares. A totalidade dessa dívida inscreve-se perfeitamente  no conceito de dívida odiosa, por consequência é nula.
 
A má gestão económica e os desvios sistemáticos, feitos por Mobutu, de uma parte dos empréstimos, não fizeram com que o FMI e o Banco Mundial cessassem a ajuda ao regime ditatorial de Mobutu. É surpreendente constatar que, após a entrega do relatório Blumenthal, os pagamentos feitos pelo Banco aumentam[23] (os do FMI também, mas não são mostrados no gráfico). Manifestamente, as escolhas do FMI e do Banco Mundial não são determinadas preferencialmente por critérios de boa gestão económica. O regime de Mobutu é um aliado estratégico dos Estados Unidos e de outras potências influentes, no âmbito das instituições de Bretton Woods (por exemplo, a França e a Bélgica), durante a Guerra Fria.
 
Congo-Kinshasa (Zaire de Mobutu): pagamentos do Banco Mundial
 Fonte: Banco Mundial, CD-Rom, GDF, 2001
 
A partir de 1989-1991, com a queda do muro de Berlim, seguida mais tarde da implosão da União Soviética, o regime de Mobutu perde o interesse. Em muitos países de África (incluindo o Zaire), são realizadas conferências nacionais que dão destaque às reivindicações democráticas. Os empréstimos do BM começam a diminuir e cessam por completo em meados dos anos noventa.
 
Sob o regime de Mobutu (1965-1997), o FMI e o Banco Mundial foram um instrumento ao serviço da política e da geoestratégia americanas e recompensaram Mobutu pelo seu apoio à Guerra Fria.
 
«Em muitos casos, os empréstimos destinavam-se a corromper governos durante a Guerra Fria. O problema não era saber se o dinheiro favorecia o bem-estar do país, mas se isso conduzia a uma situação estável, tendo em conta a realidade geopolítica global.»
 
Joseph E. Stiglitz (economista chefe do Banco Mundial de 1997 a 1999,
 
Prémio Nobel da Economia em 2001), in L’Autre mondialisation, Arte, 7 março 2000
 
De facto, o FMI e o Banco Mundial, onde De Groote ocupava cargos de alta responsabilidade, tornaram-se cúmplices das violações de direitos humanos, económicos, sociais e culturais, cometidos pelo regime de Mobutu, na medida em continuaram a apoiar um sistema ditatorial que, no entanto, não honrava todos os seus compromissos financeiros, longe disso.
 
«A responsabilidade moral dos credores é particularmente evidente no caso dos empréstimos da Guerra Fria. Quando o FMI e o Banco Mundial emprestavam dinheiro a Mobutu, o célebre presidente do Zaire (hoje República Democrática do Congo), sabiam (ou deveriam saber) que esses montantes, no essencial, não serviam para ajudar os pobres desse país, mas para enriquecer Mobutu. Pagava-se a esse dirigente corrupto para que mantivesse o país firmemente alinhado com o Ocidente. Muitos consideram injusto que os contribuintes dos países que se encontravam nessas situações fossem obrigados a reembolsar os empréstimos destinados a governos corruptos que não os representavam.»
 
Joseph Stiglitz, La grande désillusion, 2002
 
Os cofres do Estado foram uma fonte estável e inesgotável de riqueza para o clã Mobutu, através de três tipos de desvios: as despesas legais, como a dotação presidencial (exercida fora de qualquer controlo), as despesas ilegais mencionadas no relatório Erwin Blumenthal[24] (esse relatório secreto foi divulgado em 1982), indicando que é impossível controlar as transações financeiras realizadas pelo Estado: o gabinete presidencial pouca distinção fazia entre gastos do governo e despesas pessoais. Erwin Blumenthal identificou no relatório, pelo menos, sete contas detidas por bancos estrangeiros, que foram utilizadas para fazer transferências diretas para as contas pessoais de Mobutu ou para corromper atores políticos. A mensagem de Erwin Blumenthal era clara: «A corrupção erigida como sistema típico do Zaire, com as suas características mais doentias, a sua má gestão e fraude, destruirá todas as tentativas de retoma e de recuperação da economia zairense pelas instituições internacionais, por governos "amigos" e pelos bancos comerciais. Certamente, haverá novas promessas de Mobutu, (...), mas nenhuma (repito: nenhuma) perspectiva de os credores do Zaire recuperarem, num futuro previsível, o dinheiro que investiram»[25].
 
Desde 1979, os principais financiadores do regime, muito próximos do FMI, tinham conhecimento e consciência das práticas fraudulentas e do risco que corriam ao concederem empréstimos ao regime de Mobutu.
 
Uma terceira categoria de desvios consiste, de acordo com o estudo, em «despesas misteriosas». Um ponto importante do Orçamento do Estado (cerca de 18%, de acordo com um estudo realizado pelo Banco Mundial em 1989) diz respeito a «Outros bens e serviços», um saco sem fundo que contém pouca informação sobre a afetação de despesas. De acordo com especialistas do Banco Mundial, a maior parte desse dinheiro era utilizado, sobretudo, em despesas sumptuárias e na compra de material militar. Essa informação permite salientar que o Banco Mundial estava bem ciente do uso ilícito que era dado, nomeadamente, aos seus próprios empréstimos.
 
Em meados dos anos setenta, era evidente que o dinheiro transferido para o Zaire sob forma de doações e de empréstimos era automaticamente desviado do seu objetivo inicial. Essas doações ou empréstimos eram transferidos diretamente para contas estrangeiras, a título pessoal[26], ou eram investidos em projetos de prestígio, sem sentido ou inúteis, que permitiam o enriquecimento de muitas pessoas, mas não possibilitavam certamente a industrialização sustentável da economia. Por exemplo, de acordo com o Office des Biens Mal Acquis(OBMA), constituído na sequência da Conferência Nacional, Mobutu terá recebido uma comissão de 7% sobre o valor do projeto da central hidroelétrica de Inga. O inquérito não pôde ser concluído por causa de resistências oficiais[27].
 
J. de Groote apoiou ativamente o regime de Mobutu e interveio várias vezes para melhorar as relações entre o FMI, o Banco Mundial e Mobutu, encontrando-se em muito boa posição para conhecer em detalhe o que Blumenthal denunciava no seu relatório. Tinha também conhecimento das graves violações de direitos humanos, que o regime de Mobutu levava a cabo.
 
No entanto, em 1994, De Groote, em final de mandato, declarava-se satisfeito com a sua ação no Congo Kinshasa, apesar de a esmagadora maioria do povo congolês viver numa pobreza extrema, de a repressão e o assassínio de opositores serem a regra e de a economia estar exangue.
 
J. de Groote e o Ruanda
 
J. de Groote esteve também envolvido nas ações do FMI e do Banco Mundial no Ruanda.
 
Numa entrevista já citada, publicada pelo Le Soir, Béatrice Delvaux colocou-lhe a pergunta: «E no caso da carta para o presidente ruandês Habyarimana, onde evocou, apoiando, a necessidade, segundo o Fundo, de uma desvalorização?» Jacques de Groote responde: «No início dos anos oitenta, o país não tinha dado voz, durante a criação do Conselho, ao administrador africano. Ele pediu-me para o representar. Depois de ter sido autorizado pelos diferentes países que represento, consultei o FMI e o Banco Nacional do Ruanda. E a minha atenção foi atraída pela relação anómala existente entre o franco ruandês e o dólar, o que provocou uma valorização de 35% da moeda, como expliquei ao presidente. Era meu dever fazê-lo reparar no assunto, a partir do momento em que me ocupava dos seus interesses. São poucos os casos em que o FMI tomou uma posição formal deste género»[28].
 
A jornalista Colette Braeckman publicou no Le Soir, em janeiro de 1991, um importante artigo sobre a ação de J. de Groote no Ruanda. Eis um excerto esclarecedor:
 
«Grande empregador à escala do Ruanda, o patrão da Somirwa [empresa mineira detida em 51% pela Geomines do barão Van den Branden], o Sr. Van den Branden, convenceu o Presidente Habyarimana no sentido de consentir que fossem pedidos créditos internacionais significativos. [...] Numa altura em que a situação entre os ruandeses e a Somirwa estava bloqueada, a intervenção do Sr. De Groote, considerado um especialista, foi solicitada: ele tem a confiança das autoridades ruandesas, é amigo do Sr. Van den Branden, que vai regularmente a Washington e que se gaba, junto de quem o queira ouvir, das suas relações americanas.
 
O veredicto do Sr. De Groote é claro: recomenda uma desvalorização do franco ruandês, e defende o resgate da empresa. Seguindo a doutrina da sua organização, o Sr. De Groote combate a sobrevalorização do franco ruandês e aposta nas exportações do setor mineiro. O veredicto de “árbitro” é favorável à Somirwa, mesmo sendo inspirado pelos critérios habituais do FMI.
 
O Wall Street Journal observa que é nessa época que o Sr. De Groote pede dinheiro emprestado ao banco Nagelmaekers, dirigido pelo mesmo Sr. Van den Branden, que vive numa casa financiada indiretamente por este último, em Georgetown, e é nisso mesmo que o diário norte-americano vê um exemplo de “conflito de interesse”.»[29]
 
Convém regressarmos aos efeitos nefastos do Banco Mundial e do FMI no Ruanda.
 
De regresso ao genocídio de 1994
 
A partir de 7 de abril de 1994, no espaço de menos de três meses, quase um milhão de ruandeses – o número exato está por determinar – foram exterminados por serem Tutsi ou por supostamente serem. Deve-se ainda acrescentar a esse número dezenas de milhares de hútus moderados. Estamos perante um genocídio, quer dizer, a destruição planeada de uma coletividade inteira através do assassínio em massa, destinado a evitar a reprodução biológica e social.
 
Neste contexto, é fundamental interrogarmo-nos sobre o papel dos doadores internacionais. Tudo indica que as políticas impostas pelas instituições financeiras internacionais, principais financiadoras do regime ditatorial do general Juvenal Habyarimana, aceleraram o processo que levou ao genocídio. Geralmente, o impacto negativo dessas políticas não é tido em conta para explicar o desfecho dramático da crise ruandesa. Apenas alguns autores destacam a responsabilidade das instituições de Bretton Woods[30], que recusam qualquer crítica sobre o assunto.
 
No início dos anos oitenta, quando eclodiu a crise da dívida do Terceiro Mundo, o Ruanda (assim como o vizinho Burundi) estava muito pouco endividado. Quando em todo o mundo o Banco Mundial e o FMI abandonavam a sua política ativa de empréstimos e pregavam a abstinência, adotaram uma postura diferente com o Ruanda: encarregaram-se de emprestar grandes montantes ao Ruanda. A dívida externa do Ruanda aumentou vinte vezes, entre 1976 e 1994. Em 1976, o seu valor era de 49 milhões dólares e, em 1994, atingia quase os mil milhões de dólares. A dívida aumentou sobretudo a partir de 1982. Os principais credores são o Banco Mundial, o FMI e instituições com eles relacionadas (que designamos por IFI, instituições financeiras internacionais). O BM e o FMI desempenharam o papel mais ativo no que se refere ao endividamento. Em 1995, as IFI detinham 84% da dívida externa ruandesa.
 
O regime ditatorial no poder, desde 1973, garantia que não se optasse por uma política de mudanças estruturais progressistas. Por essa razão, foi apoiado ativamente pelas potências ocidentais: Bélgica, França e Suíça. Além disso, poderia servir de baluarte contra os Estados da região, que ainda tinham veleidades no sentido da independência ou de mudanças progressistas (a Tanzânia do presidente progressista Julius Nyerere, um dos líderes africanos do movimento dos não alinhados, por exemplo).
 
Durante a década de oitenta e até 1994, o Ruanda recebeu muitos empréstimos e a ditadura de Habyarimana apropriou-se de uma parte considerável. Os empréstimos concedidos deveriam ter sido usados para integrar de forma mais sustentável a economia do Ruanda na economia global, desenvolvendo a sua capacidade de exportação de café, chá e estanho (os três principais produtos de exportação), em detrimento de culturas destinadas à satisfação das necessidades locais. O modelo funcionou até meados dos anos oitenta, quando, em primeiro lugar, o preço do estanho, depois o do café e, finalmente, o do chá entraram em queda. O Ruanda, para quem o café era a principal fonte de divisas, foi duramente atingido pelo colapso do cartel do café, provocado pelos Estados Unidos no início dos anos noventa.
 
Utilização dos empréstimos internacionais na preparação do genocídio
 
Algumas semanas antes do início da ofensiva da Frente Patriótica de Ruanda (FPR), em outubro de 1990, as autoridades ruandesas assinaram com o FMI e o BM, em Washington, um acordo para a implementação de um programa de ajustamento estrutural (PAS).
 
O PAS é implementado em novembro de 1990: o franco ruandês desvaloriza-se 67%. Como contrapartida, o FMI concede empréstimos em moeda estrangeira, de desembolso rápido, para permitir que o país mantenha o fluxo das importações. As somas emprestadas ajudam a equilibrar a balança de pagamentos. O preço dos bens importados aumenta de maneira vertiginosa: por exemplo, o preço da gasolina subiu 79%. O produto da venda de bens importados no mercado nacional permitia ao Estado pagar os salários dos militares, cujo número de efetivos disparava. O PAS previa uma diminuição das despesas públicas: houve congelamento de salários e demissões na função pública, mas parte da poupança revertia em benefício do exército.
 
Enquanto os preços dos bens importados sobem, o preço de compra do café aos produtores é congelado, o que é exigido pelo FMI. Consequência: a ruína para centenas de milhares de pequenos produtores de café[31], que, com as camadas mais pobres das cidades, constituíram um reservatório permanente de recrutas para as milícias Interahamwe e para o exército.
 
Entre as medidas impostas pelo BM e pelo FMI, através do PAS, é preciso salientar ainda: o aumento dos impostos sobre o consumo e a redução do imposto sobre as empresas, o aumento dos impostos diretos sobre as famílias de baixos rendimentos através da redução das deduções fiscais para as famílias numerosas, redução das linhas de crédito para agricultores...
 
Para justificar a utilização dos empréstimos concedidos pela dupla BM/FMI, o Ruanda é autorizado pelo BM a apresentar faturas antigas para cobrir a compra de produtos importados. O sistema permitiu que as autoridades ruandesas financiassem a compra massiva de armas para o genocídio. As despesas militares triplicaram entre 1990 e 1992[32]. Durante esse período, o BM e o FMI enviaram várias missões de peritos, que destacaram alguns aspectos positivos da política de austeridade implementada por Habyarimana, mas mesmo assim ameaçaram suspender os pagamentos se as despesas militares continuassem a crescer. As autoridades ruandesas socorreram-se, então, de artifícios para dissimularem as despesas militares: os camiões comprados pelo exército foram incluídos no orçamento do Ministério dos Transportes, uma parcela significativa do combustível utilizado pelos veículos das milícias e do exército foi atribuída ao Ministério da Saúde... Finalmente, o BM e o FMI fecharam a torneira da ajuda financeira, no início de 1993, mas não denunciaram a existência de contas bancárias, que as autoridades ruandesas detinham no estrangeiro junto de grandes bancos, com somas significativas, que continuavam disponíveis para a compra de armas. Pode-se considerar que as duas instituições falharam no seu dever de controlar a utilização das somas emprestadas. Deveriam ter suspendido os empréstimos no início de 1992, quando se aperceberam que o dinheiro tinha sido utilizado para comprar armas. Deveriam ter alertado a ONU desde essa altura. Continuando a conceder empréstimos até ao início de 1993, ajudaram um regime que preparava um genocídio. As organizações de defesa dos direitos humanos tinham denunciado, desde 1991, os massacres preparatórios do genocídio. O Banco Mundial e o FMI apoiaram sistematicamente o regime ditatorial, aliado dos Estados Unidos, de França e da Bélgica.
 
Aumento das contradições sociais
 
Para que o genocídio fosse executado, era preciso um regime para o conceber e dotar dos meios necessários à sua realização, mas também uma massa de gente empobrecida, pronta a levar a cabo o irreparável. No país, 90% da população vive no campo, 20% da população rural dispõe de menos de meio hectare por agregado. Entre 1982 e 1994, assistiu-se a um empobrecimento massivo da população rural e, no outro pólo da sociedade, a um enriquecimento impressionante de muito poucos. Segundo o professor Jef Maton, em 1982, 10% dos mais ricos da população ficava com 20% do rendimento rural; em 1992, arrecadava 41%; em 1993, 45%, e, no início de 1994, 51%[33]. O impacto social catastrófico das políticas ditadas pela dupla FMI/BM e da queda dos preços do café no mercado mundial (queda que convém correlacionar com as políticas das instituições de Bretton Woods e dos Estados Unidos, que conseguiram fazer rebentar o cartel dos produtores de café nessa época) tem uma influência fundamental no desenrolar da crise no Ruanda. O enorme descontentamento social foi canalizado pelo regime de Habyarimana para a execução do genocídio.
 
É importante situar a ação de J. de Groote num contexto geral, porque, segundo as suas próprias palavras, ele apoiou ativamente o regime de Habyarimana (antes do genocídio).
 
Depois de termos analisado o contexto histórico e social em que a atividade de J. Groote, em África, se enquadra durante a década de sessenta até ao final do seu mandato no FMI, em 1994, regressemos  ao continente europeu.
 
O banco Mundial ao serviço das grandes empresas privadas belgas
 
Os documentos oficiais do Banco Mundial não falam sobre o assunto, mas encontramos em revistas especializadas, destinadas aos patrões, uma indicação precisa sobre as vantagens que as empresas privadas retiram da ação do Banco. O excerto do discurso que se segue fala por si e foi proferido, em 1986, por Jacques de Groote perante uma plateia de chefes de empresas belgas e publicado no Boletim da Federação das Empresas da Bélgica: «As vantagens que a Bélgica retira, assim como todos os países membros do Banco Mundial, da sua participação nas atividades das instituições do grupo podem ser avaliadas através do flow back, isto é, a relação entre, por um lado, o total dos pagamentos feitos pela IDA (Associação Internacional de Desenvolvimento, que faz parte do grupo do Banco Mundial) ou pelo Banco Mundial em favor das empresas de um país aquando da celebração de contratos por essas empresas e, por outro lado, a contribuição desse país para o capital do Banco, bem como para a IDA. O flow back, é, então, a relação entre o que as empresas obtêm através das vendas de equipamento ou de serviços de consultoria e o que a Bélgica contribui para a IDA e para o capital do Banco. O flow back do Banco Mundial para os países industrializados é significativo e tem continuado a crescer: aumentou, tendo em conta o conjunto dos países industrializados, de 7 para 10 entre finais de 1980 e finais de 1984. Quer dizer que, por cada dólar investido no sistema, os países industrializados retiraram 7 em 1980 e 10,5 hoje.»[34]
Após o final do seu mandato no FMI e no Banco Mundial
 
Numa entrevista dada a Beatrice Delvaux, do jornal Le Soir, em março de 1994, no final do seu mandato no FMI, De Groote felicita o seu contributo no sentido de a Bélgica optar pela via neoliberal no decorrer dos anos oitenta.
 
Béatrice Delvaux: «Estando em Washington, influenciou, no entanto, de maneira decisiva a orientação da política económica belga. Foi portador do aval do FMI à mudança de rumo da política económica no início dos anos oitenta, em estreita ligação com o grupo “de Poupehan”?»[35]J. Groote respondeu: «Absolutamente, e estou muito orgulhoso. Estou mesmo muito satisfeito. Realizámos, na época, estudos que permitiram identificar as grandes opções da política económica belga, discutidas depois com Alfons Verplaetse[36]e com diferentes personalidades, como Wilfried Martens.»[37]
Estas declarações ilustram os laços estreitos entre personagens como De Groote e o centro nevrálgico do poder político de um determinado país. Note-se que De Groote reconhece, en passant, que a independência do Banco Nacional é meramente formal, porque a política da Bélgica é definida, num círculo muito restrito e secreto, por atores chave, que vão desde o primeiro-ministro até ao governador do Banco Nacional, passando pelos responsáveis dos sindicatos cristãos e pelos representantes dos patrões... sempre em estreita colaboração com o FMI.
 
J. de Groote e a América Latina
 
Na mesma entrevista, concedida ao Le Soir, em finais de março de 1994, de Groote regozija-se com o alegado sucesso do FMI e do Banco Mundial na América Latina, em geral, e no México, em particular: «Há inúmeros exemplos de sucesso. O caso mais típico é o do México. Em outubro de 1982, o país enfrentou uma grave crise da dívida e os esforços conjuntos do FMI e do Banco Mundial possibilitaram uma rápida adaptação, um reequilíbrio da balança de pagamentos, com uma redução limitada e de curto prazo do rendimento da população. Hoje, assiste-se a um regresso do capital ao México e o Banco Mundial gere no país um programa destinado a diversificar a produção.»
 
Ainda a tinta do jornal não tinha secado e a realidade desmentia já as previsões optimistas de J. de Groote: o capital começava a fugir do México e a fuga iria provocar, em dezembro de 1994, a crise tequila, que fez cair severa e permanentemente a economia mexicana.
 
J. de Groote e a Europa de Leste
 
Nos últimos anos do seu mandato no Banco Mundial e no FMI, De Groote foi particularmente ativo na aplicação de políticas de choque em países que tinham abandonado o bloco soviético. Foi o caso, especialmente, da Checoslováquia, até à criação, em 1993, da República Checa e da Eslováquia, países membros do grupo presidido pela Bélgica no FMI e no Banco Mundial. As populações dos países da Europa de Leste sofreram particularmente com as políticas de austeridade e com as privatizações impostas pelas instituições internacionais. As privatizações permitiram a uma oligarquia de novos-ricos corruptos conquistar um poder excessivo e acumular riqueza à custa dos bens públicos. De certa forma, virou-se o bico ao prego: De Groote encontra-se no banco dos réus por «branqueamento de capitais», «fraude», «falsificação de títulos», devido à privatização fraudulenta da mina checa MUS.
 
Jacques de Groote e os bancos privados
 
Referimos que no processo judicial a decorrer na Suíça, o Credit Suisse é mencionado diretamente, por vários meios de comunicação, por ter ajudado várias empresas diretamente ligadas aos organizadores e aos beneficiários da privatização fraudulenta da mina MUS. Nós não temos acesso ao despacho de acusação e, como tal, não conhecemos a lista de empresas financeiras diretamente envolvidas no esquema de fraude, falsificação e branqueamento de capitais.
 
Sem presumir o seu alegado envolvimento no processo que decorre, talvez valha a pena mencionar a existência da Celiff, uma empresa financeira, fundada em 2001, no Grão-Ducado do Luxemburgo, pelo Dexia Asset Management Luxembourg. Contava, entre os seus administradores, com Jacques de Groote, presidente do Appian Group e com dois cidadãos checos, investigados pela justiça suíça, em 2013. Tratava-se de Jiri Divis, vice-presidente do conselho de administração do Appian Group Europe S.A., e de Marek Cmejla, vice-presidente do conselho de administração e diretor executivo da Newton Holding A.S., que vivem na República Checa, em Praga. Entre os administradores estão também: Adrien de Merode, diretor do Appian Group Europe. Os restantes quatro administradores pertencem todos ao grupo Dexia: um do Luxemburgo, um da Suíça e dois de França[38].
 
Conclusão
 
Para além das vicissitudes do seu percurso pessoal, Jacques de Groote simboliza os aspectos profundamente nefastos das políticas aplicadas, de forma meticulosa, pelo Banco Mundial, pelo FMI e pela elite que governa o mundo, na busca do maior lucro privado. A ganância mistura-se, de forma revoltante, com a violação dos direitos humanos fundamentais.
 
Tradução: Maria da Liberdade
Revisão: Rui Viana Pereira
 
- Eric Toussaint, historiador e doutorado em ciência política pelas Universidade de Liège e de Paris VIII, preside ao CADTM Bélgica. É autor de Banque mondiale: le Coup d’Etat permanent. L’Agenda caché du Consensus de Washington, uma coedição CADTM / Syllepse / CETIM, Liège/Paris/Genebra, 2006, 310 páginas. http://cadtm.org/Banque-mondiale-le-coup-d-Etat


[1]     Valère Gogniat, «La mine tchèque qui met Berne au défi», Le Temps, Genebra, edição de 8 maio 2013.
[2]     Ibid.
[4]     Ver Financial Times, Robert Anderson, «Appian Group: A secretive power to be reckoned with», edição de 21 setembro 2004. Ver também: http://www.investorvillage.com/mbthread.asp?mb=1911&nhValue=58568&nmValue=58608&dValue=1&tid=4273173&showall=1.
      De assinalar que o Appian Group foi fundado em 1996 por Stephen L. Norris, que instalou a sede da empresa num dos paraísos fiscais dos Estados Unidos, o Estado do Delaware. O Appian Group adquiriu a empresa MUS, em 1998, e Stephen L. Norris concedeu, em 1999,  a presidência do grupo a Jacques de Groote, que instalou a empresa em Friburgo. Alguns anos mais tarde, em 2003 ou 2004, o Appian Group estabeleceu-se num outro paraíso fiscal, Guernsey, com a ajuda do Credit Suisse. O autor deste artigo faz pesquisa sobre essa empresa desde 2005. Na época, o Appian Group tinha muita visibilidade na Internet. Depois, os vestígios do grupo na internet foram cuidadosamente apagados.
[5]     Robert Anderson, «Appian Group: A secretive power to be reckoned with», Financial Times, edição de 21 setembro 2004. «Appian Group has come from nowhere to become one of the largest and most powerful financial groups on the Czech business scene».
[6]     A hipótese é também formulada numa notícia breve da agência de notícias checa CTK, que resume da seguinte forma o processo judicial em curso na Suíça: «The Swiss federal prosecutor’s office, following five years of investigations, says top managers may have syphoned off company cash allowing themselves to take control of MUS while depositing funds in Swiss accounts». (24/11/2011, http://www.ceskapozice.cz/en/tag/marek-cmejla)
[9]     «Skodaexport sought financial advice in reducing its tax liability to the Czech government and to obtain a contract through the World Bank to build an oil pipeline in India. Tr. Feb. 24, 2004, at 139-40. Presumably relying on his contacts, de Groote obtained a copy of a relevant study that the World Bank had done in India, explored the status of the project at the World Bank, determined how much money had been earmarked for it, identified SkodaExport's potential competitors, and introduced Aboudaram to the World Bank official in charge of the project»http://www.dcb.uscourts.gov/pdf_files/de_Groote_Decision_re_Res_Judicata.pdf
[10]    Edward T. Pound, «Cozy Ties: IMF, World Bank Aide Has Dealings Hinting At Conflict of Interest --- Jacques de Groote Counsels Zaire, Got Help of People He Was in Position to Aid --- He Denies Any Improprieties», The Wall Street Journal, edição de 28 dezembro 1990. A consulta do artigo é cobrada.
[11]    Fonte: Biography: Dr. Jacques De Grootehttp://www.zoominfo.com/p/Jacques-DeGroote/49353658
[12]    «The African nation owes the IMF and World Bank more than $1.6 billion, yet President Mobutu has become one of the world's wealthiest men, reputedly a billionaire.»
[13]    Béatrice Delvaux, «Jacques de Groote s’explique», Le Soir, edição de 2 janeiro 1991 http://archives.lesoir.be/jacques-de-groote-s-explique-les-opposants-zairois-recl_t-19910102-Z03GA7.html
[14]    Fonte: http://www.zoominfo.com/p/Jacques-DeGroote/49353658, consultado a 9 junho 2013.
[16]    Ver: http://www.zoominfo.com/p/Jacques-DeGroote/49353658, consultado em 10 junho 2013. «From March 1966 to May 1969 Dr. De Groote acted as Economic Advisor to the Republic of Zaire and Advisor to the Governor of the National Bank of Zaire. He was responsible for Zaire's economic rehabilitation, and for negotiations with the IMF, the World Bank and the U.S. government. The 1967 program resulted in the only period of growth of the Zairian economy since Independence (1968-1971), and is cited by the IMF and World Bank as one of the most successful stabilization efforts ever undertaken under their aegis. During this period Dr. De Groote was also in charge of Zaire's negotiations for nationalizing and reactivating Gecamines (the former Union Minière).»
[17]    Eric Toussaint, Banque mondiale: le Coup d’Etat permanent. L’Agenda caché du Consensus de Washington, coedição CADTM / Syllepse / CETIM, Liège/Paris/Genebra, 2006, 310 páginas. http://cadtm.org/Banque-mondiale-le-coup-d-Etat
      Edições em língua estrangeira: Banco mundial: el golpe de estado permanente, Editorial Viejo Topo (Barcelona), 2007; Editorial Abya-Yala (Quito), 2007; Editorial del CIM, Caracas, 2007; Editorial Observatorio DESC, La Paz, 2007.
      World Bank: a never-ending coup d’Etat, Editorial VAK (Mumbai-India), 2007.
      The World Bank: A Critical Primer, Pluto Press, Michigan University Press, Between The Lines, David Philip, London, Michigan, Toronto, Cape Town.
      Uma edição em japonês acaba de sair.
[18]    As colónias abrangidas pelos empréstimos do Banco Mundial são no caso da Bélgica: o Congo belga, o Ruanda e o Burundi; no caso da Grã Bretanha: a África Oriental (incluindo o Quénia, o Uganda e a futura Tanzânia, a Rodésia (Zimbabwe e Zâmbia), assim como a Nigéria, à qual é preciso juntar a Guiana britânica na América do Sul; no caso de França: a Argélia, o Gabão, a Mauritânia, a África Ocidental francesa (Mauritânia, Senegal, Sudão francês – agora Mali –, a Guiné-Conacri, a Costa do Marfim, o Níger, o Alto Volta – agora Burkina Faso –, o Daomé – atual Benin).
[19]    Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 1, p. 687.
[20]    O facto de a Bélgica ser beneficiária de empréstimos concedidos pelo Congo belga pode ser deduzido de uma tabela publicada no décimo quinto relatório do Banco Mundial para o ano 1959-1960. IBRD (World Bank), Fifteenth Annual Report 1959-1960, Washington DC, p. 12.
[21]    Citado por Sack, Alexander Nahum. 1927. Les Effets des Transformations des Etats sur leurs Dettes Publiques et Autres Obligations financières, Recueil Sirey, Paris, p. 159.
[22]    Sack, Alexander Nahum. 1927. p. 158.
[23]    Os historiadores do Banco escreviam que, em 1982 ", seduzido pela astúcia de Mobutu, pelas suas promessas de reformas e pelas pressões dos Estados Unidos, França e Bélgica, o Banco aventurou-se no Zaire com um ambicioso programa de ajustamento estrutural. » in Kapur, Devesh, Lewis, John P., Webb, Richard. 1997. The World Bank, Its First Half Century, Volume 1: History, p. 702.
[24]    Em 1978, o FMI, coloca Erwin Blumenthal no Banco Central do Zaire para organizar o seu funcionamento. Em julho de 1979 Erwin Blumenthal deixa o cargo na sequência de ameaças de morte que lhe são feitas pela entourage de Mobutu.
[25]    Blumenthal, Erwin. 7 abril 1982. Zaïre: Report on her Financial Credibility, typescript, p.19.
[26]    Mobutu chega a intercetar algumas somas antes mesmo de elas entrarem nos cofres públicos, como por exemplo os 5 milhões de dólares concedidos pela Arábia Saudita em 1977. (Dungia, E. 1992. Mobutu et l’argent du Zaïre, L’Harmattan, p.157)
[27]    Askin Steve et Collins Carole. 1993. « External Collusion with Kleptocracy : Can Zaïre Recapture its Stolen Wealth ?” in African Political Economy, n° 57, p.77
[29]    Colette Braeckman, «Affaire de Groote-FMI : la SOMIRWA au Rwanda, un cas éclairant», Le Soir, edição de 7 janeiro 1991, http://archives.lesoir.be/affaire-de-groote-fmi-la-somirwa-au-rwanda-un-cas-eclai_t-19910107-Z03GPE.html.
[30]    e. a. Chossudovsky, Michel et alia. 1995. «Rwanda, Somalie, ex Yougoslavie : conflits armés, génocide économique et responsabilités des institutions de Bretton Woods»; Chossudovsky, Michel, e Galand, Pierre, «Le Génocide de 1994, L’usage de la dette extérieure du Rwanda (1990-1994). La responsabilité des bailleurs de fonds», Ottawa e Bruxelas, 1996. Ver também: Renaud Duterme, Rwanda: une histoire volée, Editions Tribord e CADTM, 2013, http://livre.fnac.com/a6103644/Renaud-Duterme-Rwanda-une-histoire-volee
[31]    Maton, Jef. 1994. Développement économique et social au Rwanda entre 1980 et 1993. Le dixième décile en face de l’apocalypse.
[32]    Nduhungirehe, Marie-Chantal. 1995. Les Programmes d’ajustement structurel. Spécificité et application au cas du Rwanda.
[33]    Maton, Jef. 1994. Idem.
[34]    FEB, 1986, p. 496-497. 
[35]    O grupo de Poupehan foi um grupo de pressão composto pelos principais líderes políticos conservadores, da família social-cristã belga, que desempenhou um papel fundamental durante a viragem neoliberal. Ver http://archives.lesoir.be/les-fantomes-de-poupehan-liberaux-et-fdf-veulent-enquet_t-19910917-Z04EPV.html
[36]    Alfons Verplaetse foi governador do Banco Nacional da Bélgica; foi membro do Partido Social Cristão, na parte flamenga do país.
[37]    Wilfried Martens, primeiro-ministro social-cristão, pôs em prática a orientação neoliberal, em aliança com o Partido Liberal.
[38]    Ver : CELIFF MANAGEMENT CORPORATION S.A., Sociedade Anónima, Holding.
      Registered office: L-1150 Luxembourg, 283, route d’Arlon. Publicado no  Journal Officiel du Grand-Duché de Luxembourg, RECUEIL DES SOCIETES ET ASSOCIATIONS, C — N° 723, 5 setembro 2001 http://www.etat.lu/memorial/2001/C/Pdf/c0723059.pdf
 
https://www.alainet.org/pt/articulo/76839?language=es
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