Declaração do Fórum da Sociedade Civil para a UNCTAD XI
13/06/2004
- Opinión
Fórum da Sociedade Civil preparou dois documentos: uma
carta política, para ser lida na abertura da XI Unctad,
e um documento mais longo, em forma de resolução, anexo
a ela. Leia, a seguir, a íntegra da carta política, que
foi entregue hoje ao Secretário Geral das Nações Unidas:
São Paulo, Brasil, Junho de 2004
O Fórum da Sociedade Civil, reunido por ocasião da
UNCTAD XI, representa movimentos sociais, grupos pelo
desenvolvimento, grupos de mulheres, sindicatos,
organizações camponesas e agrícolas, organizações
ambientais, grupos ecumênicos, organizações de comércio
justo, entre outros. Esse fórum expressa uma pluralidade
de perspectivas sobre o comércio, investimentos e
concorrência e seus impactos no desenvolvimento. No
entanto, seus participantes estão unidos na defesa de
uma série de princípios, posições e ações que queremos
apresentar aos Estados Membros da Conferência.
O Documento oficial desta Conferência declara: "a
globalização é uma força poderosa e significativa para o
crescimento e o desenvolvimento". Esse tipo de
globalização, entretanto, não reflete o processo
observado na realidade. Além disso, essa visão é
inconsistente com a análise apresentada posteriormente
no próprio documento que aponta o impacto negativo e a
concentração de riqueza causados pela implementação da
agenda neoliberal e da globalização.
Da nossa perspectiva de sociedade civil nós nos
preocupamos com o fato de o documento oficial utilizar
uma retórica que descreve uma globalização inclusiva e
eqüitativa, mas que não menciona a relação entre guerras
travadas para a apropriação de recursos para o
favorecimento das corporações transnacionais. Tampouco
reconhece o fato de que essas guerras aprofundam a
pobreza, aumentam a fome e a degradação ambiental para
milhões de seres humanos.
Ao mesmo tempo, o documento enfatiza a existência de
"perdedores" entre os países e dentro deles, porém, não
menciona os padrões insustentáveis de produção e
consumo; e nem mesmo a existência de "ganhadores", que
são, fundamentalmente, os acionistas de corporações
transnacionais e o capital financeiro especulativo,
localizados majoritariamente nos países desenvolvidos.
O documento oficial também destaca o papel do
investimento externo direto para o desenvolvimento
nacional, mas a realidade mostra que a maior parte do
capital externo não é complementar à poupança nacional
no médio prazo, mas sim uma das formas mais evidentes de
transferência de recursos. O modelo de crescimento
baseado nas exportações promovido pelas corporações
transnacionais não leva ao desenvolvimento, e sim ao
empobrecimento.
Também nos preocupa a falta de referência ao impasse em
Cancun, que significou uma nova configuração
internacional de forças políticas e a inclusão dos temas
que já foram rejeitados na Quinta Ministerial. Nós não
queremos que a UNCTAD abandone sua independência e seu
papel como espaço para reflexão crítica e tampouco que
seja utilizada para operacionalizar os acordos da OMC. A
UNCTAD deve enfrentar e apoiar os desafios dos países em
desenvolvimento e dos países em transição.
Com base nessas preocupações críticas sobre o documento
oficial, entre outras, queremos expressar à UNCTAD as
seguintes recomendações:
· Que se rejeite a chantagem financeira, os bloqueios
econômicos, a intervenção militar e a ocupação ilegal
por parte de Governos ricos em nome das corporações
transnacionais e investidores;
· Que a dívida externa seja definitivamente cancelada,
liberando imediatamente os países pobres dessa carga, e
que as corporações transnacionais sejam cobradas por
suas responsabilidades no endividamento mais recente;
· Que os Estados recuperem e/ou retenham seus direitos
de soberania para definir políticas domésticas, que não
afetem outros países, e que tais políticas sejam
adequadas às realidades nacionais, em diálogo e
concertação com a sociedade civil;
· Que o comércio internacional e as instituições e
instrumentos ligados a ele sejam submetidos aos
princípios da Declaração Universal dos Direitos Humanos
e aos acordos e convenções emanadas de processos
relevantes da ONU e das Metas de Desenvolvimento do
Milênio;
· Que a UNCTAD se engaje de forma ativa na criação e
gestão de mecanismos multilaterais destinados a
sustentar e regular os mercados de commodities,
particularmente de produtos agrícolas;
· Que a UNCTAD reconheça e promova o direito de cada
país ou grupo de países à soberania alimentar e o
direito dos mesmos de promover a proteção de suas
economias e agriculturas, incluindo tarifas e restrições
quantitativas que são os principais meios de proteção
dos países pobres. Acreditamos que os países precisam se
unir para garantir esses direitos. E é nesse importante
contexto que nós apoiamos o diálogo e a cooperação entre
o G-20 e o G-90;
· Que as corporações transnacionais sejam proibidas de
utilizar artifícios legais contra políticas e ações
voltadas ao desenvolvimento e que seja criada legislação
de responsabilização e transparência para suas
atividades. Isso inclui o direito legal de cidadãos e
comunidades de proteger-se contra investidores que
violem seus direitos;
· Que haja um efetivo compromisso dos governos com a
superação das desigualdades de gênero, raciais e
étnicas, proteção da diversidade cultural, e proibição
da discriminação baseada na orientação sexual na
definição de políticas de desenvolvimento e de políticas
orientadas para o combate à pobreza;
· Que sejam garantidos os direitos sociais, econômicos,
trabalhistas e sindicais;
· Que seja assegurada a soberania sobre os recursos
naturais, commodities e a biodiversidade. Que a
transferência de tecnologia seja facilitada e que sejam
proibidos o patenteamento de seres vivos e a
comercialização de medicamentos e organismos
geneticamente modificados, para que seja promovido um
desenvolvimento verdadeiramente soberano, sustentável e
eqüitativo.
· Que práticas de comércio justo sejam encorajadas.
Acreditamos que a solidariedade e a união entre países
em desenvolvimento é crucial e rejeitamos quaisquer
tentativas de dividi-los. Estamos convencidos que o
livre comércio não distribui os recursos de maneira
eqüitativa. Uma democracia viva e participativa, baseada
na cooperação econômica e num ambiente de solidariedade
e paz, permitirá uma distribuição mais justa e
eqüitativa da riqueza entre as nações e os povos. Temos
a certeza de que esse mundo melhor é possível
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