Elogio da militância política

01/08/2001
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A mais pretensiosa justificativa do individualismo é aquela que diz que da busca dos nossos interesses e desejos privados se constrói, magicamente, o interesse coletivo. Essa é a utopia liberal: a idolatria do egoísmo, que ainda pretende trazer como contrapartida, o interesse de todos. Eu nem preciso pensar no outro. Basta exacerbar minhas necessidades, a busca das minas satisfações, que no seu desdobramento estarei realizando o que a sociedade espera de mim. Essa maximização do eu - realização máxima do mundo moderno - encontra no mercado sua correspondência. Existimos apenas como indivíduos e somente no momento da troca nos cruzamos com outros, existimos para os outros. Uma visão completamente na contramão dos ideais gregos de democracia, em que o homem, como "ser social" não se limita aos horizontes de si mesmo e o indivíduo só existe como ser dentro da natureza humana. Nessa visão de mundo, a política é uma prática pedagógica, em que o debate coletivo eleva moralmente e constrói coletivamente os ideais da sociedade. No mundo grego o comportamento mais condenável era o da abstenção, o da apatia, o desinteresse pelo destino coletivo, decidido na política. Num mundo que faz a apologia da privacidade contra o espaço público, da individualidade contra a coletividade, do interesse próprio contra o comum, da família contra a comunidade, do privado contra o Estado - qual o lugar para a política? Restringe-se a uma prática profissional, uma espécie de profissão, desligada da vida cotidiana, sem nenhuma conotação moral (veja-se os argumentos de um filósofo amigo do presidente, para justificar alianças políticas sem princípio e compra de votos para sua reeleição). A prática política é desmoralizada atualmente com mais ênfase pelos grandes interesses econômicos, que querem realizar-se sem nenhum obstáculo que afirme direitos e vontade coletiva. A militância política, como foi resgatada pela geração dos anos 60, na luta contra a ditadura militar, é uma atividade generosa, de combate pela transformação radical da sociedade na direção do humanismo e da solidariedade. Militância política, que não precisa ser partidária, mas te que ser política, porque se inscreve no horizonte da construção de um novo tipo de sociedade. É uma prática que não visa lucro e a realização dos interesses próprios, mas os interesses coletivos e, através deles, o de todos os indivíduos. Sua prática generosa foi o momento mais bonito da vida de tanta gente, um parte dos quais olha para aquele momento como um "pecado de juventude", apagado diante da atividade madura de defesa dos grandes interesses constituídos, de forma remunerada, buscando o poder para si e para seu grupo. Sem o resgate do espírito de militância política que busca ideais universais, a luta pela igualdade na diferencia e pela diferença na igualdade, pela justiça e pela apropriação universal dos bens e da cultura - nenhum mundo melhor pode ser construído. A busca dos interesses de cada um - como pregada pelo liberalismo - leva à guerra de todos contra todos e não à "harmonia universal". (A greve da polícia em Salvador demonstrou como, no caldeirão social que a luta de cada um por se virar por contra própria produz, a polícia é se torna essencial: sem ela, instaura-se a guerra aberta, fazendo da polícia a condição indispensável da sociabilidade.) O refúgio em si mesmo, nos espaços privados, a desmoralização interessada da política, o afrouxamento das relações entre ética e política, a desqualificação dos interesses coletivos - tudo é resultado da concepção que privilegia o egoísmo e ainda pretende atribuir-lhe a capacidade, pela sua exacerbação, de atender os interesses coletivos. Essa visão desemboca na busca ilimitada do lucro - como se dela dependesse o interesse do país -, na apologia do empresário privado como o "grande herói" contemporâneo - cujas biografias pretendem sugerir virtudes a seguir, na literatura de auto-ajuda - que encontra sua contrapartida na esotérica -, no "salve-se quem puder" em que se transformou a sociedade, sob os efeitos das políticas neoliberais. Apesar da visão dos "executivos", dos operadores de mercado, dos analistas econômicos, que acreditam que o motor do comportamenteo humano é o lucro e o poder, que acham que o custo/benefício é o metro que mede os homens - nada de bom, de moralmente superior, de socialmente justo, pode ser feito sem a adesão voluntária, ideal, das pessoas. Nos anos noventa primaram a mercantilização, a busca de vantagens individuais, como produto das políticas neoliberais, que o governo FHC/Malan se encarregou de reproduzir no Brasil. Nesta década, se queremos superar o espírito mercantilista e de "guerra de todos contra todos", temos que recuperar - especialmente para os jovens - o ideal da militância política. Uma sociedade, um partido, um movimento, começam a se degradar, a entrar em decadência, quando perdem o espírito do idealismo, da adesão voluntária às grandes causas da humanidade, da militância política e ai começa a ver os jovens desertar de suas filas. Da capacidade de mobilizar aos milhões de jovens - tantos os de classe média, quanto os pobres, estes, a grande maioria da população, junto com as crianças pobres -, depende o resgate do Brasil, para transforma-lo do país do dinheiro - a que foi relegado pelos governos amados pelos banqueiros e detestados pelos professores - para o país do humanismo, da solidariedade, da justiça.
https://www.alainet.org/pt/articulo/105259?language=en
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