A década da desigualdade
18/05/2001
- Opinión
O Brasil é um país tão rico que figura entre as doze mais fortes economias do mundo. Nosso
povo, contudo, é pobre. A constatação é do IBGE, cujos Indicadores Sociais, divulgados a 4
de abril, comprovam que um dos fatores que impedem o nosso desenvolvimento é a falta de
distribuição de renda.
A desigualdade é gritante. Os 10% mais ricos da população possuem renda média de cerca de
R$ 2.400,00, equivalente a 17,60 sálarios mínimos de 1999. O 40% mais pobres passaram,
entre 1992 e 1999, da renda média de 0,70 do salário mínimo (R$ 95,40) para 0,94
(R$127,30), inferior ao valor do piso nacional. A relação entre as rendas médias dessas duas
esferas é de mais de 18 vezes. Ou seja, os mais ricos têm renda 18 vezes maior que a dos
mais pobres.
Como tem enfatizado a CNBB, a dívida social do Brasil ainda é imensa. Como saldá-la? Uns
fazem eco ao discurso da ditadura militar: primeiro precisamos crescer para, depois, distribuir
a renda. Todas as vezes que o bolo cresceu, o gato comeuŠ Outros consideram que o país só
sairá do subdesenvolvimento se distribuir a renda para crescer. Isso significa investir
maciçamente em políticas públicas, como educação e saúde.
Há avanços na saúde, como é o caso do tratamento de soropositivos, embora persistam entre
nós doenças da Idade Média, como a tuberculose e epidemias de dengue e leptospirose,
próprias de lugares em que há pobreza absoluta.
Na educação, há melhorias quantitativas, mas não qualitativas. Os professores ganham mal,
universitários têm dificuldade de redigir uma simples carta e o índice de analfabetos
funcionais - que sabem ler sem entender - é de 29% da população com idade superior a 15
anos.
Quando senador, FHC propôs taxar as grandes fortunas. Quando presidente, esqueceu a
proposta. Para o economista Márcio Pochmann, da Unicamp, a renda brasileira continuará
sua tendência de se concentrar nas mãos de uma elite enquanto não houver reformas agrária e
tributária. O senador Eduardo Suplicy insiste em programas de renda-mínima, que assegurem
a famílias mais pobres uma complementação mensal de recursos, como é o caso da Bolsa-
Escola, adotada, hoje, por vários municípios.
Os economistas dividem-se, a grosso modo, entre monetaristas e heterodoxos. Malan, Braga
e suas equipes, formados pela lógica da escolas dos EUA, acreditam que basta controlar o
fluxo de moedas para se chegar ao melhor dos mundos. Sobretudo abrir o país a
investimentos estrangeiros. Outros, como Pochmann, não vêem saída sem tocar nos feudos
da elite brasileira. Não basta vestir o diabo de santo.
Não há caso de um único país no mundo que tenha chegado ao desenvolvimento sem mudar
estruturas arcaicas. Houve revoluções na Inglaterra, nos EUA e na França. Os melhores
índices sociais da América Latina são registrados em Cuba. Enquanto o governo gaba-se de
ter reduzido a taxa de mortalidade infantil de 44,3 por cada 1.000 nascidos vivos, em 1992,
para 34,6, em 1999 (Alagoas apresenta o alarmante índice de 66/1.000), o índice cubano
equipara-se ao dos EUA: 9/1.000.
Não se trata de importar o regime cubano para o Brasil, e sim de deixar de importar o
estadunidense. Se fosse alcançada a utopia burguesa de um mundo próspero como o do Big
Brother, o planeta desapareceria, asfixiado pela quantidade de dióxido de carbono jogado na
atmosfera. Bush, aliás, acaba de rasgar o Protocolo de Kioto, pelo qual os países se
comprometem a reduzir seus respectivos índices de poluentes atmosféricos.
A história da prosperidade dos EUA é a história do empobrecimento de centenas de povos,
sobretudo na América Latina. Quem se queixa de os EUA apropriarem-se, no século 19, de
metade do México e de Porto Rico? Convencido de que Deus reservou-lhe a sublime missão
de proteger a Terra de todos os males que possam afetar a sua vida interna, o governo dos
EUA agora monta a armadilha da Alca para subjugar ainda mais o nosso Continente a seus
interesses.
Muitos criticam, com razão, o bloqueio, de fora para dentro, imposto pelo governo
estadunidense a Cuba. Mas poucos lembram do bloqueio, de dentro para fora, ao resto da
América Latina. Bloqueio que atrasa o nosso desenvolvimento, obriga-nos ao controle do
FMI, agrava a nossa dívida externa e impede-nos de construir uma democracia na qual
liberdade individual e justiça social sejam irmãs siamesas.
Se em seis anos de governo FHC os ricos ficaram mais ricos e os pobres, mais pobres, como
pretender que os miseráveis, como os sem-terra, tenham a paciência de esperar que as
autoridades do país do latifúndio lhes assegure um pedaço de terra para plantar e viver?
https://www.alainet.org/pt/articulo/105160
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